Alimente os músculos: a dieta ideal para brecar a sarcopenia
A perda de massa muscular é inevitável com o avanço da idade, mas ajustes na dieta ajudam a espantar a ameaça da sarcopenia
Considerada uma das esculturas mais famosas do mundo, o Davi de Michelangelo (1475-1564) tem a mão direita desproporcional em relação ao resto do corpo. O exagero no tamanho seria referência a um dos significados do nome do herói bíblico, que, no latim, foi traduzido como fortis manu, ou mão forte.
Diferentemente da colossal obra de arte, é justamente a fraqueza das mãos que, junto de outros sinais, dá pistas da sarcopenia — condição marcada pela redução significativa de massa, força e função muscular, e que pode inclusive derrubar a qualidade de vida.
O envelhecimento é o principal fator por trás dessa perda progressiva, que atinge entre 11 e 17% da população mundial com mais de 60 anos e bate 50% em indivíduos acima dos 80.
Acontece assim: com o avanço da idade, ocorrem naturalmente alterações fisiológicas que afetam o trabalho e as características das fibras musculares. Os processos biológicos responsáveis por tonificar pernas, braços e companhia passam a não ser tão eficientes como na juventude.
BUSCA DE MEDICAMENTOS
Consulte remédios com os melhores preços
A perda de massa e força desencadeia um quadro que, quando não é detectado e revertido a tempo, aumenta o risco de queda e instabilidade postural, gerando insegurança para a prática de exercícios e tarefas simples do cotidiano. E a inatividade, por sua vez, cria um círculo vicioso prejudicial ao organismo.
O diagnóstico da sarcopenia vem à tona após um profissional de saúde avaliar a marcha do indivíduo e a presença de sintomas como cansaço, lentidão ou dificuldade ao subir escada ou levantar-se da cadeira, medir a circunferência da panturrilha e solicitar exames como a densitometria. Perda de peso não intencional é outro motivo de suspeita.
Mais um parâmetro, que nos remete à estátua de Michelangelo, é a força da mão, mensurada com o auxílio de um aparelhinho chamado dinamômetro (ou handgrip). Para esse último critério, inclusive, os cientistas estão pedindo a revisão das métricas.
É que novas medidas para referência surgiram em um estudo internacional, com dados de 6 182 pacientes britânicos acompanhados por 14 anos, conduzido pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a University College London, no Reino Unido.
O trabalho comparou os pontos de corte de preensão palmar encontrados entre os voluntários e os de pesquisas anteriores. “Nossa conclusão e sugestão é aumentar o valor mínimo, tornando o teste mais preciso e melhorando o diagnóstico da sarcopenia”, conta o fisioterapeuta Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e líder do trabalho.
Quanto mais cedo se descobre a perda de massa e força muscular, maiores as chances de intervir com sucesso e estender a autonomia, a disposição e os anos pela frente.
“Hoje se sabe que garantir a saúde do sistema musculoesquelético é fundamental para diversos processos vitais”, diz o nutricionista Hamilton Roschel, do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Nesse sentido, a obra de outro mestre renascentista pode ser útil para entender tantas atribuições da musculatura. Estudioso do corpo humano, Leonardo da Vinci (1452-1519) deixou uma porção de desenhos que detalham a beleza da engrenagem que compõe esse maquinário.
Além das funções nos movimentos e na postura, como a estabilização do tronco, músculos vigorosos protegem as articulações e os ossos dos impactos. Não bastassem as funções conhecidas há séculos, a ciência moderna tem mostrado que preservar a musculatura repercute na imunidade, no coração e até no cérebro. E não param de surgir notícias de que a famosa dobradinha dieta e exercício tem um peso enorme no vigor muscular.
Embora a proteína continue sendo o ingrediente de destaque nesse cenário, é bom saber que outros nutrientes dão um apoio para a musculatura se manter em cima e não desmoronar
A palavra “sarcopenia” é originária do grego sarx, que significa carne, e penia, perda. Foi Irwin Rosenberg, professor do Centro de Pesquisa de Nutrição Humana sobre Envelhecimento, da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, que cunhou o termo em 1989.
Antigamente, o conceito se referia apenas à redução de massa magra, ou seja, não incluía força e desempenho físico. Aliás, no dicionário dos experts, há um verbete exclusivo para a fraqueza da musculatura, que é dinapenia. Consta ainda osteosarcopenia, que junta o decréscimo ósseo ao muscular.
