Suco de inhame cru ajuda no tratamento da dengue? É fake
Essa receita está sendo divulgada como forma de curar a dengue. Mas não há qualquer evidência de sua eficácia
Circula na internet a informação de que tomar suco de inhame cru batido com água pode curar a dengue. A mais nova versão da promessa afirma que um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que o tubérculo elimina os sintomas da doença em apenas quatro horas.
Parece ótimo, né? Contudo, não há qualquer sinal dessa suposta pesquisa e, acima disso, inexistem provas da eficácia do inhame em combater a dengue. “O mundo todo busca um remédio capaz de matar os vírus que provocam a doença, mas ele infelizmente ainda não existe”, comenta a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo.
Apostar num tratamento caseiro, sem comprovação científica, pode ser perigoso. “As pessoas se seduzem por uma solução aparentemente milagrosa e deixam de dar o devido valor a uma infecção potencialmente fatal”, alerta a médica.
Além disso, esse tipo de automedicação não raro repercute no organismo. “É preciso tomar cuidado com chás e preparos caseiros, porque o fígado é um órgão que está inflamado em pessoas com dengue. Uma planta aparentemente inofensiva pode fazer mal ao órgão nesse estado”, comenta Evaldo Stanislau, infectologista da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia.
Hoje, o tratamento da dengue é baseado na hidratação intensa e em remédios para amenizar os sintomas. Também há uma vacina disponível, mas ela não é indicada para toda a população.
Caso de morte após consumo do suco de inhame cru
No mês de abril de 2019, um homem com dengue morreu no interior paulista horas depois de tomar esse preparo alternativo. A causa da morte ainda não foi divulgada, porém há algumas hipóteses.
Uma possibilidade envolve a contaminação por bactérias durante o preparo do suco. Isso teria resultado em uma intoxicação alimentar grave.
Outra suspeita é de que o sujeito tenha na verdade consumido o taro, um parente do inhame que contém níveis mais altos de oxalato, ácido que é tóxico em grandes quantidades. Os dois tipos são bem parecidos fisicamente, aliás.
O inhame-da-costa, o mais consumido no Brasil, também possui oxalato, mas em escala menor. Para cada 100 gramas do vegetal, encontra-se apenas 0,5 miligrama da substância.
“Nessa quantidade, não há risco aparente do consumo, cru ou cozido, exceto se a pessoa já estiver com a função dos rins comprometidas ou se for hipersensível ao composto”, comenta Cinthia Rodrigues, pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba.
Por último, a própria dengue pode ter matado aquele homem. Vale lembrar que a doença pode evoluir para versões graves, que ameaçam a vida. Daí a importância de procurar atendimento médico ao perceber os sintomas e acompanhar atentamente a evolução do quadro.
E mais: estamos passando por um período de alta na incidência de dengue no Brasil. Entre janeiro e abril de 2019, foram mais de 450 mil casos registrados, um aumento de 339% em relação ao mesmo período do ano passado.
Os benefícios do inhame
Apesar de não fazer milagre, esse tubérculo pode e deve ser incluído no prato. Usado há séculos no Brasil, ele é fonte de carboidratos e fibras. “E ainda possui vitaminas e minerais como o betacaroteno, cálcio, magnésio, fósforo e potássio”, enumera Cinthia.
Essa união de substâncias potentes reflete na saúde. “O inhame é estudado por possuir ação antioxidante e anti-inflamatória”, destaca Cinthia, que o estudou em seu doutorado. Outra virtude apontada pela ciência é uma melhora nos níveis de hormônios como o estrogênio, o que seria interessante para mulheres na menopausa ou com endometriose.
A melhor maneira de aproveitar as vantagens do inhame é cozinhando o alimento. Isso porque ele carrega fatores antinutricionais, como oxalato, fitato, taninos e alcaloides. Em outras palavras, essas moléculas interferem na absorção de ferro e cálcio se o vegetal não passar por uma cocção.
“Recomendo ferver por no mínimo três minutos antes de comer, mesmo que a pessoa queira fazer o suco, e incluir no cardápio três vezes na semana”, ensina Vanderli Marchiori, nutricionista presidente da Associação Paulista de Fitoterapia.