Brasil tem primeiros casos da varíola dos macacos; o que muda?
A chegada da doença por meio de viajantes da Europa, onde ocorre um surto, chamaram a atenção. Investigamos o que deveria mudar na prevenção por aqui
O primeiro caso de varíola dos macacos no Brasil foi confirmado oficialmente em 9 de junho na capital paulista. Na sequência, o Ministério da Saúde confirmou mais quatro nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Mas o que isso significa? A preocupação deve aumentar?
Não é para tanto. Importante observar que todos esses casos tiveram histórico de viagem à Europa, em regiões de surto da doença como Portugal (com 138 casos) e Espanha (156).
Por aqui, as primeiras providências tomadas, segundo o Ministério da Saúde, foram o isolamento dessas pessoas e o rastreamento de contatos prévios para impedir que o vírus continue circulando. Essas são as medidas mais importante no momento, segundo a epidemiologista Andrea Paula von Zuben, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretora do departamento de vigilância em saúde de Campinas.
“Esse vírus ainda não está presente nos animais brasileiros, então a única possibilidade de contato é entre viajantes. Além da extrema vigilância sobre os casos, é preciso dobrar o cuidado em fronteiras e aeroportos”, completa a professora.
Por esse motivo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou uso de máscaras nesses locais. “É uma doença bastante transmissível, mas que depende de contato íntimo e prolongado. As gotículas expelidas pela fala atingem quem está há menos de um metro por, mais ou menos, 15 minutos. Por isso, máscaras são recomendadas nos aviões principalmente”, explica a epidemiologista da Unicamp.
Dando atenção a esses pontos, a tendência é que não haja uma explosão de casos em território brasileiro. “Embora seja uma doença preocupante, não acredito no risco de um surto com grande número de casos por aqui”, completa o infectologista Eduardo Medeiros, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor científico da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI).
A SPI reforça a necessidade de manter a higiene das mãos, usar máscaras em locais fechados – principalmente aviões – como medida para se prevenir desse e de outros vírus.
O que mais devemos saber sobre o contágio?
A OMS entende que a principal via de transmissão é o contato próximo com alguém infectado, por meio de gotículas respiratórias e fluidos corporais.
“Os sintomas começam leves, com febre e dor no corpo. Então é possível confundir com outra doença”, esclarece Andrea. Esses sinais podem surgir entre três a 21 dias depois da infecção – o tempo pré-sintomático é, aliás, uma janela de chance para o vírus se espalhar antes que o indivíduo se isole.
Quando as feridas surgem – e elas começam por mãos e pés – o risco de contágio aumenta. Atenção: o contato com a secreção que sai dessas lesões é o mais perigoso. Como a pessoa tende a se isolar, quem deve tomar cuidado principalmente são os cuidadores.
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A transmissão via sexual ainda está sendo estudada, mas parece ser mais uma questão de proximidade física do que do sexo em si.
Apesar de a maioria dos casos ter sido diagnosticada em homens jovens que afirmam fazer sexo com outros homens, não foram só eles os acometidos. E não se trata de uma doença sexualmente transmissível “entre homossexuais”, um conceito infundado, que lembra a época do auge do HIV.
É possível, por exemplo, que o primeiro infectado por um animal tenha comparecido a um evento frequentado por um número alto de homens que fazem sexo com outros homens. Daí a doença se espalhou entre eles.
Por que não usar a vacina contra varíola?
A vacina contra a varíola humana oferece proteção cruzada e teria eficácia de 85% contra o monkeypox. No entanto, por se tratar de uma doença erradicada não há remessas do imunizante dando sopa por aí, e as pesquisas estão desatualizadas.
Em coletiva de imprensa, Rosamund Lewis, especialista no assunto da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que há uma única vacina aprovada com indicação para prevenir a varíola dos macacos, mas trata-se de um produto novo.
“Eles ainda não passaram pelas etapas de regulação e não há capacidade de produção”, reforça a médica. Rosamund ainda diz que os investimentos nesse tipo de pesquisa são limitados porque a varíola foi erradicada há 40 anos. “Esperamos que isso mude para que mais países tenham acesso às vacinas”, conclui a representante da OMS.
O órgão relata que a indústria está se movimentando para ter doses que protejam pessoas do grupo de risco, como os imunossuprimidos, e profissionais de saúde que podem ter contato com o vírus.
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Por aqui, nesse momento, um imunizante ainda não seria totalmente necessário.
“Sair vacinando não faz sentido em regiões sem circulação natural desse vírus. Seria a mesma coisa que fazer campanha contra febre amarela em países que não têm o mosquito (aedes aegypti). Se perdermos o controle por aqui e a doença se espalhar, no entanto, essa conversa pode mudar”, explica Andrea.
Qual a situação no mundo?
A varíola dos macacos não é uma doença nova. Ela foi descoberta em 1958, em uma colônia de macacos que viviam num laboratório na Dinamarca (de onde veio o nome). A primeira infecção em humanos foi diagnosticada em 1970 no Congo, país que até hoje concentra o maior número de casos.
O ineditismo é o vírus ter chegado a 1 285 pessoas (desde maio) em países que nunca conviveram com ele, como os da Europa e da região das Américas.
O continente africano convive com a varíola do macaco há bastante tempo – ela é considerada endêmica em 11 países de lá. Desde janeiro, a OMS registrou 1 536 casos e 72 mortes desde janeiro. Isso, aliás, chama a atenção para a questão das doenças negligenciadas, que atingem países pobres e recebem menos investimentos em pesquisas para tratamento e prevenção.
Esse não é o primeiro surto fora do continente. Em 2003, 70 casos ocorreram em uma mesma região dos Estados Unidos, depois que roedores importados de Gana infectaram esquilos de estimação.
Por que a varíola dos macacos está se espalhando agora?
Algumas teorias estão em estudo. Uma postula que a população está mais suscetível, já que praticamente todos os menores de 50 anos não foram vacinados para a varíola humana, que garantia proteção cruzada no passado.
Outra é a possibilidade de um evento super espalhador, como uma festa. Isso seria mais fácil no momento atual, de retomada intensa de deslocamentos internacionais, retorno de aglomerações e relaxamento de medidas preventivas como o uso de máscaras.
Há de se destacar ainda que é normal que doenças emergentes surjam. Nas últimas décadas, a circulação de pessoas entre países cresceu consideravelmente, o que facilita o espalhamento de agentes infecciosos.
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No mais, com a pandemia, as autoridades passaram a monitorar novas infecções com mais atenção. Qualquer novo surto, então, ganha mais visibilidade, inclusive da imprensa.
“Temos duas situações nesse sentido: a varíola dos macacos e a hepatite de origem desconhecida. Além da questão da circulação maior, também diagnosticamos e identificamos o patógeno mais rápido hoje em dia”, comenta Salvador.
Por fim, as mudanças climáticas e a perda de vegetação natural facilitam o contato entre animais silvestres e espécies que interagem com o homem. Se espera um aumento das doenças infecciosas para os próximos anos por conta disso.
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