De fato, músculos e ossos estão em constantes trocas de informações — e ambos são impactados com o avançar dos anos. “Assim, a tendência é que prejuízos ocorram simultaneamente”, explica a geriatra Maisa Kairalla, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Quando há déficit na síntese proteica, processo natural no envelhecimento, observam-se prejuízos tanto na densidade do esqueleto quanto nas fibras musculares. Daí que sarcopenia e osteoporose costumam andar lado a lado.
Mesmo que os declínios sejam inevitáveis, caprichar no cardápio e evitar o sedentarismo (quanto antes, por favor!) contribui para minimizar os estragos. Embora o ideal seja adotar tais hábitos ainda na infância, os experts garantem que sempre há tempo para correr atrás do prejuízo.
Não é nenhuma novidade que mexer o corpo provoca uma série de efeitos benéficos. A lista é enorme. Independentemente da atividade escolhida, a tendência é de redução da gordura corporal e aumento da densidade óssea e massa muscular. Sem contar as repercussões no cérebro, algo também mediado, quem diria, pela musculatura.
+ Leia também: Os efeitos do colágeno e quando realmente vale suplementar
Cientistas têm desvendado o papel de determinadas moléculas derivadas do músculo esquelético na regulação do humor e na cognição. “Conhecidas como miocinas, elas são liberadas nas contrações musculares e se comunicam com regiões cerebrais”, revela o médico do esporte Fabrício Buzatto, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo.
Mas nunca é demais ressaltar que a prática de exercícios deve ser algo prazeroso, quase um momento de lazer, só assim vai gerar adesão e trazer saúde em um sentido amplo, proporcionando tanto bem-estar físico quanto mental. Ninguém que já passou por tanta coisa na vida merece sofrer em cada sessão, concorda? O mesmo recado vale para o que vai ao cardápio. É preciso ajustar as coisas, mas sem desrespeitar as preferências.
Idosos tendem a apresentar alterações na mastigação e no paladar, além de certas dificuldades digestivas. Por tudo isso, não é raro que rejeitem carnes, por exemplo. Essas situações pedem um olhar ainda mais zeloso a fim de adequar as quantidades de nutrientes, sobretudo em relação às necessidades proteicas.
Formada a partir da combinação dos aminoácidos, a proteína é comparada aos tijolos que formam as paredes. Isso porque tem papel fundamental na constituição dos órgãos e demais tecidos. Ela é indispensável na formação e reparação das fibras musculares, colaborando para o incremento da massa magra.
E, aqui, outra vez vamos bater na tecla da dupla ginástica e dieta. Afinal, de nada adianta levantar os halteres se não abastecer o organismo adequadamente. O resultado depende dessa combinação.
As recomendações diárias variam de acordo com o perfil e a idade, mas, entre os mais velhos, geralmente os valores ficam entre 1 e 1,5 grama de proteína por quilo de peso corporal. Exemplo: um indivíduo de 80 kg requer 120 g diários.
“Para suprir essa demanda, o ideal é apostar na variedade, alternando fontes proteicas vegetais e animais”, sugere a nutricionista Celma Muniz, do Ambulatório de Cardio-Oncologia da Unifesp.
Ovos, peixes, carnes magras, além de leite e seus derivados, fornecem diversos tipos de aminoácidos. Já no reino vegetal, o grupo das leguminosas faz bonito: ervilhas, lentilhas, soja, grão-de-bico, além dos inúmeros tipos de feijões.
Dar um chega pra lá na monotonia alimentar só traz vantagens — e em todas as fases da vida. Em se tratando de proteína, a alternância de fontes e receitas acrescenta sabores e pode fazer toda a diferença para a saúde muscular. De um lado, temos os redutos de origem animal, que são badalados por apresentarem um perfil de aminoácidos de excelente aproveitamento pelo organismo.
Do outro, destacam-se as leguminosas (soja, ervilha, feijão, lentilha), que têm a vantagem de, além do conteúdo proteico, oferecer fibras, ingrediente crucial para a microbiota e o bem-estar intestinal.
E até isso tem reflexos na musculatura. Estudos mostram que, quando há desequilíbrio da flora, a tal disbiose, ocorre o aumento da permeabilidade intestinal, levando substâncias inflamatórias a viajar pela corrente sanguínea e deixar um rastro de encrencas pelo organismo.
