Antivirais: como, quando e onde usar?
Se os vírus contam com estratégias para nos invadir e se apoderar de nossas células, cientistas correram atrás de táticas de defesa na forma de medicamentos
Podemos dividir os antivirais em dois ramos. Um deles é o dos medicamentos que agem direto no vírus, que vão brigar com proteínas ou com o genoma desse micro-organismos. No outro, estão os remédios que não agem no vírus em si, mas que modulam algumas coisas na célula hospedeira para tornar mais difícil a vida do invasor.
Pensando em cada momento da vida de um vírus, podemos tentar impedir a ligação deles na membrana das células, colocando iscas que o vírus vai abocanhar ao invés das membranas das células em si. Isso já foi testado, por exemplo, para o HIV, causador da aids, o vírus da gripe e o da hepatite C, usando desde pequenos pedaços de proteínas até derivados de plantas e anticorpos chamados monoclonais.
Mas a tática aí não é muto promissora, porque as proteínas virais que se ligam às células como se fossem âncoras são bem maleáveis e os vírus aprendem a pular a cerca rapidinho.
A questão é que não é só o vírus se agarrar na membrana da célula e pronto. Ele tem que atravessar essa camada usando uma série de caminhos alternativos: pode fundir sua membrana com a da célula ou até mesmo pegar carona no sistema que a célula usa para importar materiais para dentro dela mesma.
E aí temos mais uma oportunidade de pegá-lo. Uma droga chamada enfuvirtide age dessa forma contra o HIV. Mas usar tais vias tão específicas para cada vírus pode acabar criando a necessidade de ter um antiviral para cada doença. Então vamos tentar algo mais genérico.
Depois de entrar, o vírus tem que se desnudar. Não se preocupe, não vamos aqui entrar em temas só para maiores: isso quer dizer que ele tem que se desintegrar para que seu genoma fique livre na célula. Para isso dar certo, tem que se livrar do (literalmente) rolo onde se meteu: um novelo de pedaços de membrana de células e outras proteínas celulares.
Esse rolo tem que ficar ácido ao estilo vinagre, mas podemos temperar a salada com algo que impede a acidificação, como uma droga chamada amantadina, usada contra a gripe, que deixa o vírus preso em uma vesícula dentro da célula – fim da linha para ele! Muitos vírus dependem desse caminho para prosperar, então podemos dizer que agindo assim já estaríamos com um escopo de atuação mais amplo.
Aí vem a fase em que o vírus tem que fazer cópias do seu genoma para gerar seus filhotes. A máquina proteica copiadora viral agarra o molde genômico e vai produzindo em corrente contínua cópias e cópias, às vezes precisando de ajuda da maquinaria celular, como no caso dos vírus de DNA (herpesvírus, parvovírus e seus colegas).
Mas e se jogarmos algo nessa corrente que trave tudo, ao estilo de um galho de árvore entrando na corrente da bicicleta? Isso é o que fazem as drogas chamadas de inibidores de polimerase (o tipo de enzima que polimeriza, ou seja, constrói genomas). Entram aí o remdesivir e o molnupiravir prescritos contra o coronavírus da covid-19, o acyclovir contra herpes labial e a ribavirina usada na hepatite C.
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Outra tarefa do vírus é montar suas proteínas para encaixar nos filhotes que vão nascendo e também para usar em sua máquina copiadora. Para a coisa funcionar, alguns micróbios precisam manipular proteínas antes de elas serem usadas nesse processo, fazendo um corte aqui, um acerto ali para ficarem do modo conveniente.
É aí que podemos atacar com antivirais chamados de inibidores de protease, como o Paxlovid para a covid-19, que tem a vantagem de também parar a máquina de xerox genômica.
Se o vírus conseguir fazer cópias do seu genoma e obrigar a célula a produzir seus blocos de Lego proteicos para montar novos vírus, a linha de produção ainda tem uma última etapa: sair da célula. Mas aí entram em cena drogas como o oseltamivir (o Tamiflu) contra o vírus da gripe e o tecovirimat contra o mpox, que tornam os vírus prisioneiros das células — não é interessante pensar que a palavra “célula” quer dizer “pequena cela”?
Mas no caldeirão da seleção natural de Charles Darwin, os vírus conseguem superar tais barreiras bem rapidinho. E que nos resta? Bem, podemos usar outro tipo de antiviral, aquele que não mira o vírus, mas a célula. O truque aí é cortar vias de suprimento viral sem prejudicar a célula em si.
Nesse caso, temos fármacos que dificultam modificações essenciais às proteínas virais que são feitas pela própria célula hospedeira, como o encaixe de moléculas de açúcar e fosfatos, outros que rompem o suprimento de colesterol de que alguns vírus precisam (sim, alguns vírus gostam de junk food).
A lista é grande. E o custo dos antivirais não é menor. Mas, aí, vale lembrar o dito do intelectual e cientista americano Benjamin Franklin: “Um grama de prevenção vale um quilo de cura”.