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Pediatria Descomplicada

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Garantir saúde, carinho e bem-estar na infância. Esse é o objetivo de cada linha escrita por Kelly Oliveira, pediatra e consultora internacional de amamentação.

Amamentação: sangue, suor, lágrimas… e um bem insuperável

Um relato sensível e realista sobre aleitamento materno da nossa colunista

Por Kelly Oliveira
Atualizado em 11 ago 2022, 14h46 - Publicado em 10 ago 2022, 10h34
ilustração de terreno feito de mamas
Rede de apoio é peça-chave para uma amamentação feliz. (Ilustração: Tchaco/SAÚDE é Vital)
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Sou pediatra e consultora de amamentação, mas também sou mãe de duas meninas. Minha história de aleitamento materno se cruza com a de outras mães que sofreram, persistiram e resistiram diante de todo um sistema que pouco apoia essas mulheres e ainda culpa aquelas que não conseguem amamentar.

Neste Agosto Dourado, mês de conscientização a respeito, quero dividir uma experiência real, a minha história de amamentação.

Quase não tenho fotos das primeiras mamadas da minha filha, pois sentia uma dor insuportável. Tensionava todos os músculos do corpo para conseguir amamentar, e, com três dias de vida da Esther, eu já estava com os mamilos feridos. Precisava de ajuda toda vez que ela vinha ao meu colo mamar e já estava à base de remédios para tolerar a dor.

Eu tinha todo o conhecimento técnico, uma rede de apoio incrível, mas, ainda assim, sofria. Sabia que a pega dela estava errada e, por mais que buscasse posicionar minha filha corretamente no peito, cada sugada me machucava.

Tive um parto normal humanizado e maravilhoso. Esther mamou no meu peito logo ao nascer e ficou comigo o tempo todo. Mas, no segundo dia, veio a dor. Minha filha apresentou icterícia e teve de ficar um dia a mais no hospital. Eu tive alta, mas acabei dormindo no sofá do hospital porque não queria me separar dela.

Do segundo para o terceiro dia, meu leite desceu com tudo. Senti calafrios e minhas mamas ficaram quentes, inchadas e sensíveis. Amamentava em livre demanda, só que não parecia dar vazão àquele leite todo. E a dor só piorando… Chegou a sair sangue do mamilo.

Não dava para massagear o peito, tamanho o incômodo, e, quando voltei para casa com a minha filha nos braços, parecia que não conseguiria fazer nada sozinha. Amamentar estava difícil demais: toda vez que Esther sugava, era como se um alicate apertasse meu peito.

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Foram noites árduas, e, por sorte, tive apoio de uma equipe médica fantástica. Mas parecia que eu precisava passar por aquele processo, inclusive para entender melhor o que passa com cada mãe que vai ao meu consultório. Eu precisava sentir a dor delas.

+ Leia também: Outros textos da doutora Kelly Oliveira na coluna Pediatria Descomplicada

Logo no primeiro dia de vida, eu havia identificado um freio lingual na minha filha e sabia que isso poderia atrapalhar o aleitamento. A pega do mamilo ficava incorreta (uma “boca de velhinho” em vez de “boca de peixinho”), e daí vinha a dor que perdurava nas mamadas.

Esther também tinha um sutil torcicolo congênito, que fazia sua cabeça pender mais para um lado, o que impactava a amamentação. Enfim, houve sessões com a fonoaudióloga, mas, no nono dia, eu estava no ápice do desespero.

Minha filha passou por uma frenotomia lingual, procedimento simples e feito em consultório que consiste num pequeno corte na membrana que prende a língua e impede os movimentos adequados à mamada. Depois disso, a dor não sumiu de cara, pois Esther precisava reaprender a mamar.

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Não seria um processo rápido: eu estava com feridas nos dois peitos, que ainda estavam bastante ingurgitados. Nesse meio-tempo, comecei a me sentir mal, com fraqueza e uma sensação de gripe. Sabia o que era: mastite! O peito machucado vira porta de entrada para bactérias, e uma infecção se instalou. Iniciei o tratamento com antibióticos e, nesse período, recebi, imagine, até conselhos para parar de amamentar.

Mas eu aguentei. A cada mamada, respirava fundo e pensava: “Só mais essa vez…” O tratamento foi surtindo efeito, só que a dor continuava. Numa madrugada, cheguei a gritar tão forte por causa da dor que meu marido encontrou a mim e Esther chorando, eu pela dor, ela por querer mamar. Eu não suportava mais e questionava: “Até quando vai ser assim?”

O silêncio era a resposta. Eu tinha que ser forte. Por mim. Por ela.

foto preto e branca de mulher amamentando
Estudos estimam que 90% das mulheres têm algum grau de dor ao amamentar. (Foto: GI/Getty Images)

+ LEIA TAMBÉM: Cirurgia plástica nas mamas atrapalha a amamentação?

É difícil ver uma versão romanceada da amamentação nas redes sociais e pensar que só deu errado com você. Mas isso não é verdade! Estudos apontam que 90% das mães têm dor ao amamentar e 20% têm tanta dor que ocorre o desmame precoce.

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A culpa não é da mãe. E persistir no aleitamento é sem dúvida um baita desafio — mesmo com informação, rede de apoio e força de vontade.

Em 20 dias de amamentação, eu já tinha enfrentado duas mastites e inúmeras fissuras nos mamilos. Estava usando analgésico de forma contínua, tomando anti-inflamatório, passando pomada e fazendo sessões de laser. Cheguei a cogitar comprar um bico de silicone, o que não fiz, assim como passei longe de chupeta e mamadeira, pensando também no risco de que isso piorasse as coisas.

Não era prazeroso dar de mamar. Mas vivemos um dia após o outro. E o melhor amigo, esperava, seria o tempo.

Quando se sente dor a cada mamada, exercitamos a fé e a esperança em meio ao medo. E era por tanto receio que eu sempre amamentava na mesma posição e no mesmo lugar em casa, temendo que uma mudança agravasse a dor.

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Então um dia algo fugiu da rotina e amamentei Esther fora de casa. Que alívio perceber que já não doía como antes. O tempo, meu melhor amigo, foi bondoso. E chegou o momento em que já não sentia mais dor e pude sorrir. Os episódios de tensão tornaram-se prazerosos e de conexão.

Amamentei minha filha até os 2 anos e 5 meses, pouco tempo antes de a minha segunda filha nascer. Ela desmamou de forma gentil e respeitosa. Sigo amamentando a caçula.

Amamentar não é colocar um bebê no peito e deixar a mágica acontecer. As mães precisam do apoio e do conhecimento dos profissionais para conseguir e seguir em frente. E é preciso ir muito além da página 2.

Não basta ser forte e ter vontade. A mulher deve receber o suporte de profissionais capacitados e o respeito e o auxílio da sociedade, o que inclui melhores condições de trabalho para quem amamenta.

Até porque investir na amamentação é investir na vida, um hábito que contribui para que sejam evitadas mais de 820 mil mortes de crianças por ano no mundo. É investir num país, pois, para cada dólar investido em políticas públicas para o aleitamento materno, há um retorno de 35 dólares.

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Mas não estamos falando só de números. E sim de vidas. Que possamos fazer da amamentação, mesmo com seus percalços, essa verdadeira potência que constrói uma sociedade melhor e mais saudável.

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