“Observa-se, na população idosa, que quadros de inflamação sistêmica de baixo grau, batizados de inflammaging, estão associados a doenças crônicas, incluindo a sarcopenia”, conta a nutricionista Natália Magalhães, do Centro de Gasto Energético e Composição Corporal da Faculdade de Medicina da USP.
É justamente por esse elo que o ômega-3, gordura encontrada em peixes e sementes, desponta como protetor dos músculos — ora, ele atua contra a inflamação. Garantir que não faltem antioxidantes no dia a dia é mais uma atitude nesse sentido. Tais substâncias, encontradas em frutas e hortaliças, neutralizam os radicais livres, moléculas que, em excesso, estão por trás da atrofia.
A nutricionista Natália Lopes, do mesmo grupo de estudos da USP, reforça a importância do balanço entre nutrientes. “Embora a proteína tenha destaque, se faltam carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais, o estímulo para a síntese de massa muscular é prejudicado”, justifica a pesquisadora.
+ Leia também: O que é creatina e para que serve esse suplemento famoso em academias
Mas há situações em que a comida já não dá conta do recado, e os suplementos precisam ser convocados. O uso deve ser feito sob supervisão profissional, já que alguns grupos pedem maior cautela na ingestão, como hipertensos e portadores de doenças renais.
“Antes de qualquer indicação, avaliamos o perfil e a rotina do paciente, e são feitos ajustes no cardápio com atenção para as calorias”, esclarece a nutricionista Myrian Najas, professora da Unifesp.
Com o envelhecimento, além da propensão à magreza e à desnutrição, os decréscimos hormonais favorecem o acúmulo de gordura na região abdominal. A escolha e a dose, portanto, devem ser individualizadas. Suplementos de aminoácidos, com leucina, creatina e proteína do soro de leite, estão entre os mais prescritos.
“De alto valor biológico, o whey protein contribui para a recuperação e a manutenção da massa muscular, desde que associado ao exercício físico”, afirma o médico Nelson Iucif Junior, do Departamento de Geriatria da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Geralmente, esses produtos são combinados com a vitamina D, grande aliada do sistema musculoesquelético. Um trabalho recente do grupo do professor Tiago Alexandre, na UFSCar, comprova esse papel.
Sinergia conta muitos pontos quando o assunto é afastar a sarcopenia — e isso envolve a combinação de exercícios, dos suplementos e até dos ingredientes das refeições. Daí a razão de a festejada dieta do Mediterrâneo ser tida como exemplo para resguardar os músculos e a saúde, como confirma um estudo da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.
Afinal, mais que um cardápio, trata-se de um estilo de vida. Mas, como estamos do lado de cá do oceano, nada melhor do que valorizar o arroz com feijão de cada dia e lançar mão daquilo que nossa terra dá.
Jabuticaba, amendoim, pitanga, baru, pequi, ora-pro-nóbis, mandioca são só alguns exemplos de comidas de berço brasileiro com um mix interessantíssimo de nutrientes — e que podem ter feito parte da infância de muita gente mais madura. Que tal sair da inércia, resgatar tudo isso e dar aquela força ao prato?
Covid-19 e os músculos
O grupo do professor Hamilton Roschel avaliou o impacto da doença na musculatura de 80 pacientes internados no Hospital das Clínicas de
São Paulo. A infecção e a cascata de inflamações desencadeadas pelo vírus provocam alterações metabólicas prejudiciais aos músculos.
O estudo constatou que a perda de massa magra na hospitalização está relacionada com a Covid longa, isto é, com sintomas persistentes como fadiga e dores. Entre aqueles que perderam mais massa, maior foi a dificuldade para a recuperação da musculatura anterior à internação.
+ Leia também: Como recuperar os músculos perdidos por causa da Covid-19?
Treinar para ficar forte e longevo
Durante décadas, a musculação carregou o peso do preconceito. Havia uma ligação com malefícios à saúde porque muita gente associava a prática aos marombados e fãs de anabolizantes. Nos últimos anos, entretanto, diversas pesquisas desfazem essa injustiça.
Além de fortalecerem o tônus muscular, os exercícios resistidos contribuem para regular os níveis de glicose, melhoram o sono e espantam o mau humor. Mas é essencial adequar a carga, o número de séries e o tempo de recuperação para alcançar bons resultados. Orientação especializada, portanto, é bem-vinda.