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“Notícia muito grave”, diz cientista sobre aquecimento global de 1,6°C

Limiar estabelecido pelo Acordo de Paris chegou décadas antes do previsto, com consequências drásticas, aponta o físico Alexandre Araújo Costa

Por Chloé Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 jan 2025, 15h45 - Publicado em 10 jan 2025, 14h50
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Os efeitos do aquecimento global já são sentidos pela população  (VEJA SAÚDE/SAÚDE é Vital)
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O Copernicus, um dos principais centros globais de estudos para o clima, anunciou que 2024 foi o ano mais quente da história, com uma temperatura 1,6°C maior do que a média do período pré-industrial.

É a primeira vez que se ultrapassa o limiar de 1,5°C de aquecimento global, o nível crítico estabelecido pelo Acordo de Paris, tratado internacional para tentar conter a subida do termômetro.

No texto, de 2015, os governos se comprometeram a agir para conter o aquecimento global abaixo dos 2°C, de preferência limitando-o a 1,5°C. Vale dizer que o limite ainda não foi ultrapassado: é preciso que a temperatura permaneça neste patamar por alguns anos, se estabelecendo como uma nova média.

De qualquer forma, já é um baita sinal de alerta. “Se esperava que atingíriamos essa média em 2042. Agora, a nova projeção é que isso aconteça em 2030”, explica o físico Alexandre Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), que estuda as mudanças climáticas.

+Leia também: A febre do planeta: como o aquecimento global mexe com a nossa saúde

Outras agências importantes, a Nasa e a NOAA, dos Estados Unidos, também divulgaram seus balanços anuais nesta sexta (10), confirmando um aquecimento recorde, de 1,28°C – a medida das agências é diferente, a partir dos anos 1950, mas o marco também é considerado o maior da história, pelos parâmetros das entidades.

Vale dizer que os dados do Brasil apontam no mesmo sentido. Segundo o Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), 2024 foi o ano mais quente do país desde 1961, quando a série de medições da entidade teve início.

Em entrevista à VEJA SAÚDE, Costa explica as implicações dessa subida em diversos campos, incluindo a saúde humana.

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VEJA SAÚDE: Podemos cravar que o mundo está 1,5°C mais quente?

Alexandre Araújo Costa: É virtualmente certo. Depende da base de dados e do período de referência, mas diversas agências já vêm anunciando recordes de temperatura desde novembro, com um alto grau de confiança. Na verdade, já estamos a 1,7°C, mas o consenso das bases de dados é que passamos 1,5°C.

Não significa passar de vez, porque temos o efeito do segundo ano de El Niño, que eleva a temperatura dos oceanos. Mas de qualquer maneira é uma notícia muito grave, né? Porque isso significa que a meta de manter o aquecimento controlado em 1,5°C neste século está irremediavelmente comprometida.

Então pode ser que em 2025 o aquecimento não seja tão alto?

Essa é uma grande questão da ciência hoje. O quão transiente é esse aquecimento? O que temos percebido é um comportamento do sistema climático do tipo: existe o El Niño, que envolve a liberação de mais calor oceânico para a atmosfera, mas a velocidade do aquecimento é tão grande que o recuo após o El Ninõ é pequeno, você não volta para algo parecido ao que tinha antes.

Então não dá nem para garantir que voltaremos para abaixo de 1,5°C agora em 2025. Outras medidas mais importantes que a temperatura da superfície, como a temperatura dos oceanos, estão seguindo uma curva cada vez mais inclinada, com um sinal antrópico (de ação do homem) totalmente dominante em relação à variabilidade natural.

Nesse ritmo é muito provável que, mesmo que a gente retorne para abaixo desse limiar, muito rapidamente chegaremos a um patamar de irreversibilidade, no sentido de que a média ficará acima de 1,5°C.

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Mas isso não significa que não dá pra fazer nada. Matematicamente ainda temos chances de conter o aquecimento.

+Leia também: Mudanças climáticas: assunto de saúde pública

Qual sua perspectiva em relação a isso? Você acha que será possível conter o aquecimento global?

Embora a chance matemática exista, isso implicaria um giro radical nas políticas climáticas globais, que sinceramente não vemos no horizonte. A eleição de Trump nos Estados Unidos, o dissenso prevalecendo, o esgarçamento do tecido social, as guerras…

O Brasil poderia ter um papel mais positivo nisso, e até chamou a COP30 [conferência da Organização das Nações Unidas sobre o clima, principal evento sobre o assunto do mundo] para si.

Acho que era genuinamente a intenção do governo fazer algo, mas acho que isso se perdeu, com essa relação de forças muito desfavorável que o governo mantém com o agronegócio, e com os acenos à indústria de combustíveis fósseis.

Então na melhor das hipóteses a COP30 fará algumas sinalizações, mas não chegará a ser aquela fagulha de ativismo de Paris, com grandes manifestações nas ruas e um acordo. A gente precisaria, uma década depois, criar mecanismos para que esse acordo não vire de vez letra morta.

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O texto de Paris era bem explícito: manter o aquecimento “bem abaixo” de 2°C e controlá-lo em 1,5°C. E o que vimos de lá para cá não foi nada disso.

+Leia também: COP29: saúde escanteada no maior evento sobre mudanças climáticas 

Quais são as consequências de 1,5°C de aquecimento?

O IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] resume bem isso. Primeiro, há uma multiplicação dos eventos extremos.

Em 1,1°C, quando o último sumário foi feito, as ondas de calor já seriam 8,6 vezes mais frequentes. Secas severas em regiões propensas aconteceriam 2 vezes mais, e chuvas extremas seriam 30% mais frequentes. Isso no patamar de 1,1°C. Com 1,5°C a frequência sobe 50%.

Não só os eventos acontecem mais, mas a intensidade também aumenta, causando estragos significativos. Além disso, há aspectos sobre os quais não se reflete muito agora, como a produção de comida. A alternância entre seca e enchentes detona a produção de alimentos e eleva preços.

Há também as consequências para a saúde. Nessa área, os desafios são muitos e multidimensionais: mudança da área de agentes patológicos, facilitação de enchentes, que afetam a distribuição de água potável e o tratamento de esgoto, entre outros danos.

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E aí vamos para os ecossistemas. Em 1,5°C, a estimativa é que 70% dos corais estão em risco severo de branqueamento e morte, assim como os manguezais também correm perigo. Ambos são fundamentais para a vida marinha, para a oxigenação dos oceanos e para a proteção da costa contra eventos extremos.

Frente a tal cenário, que mensagem deve ser transmitida?

É comum ouvir coisas do tipo “Ah, já passou de 1,5°C, então não tem mais o que fazer”. Não, isso não é verdade.

Sim, perdemos a oportunidade de manter o sistema climático em condições que seriam bem mais gerenciáveis, ainda que com consequências que já enfrentamos agora, como o aumento dos desastres naturais. Estamos indo para um cenário mais movediço, pior ainda, mas 1,7°C é melhor que 1,8°C e assim por diante.

Então não dá para jogar a toalha. A lógica tem que ser fazer da COP30 um caldeirão, juntar movimentos sociais, ambientais, em peso para fazer muita pressão nas autoridades governamentais. A conferência pode ser relevante, apesar dos sinais que apontam no sentido contrário.

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