Estudo: pais e médicos não estão prontos para orientar jovem com obesidade
Profissionais reconhecem falta de formação adequada, e cuidadores não entendem o excesso de peso como um problema de saúde que pode ser tratado
Um estudo batizado de Actions Teens e apresentado no Congresso Europeu de Obesidade investigou a percepção sobre a obesidade em adolescentes. O principal diagnóstico: 20% dos jovens que estão acima do peso não reconhecem o problema. Seus familiares também não souberam identificar a situação de seus filhos.
Para complicar, boa parte dos médicos não está pronta para lidar com a obesidade de forma empática. O saldo disso é que ninguém fala abertamente sobre excesso de peso.
A pesquisa incluiu 5 mil jovens de 12 a 17 anos, cuidadores e médicos. A partir desses dados, espera-se um diálogo mais franco sobre o tema, segundo Priscilla Mattar, diretora médica da Novo Nordisk, farmacêutica que apoiou o estudo.
“Um bom início de conversa é definir o que é obesidade. Trata-se de uma doença crônica, progressiva e recidivante. Mas que é tratável, como o diabetes e a hipertensão”, afirma a médica.
De acordo com Priscilla, ao abordar a obesidade como uma doença, o adolescente seriado livrado da culpa e daquele discurso de que “é preguiçoso” e “sem controle”.
Esse discurso, no entanto, ainda é incomum em consultórios. No levantamento, 87% dos médicos afirmam que não receberam treinamento significativo sobre como controlar a obesidade.
Claro que a ingestão excessiva de comida ultraprocessada e calórica, aliada ao sedentarismo, promovem o ganho de peso. Mas essa conta é mediada por diversos outros fatores. “Há a privação do sono, questões de saúde e outros fatores ambientais a considerar”, defende Priscilla. Quem nunca compensou na comida aquela noite maldormida?!
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“Há também a parte genética”, acrescenta a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
De acordo com ela, o preço de alimentos saudáveis e a publicidade dos ultraprocessados complicam ainda mais a equação. “A mãe chega no mercado e se depara com frutas e verduras mais caras do que as comidas prontas. A obesidade também é uma questão do que está disponível para nós”, arremata.
O problema não é adiável
Outro ponto do estudo revela que os adolescentes que conseguiram iniciar seu tratamento contra a obesidade já apresentavam sinais de doenças crônicas: problemas de saúde mental, diabetes tipo 2, lesões nos ossos e articulações…
“As consequências não estão so no futuro. Elas são sentidas já na juventude”, raciocina a diretora médica da Novo Nordisk. “E o risco de o adolescente com obesidade permanecer acima do peso na fase adulta é de de 80%”, completa. Daí a necessidade de abordar a questão logo de cara.
O estudo Action Teens foi feito em dez países: Austrália, Colômbia, Itália, México, Arábia Saudita, Coreia do Norte, Espanha, Taiwan, Turquia e Reino Unido. O Brasil, portanto, não está incluso, mas se sabe que o nosso cenário não é muito diferente.
“Por aqui, três em cada dez adolescentes estão acima do peso, e um em cada dez têm obesidade propriamente, segundo dados de indivíduos que passaram em consultas pelo SUS”, afirma Maria Edna. Essa mesma base de informações revela que, em 2020, 17,4 milhões de adolescentes estavam com excesso de peso, enquanto 7,2 milhões de crianças e adolescentes já possuíam obesidade.
O que explica esse aumento de obesidade na juventude?
“Muitos comportamentos e hábitos mudaram. Há uma larga oferta de ultraprocessados, que são mais fáceis de preparar do que os alimentos saudáveis. Ainda temos mais estresse e uma redução de atividade física, apesar de esse último ponto ser superestimado”, avalia Maria Edna.
Esses e outros fatores se somam a algo inerente do nosso organismo. O ser humano foi programado ao longo do processo evolutivo para manter suas reservas energéticas. Ao emagrecermos, portanto, nosso corpo tenta reduzir o gasto calórico e, acima disso, estimula a fome.
“Outro complicador na adolescência é a própria forma de chegar ao diagnóstico, porque não dá mais para ficar só no IMC [índice de massa corporal]“, alerta Maria Edna. “Eles estão em fase de crescimento e nem sempre o médico faz a relação correta do ganho de altura com o aumento de peso”, complementa.
Tratamento já evoluiu
As estratégias contra a obesidade são múltiplas. Em geral, há mudanças nos estilos de vida (que incluem alimentação e atividade física), avaliação psicológica e, se for o caso, medicamentos. O ideal é envolver diversos profissionais de saúde.
“Houve um estigma em relação a remédios porque antes só havia opções que criavam dependência, alguns com base de anfetamina. Mas esses foram retirados do mercado. Hoje há opções mais seguras e aprovadas para o uso de crianças e adolescentes”, pondera Priscilla.
“O início da abordagem sempre terá uma avaliação do estilo de vida, para só depois partir para remédios e outras estratégias. É preciso analisar o que funciona em cada caso, e buscar alternativas a partir daí”, conclui Maria Edna.