Diabetes tipo 1: a vida de milhares de brasileiros está em risco
Levantamento alerta sobre negligência no tratamento da doença pelo mundo. Brasil sofre com falta de informação e insumos
Cerca de 3,9 milhões de pessoas no mundo que perderam suas vidas por causa do diabetes tipo 1 poderiam estar vivas. Isso se houvesse mais informação e acesso a tratamentos e insumos. Esse é um dos prognósticos trazidos pelo Índice de Diabetes Tipo 1, documento que reuniu dados do mundo inteiro para avaliar o impacto dessa doença na saúde pública.
O estudo foi liderado pela JDRF, organização global de pesquisa e defesa do diabetes tipo 1, e envolveu mais de 500 endocrinologistas e 400 publicações.
Sobre a falta de informação, a confusão já começa ao falarmos sobre os tipos de diabetes. Tanto o tipo 1 como o 2 são caracterizados por um excesso crônico de açúcar no sangue.
Só que o diabetes do tipo 1 é uma doença autoimune. Ou seja, as próprias unidades de defesa do corpo passam a destruir o pâncreas, responsável pela produção de insulina. O tratamento, portanto, envolve a reposição desse hormônio, que permite o aproveitamento do açúcar pelas células.
Cegueira, risco de infarto, AVC e amputações estão entre as possíveis complicações da doença e, segundo esse estudo, fazem um indivíduo perder, em média, 33 anos de vida saudável.
No diabetes do tipo 2, só para esclarecer, a causa da glicemia alta vem de um fenômeno conhecido como resistência à insulina. Em resumo, o hormônio até é produzido, mas não consegue atuar direito. E os sintomas aparecem anos depois da instalação da doença. Saiba mais sobre esse quadro aqui.
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Voltando ao estudo sobre o diabetes do tipo 1: além de fazer um retrato do que ocorre no mundo, o documento traz previsões preocupantes, inclusive para o Brasil. O país é o terceiro no mundo com mais casos da doença, e tende a chegar em primeiro lugar nos próximos anos.
Pelos dados atuais, estima-se que 235 mil mortes em decorrência do quadro poderiam ter sido evitadas por aqui. Se nada for feito, esse número pode chegar a cerca de 465 mil em 2040.
Como evitar esse cenário?
“O importante é sabermos utilizar esses dados para mudar a perspectiva”, afirma Mark Barone, fundador e gerente-geral do Fórum Intersetorial de Combate às DCNTs no Brasil e vice-presidente da Federação Internacional de Diabetes (IDF). Ele atua em algumas instituições parceiras desse estudo.
O relatório aponta para soluções globais nesse sentido. É preciso, por exemplo, melhorar o diagnóstico e garantir o acesso a medicamentos e novas tecnologias – como os diversos tipos de insulina e as tiras de reagentes e os monitores utilizados no controle da glicemia. Áreas como prevenção e pesquisa também carecem de investimento, claro.
Por aqui, algumas conquistas até chegaram ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas muitas vezes o paciente sofre com a falta do básico.
“Conseguimos incorporar muitas medicações nos últimos anos, mas ouvimos relatos, por exemplo, de falta de insulina e tiras de glicemia em postos. Quem convive com a doença precisa desses itens diariamente, não é algo que possa aguardar um mês”, relata Barone. “Saber que isso é um direito empodera as pessoas, que passam a exigi-los”, completa o médico.
O estudo, por exemplo, calcula que a cada tira de insulina a que uma pessoa tem acesso, sua expectativa de vida aumenta algumas horas.
Outra questão urgente diz respeito à desinformação. Para resolvê-la, esclarece Barone, é importante batalhar por uma melhor formação dos profissionais de saúde.
“Quem tem diabetes tipo 1 precisa tomar decisões o tempo todo, como escolher o alimento certo após verificar se a glicemia está baixa ou alta. Muitos associam o diabetes à proibição de doces, por exemplo. Mas, na doença do tipo 1, há o risco de hipoglicemia, quando a pessoa precisa de açúcar”, exemplifica o médico.
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Um outro engano frequente é de que a identificação do diabetes tipo 1 só ocorre entre crianças e adolescentes. O relatório da JDRF aponta que 50% dos diagnósticos estão concentrados nos mais velhos.
“Quando o adulto descobre a doença, ele associa ao tipo 2, que remete a obesidade e má alimentação, quando, na verdade, ela tem base genética. A partir daí, ele comete erros ao praticar atividade física, montar a dieta, etc.”, ensina Barone.
Vale lembrar que associações também fazem o papel de disseminar informações sobre a doença e seus tipos, como a Sociedade Brasileira de Diabetes. Quanto mais conhecimento, menor o risco de números tão desastrosos, como os levantados pelo estudo, se confirmarem.