Altoida: exame digital prevê risco de declínio cognitivo com mais precisão
Teste em iPad avalia mais de 750 parâmetros para definir risco de Alzheimer e acompanhar casos confirmados
Quanto mais cedo uma condição for identificada, melhores serão as perspectivas de tratamento e manejo do quadro. É esse o propósito do Altoida, um exame digital capaz de identificar alterações cognitivas e estimar o risco de Alzheimer.
Criada por uma equipe internacional de pesquisadores estabelecida na Suíça, a tecnologia utiliza realidade aumentada para avaliar habilidades motoras e de memória e raciocínio em adultos.
O teste já foi validado por mais de 15 estudos e é utilizado por milhares de pacientes ao redor do mundo no rastreamento e tratamento da demência. A pesquisa mais recente foi publicada em dezembro, na revista npj Digital Medicine, do grupo Nature.
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O artigo mostrou que o exame é capaz de distinguir as fases pré-clínica e prodrômica da doença de Alzheimer, ou seja, detectar sinais e riscos de declínio cognitivo antes mesmo dos clássicos sintomas aparecerem — de uma forma que os testes cognitivos tradicionais que temos atualmente não conseguem.
“Não chega a ser um teste diagnóstico, porque, na demência, isso depende de alterações cognitivas apresentadas também em exames de imagem, moleculares e testes neuropsicológicos”, afirma Juliana Rebechi Zuiani, neurocirurgiã da Pontifícia Universidade Católica em Campinas (PUC-Campinas).
Mas o método é útil ao rastreamento de casos e análise de risco, podendo servir para complementar a fase diagnóstica e até ajudar a acompanhar o tratamento.
A ferramenta já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e por órgãos análogos nos Estados Unidos e na Europa.
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Como funciona?
O Altoida é um teste com atividades com realidade aumentada que avaliam diversos domínios cognitivos, como a memória, a habilidade motora, o raciocínio, o equilíbrio, a visão e outras funções complexas.
A tecnologia é instalada em um iPad e o exame é realizado em consultório médico ou de forma remota, no local de preferência do paciente. A pessoa é instruída a fazer exercícios como criar um círculo, esconder objetos virtuais e depois lembrar onde os deixou, recordar sequências, entre outros.
O teste dura, em média, de 10 a 15 minutos. Os resultados são compartilhados com a conta do médico que acompanha o caso.
“A inteligência artificial do aplicativo tem uma alta sensibilidade para avaliar mais de 750 parâmetros”, afirma Zuiani. Assim, são identificados biomarcadores digitais que indicam com acurácia de 94% o risco de alterações cognitivas.
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Quem pode usar?
“O exame já foi validado para ser usado por qualquer pessoa com mais de 18 anos, mas costumamos recomendá-lo a partir dos 40 anos, quando a reserva cognitiva pode começar a diminuir”, explica a neurocirurgiã da PUC-Campinas.
Pessoas que têm maior risco de desenvolver Alzheimer ou mesmo para quem já teve alguma demência diagnosticada também estão entre as indicações. Nesses casos, o teste é usado para avaliar a progressão da perda cognitiva.
Fatores de risco para Alzheimer
O Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo multifatorial, isto é, que depende de variáveis genéticas e ambientais complexas para se desenvolver. As predisposições genéticas não podem ser modificadas, mas também não ditam, sozinhas, o aparecimento da doença.
É possível adotar hábitos saudáveis para prevenir a condição — ou ao menos adiar o aparecimento dos sintomas.
Segundo consenso científico, há 12 fatores de risco ligados ao desenvolvimento do Alzheimer. O principal é a falta de educação formal: aqueles com poucos anos de estudo estão em maior risco de Alzheimer.
“A reserva cognitiva é o nosso tanque de combustível do funcionamento cognitivo”, compara a neurocirurgiã. “Construímos essa reserva ao longo dos anos, tendo novas experiências intelectuais, motoras, manuais.”
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Além da falta de acesso à educação, problemas de saúde podem influenciar perdas cognitivas. Os principais são hipertensão, obesidade, diabetes, depressão, perda auditiva e lesão cerebral traumática.
Fatores comportamentais, sociais e ambientais também devem ser evitados, como inatividade física, tabagismo, consumo abusivo de álcool, isolamento social e exposição à poluição atmosférica.
No Brasil, 1,7 milhão de pessoas com mais de 60 anos convivem com algum tipo de demência. Dessas, 966 mil têm Alzheimer.
E os números tendem a aumentar. Segundo estimativa do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros, serão 2,8 milhões de pacientes até 2030 e 5,5 milhões até a metade do século.
No mundo, os números chegarão a 55 milhões e 139 milhões nos mesmos períodos, respectivamente. “Precisamos trabalhar na prevenção dos fatores de risco se queremos modificar essa curva de crescimento”, defende Zuiani.