Sexo, gênero e dor: chega de preconceito!
O prejulgamento, desgosto, desprezo e antipatia podem aumentar a sensação de dor de uma pessoa
Se você já sentiu alguma dor – e, muito provavelmente, sim – sabe que essa é uma sensação ruim. Imagine então ser julgado a vida toda, por qualquer motivo, e, só por isso, essa dor ruim automaticamente se tornar 50% maior.
Um estudo brasileiro realizado em 2021 nos mostra que 45,6% da população brasileira sofre de dor crônica, aquela que perdura por mais de três a seis meses. E as mulheres sofrem mais de dor, por passarem por mais experiências doloroas ao longo da vida: ciclos menstruais, partos, discriminação e sobrecarga.
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O Programa de Educação Continuada em Fisiopatologia e Terapêutica da Dor da equipe de controle de dor da divisão de anestesia do Hospital das Clínicas da FMUSP, onde faço parte da equipe docente, nos mostra a seguinte estatística entre homens e mulheres na epidemiologia da dor:
Mundo | EUA | Canadá | Austrália | Espanha | São Paulo | São Luís | Salvador | |
Mulheres | 39,6% | 34,3% | 65,3% | 20% | 83,3% | 34% | 49,4% | 48,4% |
Homens | 31% | 26,7% | 34,7% | 17% | 62% | 20% | 28,4% | 32,8% |
Já um estudo norte-americano, publicado em 2023 na revista PAIN, a mais respeitada no mundo sobre esse assunto, avaliou a prevalência de dor crônica entre adultos de minorias sexuais, que se auto identificam como gays/lésbicas, bissexuais ou “outros”.
O que chama a atenção é que a prevalência de dor é maior em pessoas que se identificam como bissexuais (23,7%) ou “outro” (27%), quando comparadas com gays/lésbicas (21,7%) e heterosexuais (17,2%).
Esse estudo mostra que o sofrimento psicológico é a correlação que mais se destaca entre as desigualdades – as questões socioeconômicas esclarecem uma proporção modesta dos casos de dor.
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Importante ressaltar que, mesmo com avanços políticos e sociais, os adultos (18-64 anos) norte-americanos de minorias sexuais têm significativamente mais dor crônica do que os heterossexuais.
A diferença é grande e, com isso em mente, muitos pesquisadores resolveram investigar esse cenário.
Para compreender melhor a dor crônica, temos que entender que ela é modulada por aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Dentro dos atributos psicológicos e sociais, a discriminação é um fator significativo.
Todo ano, desde 2005, a IASP (International Association for the Study of Pain) realiza uma campanha mundial chamada Ano Global Contra a Dor ou “Global Year Against Pain”. Em 2024,a comunidade científica da dor, ao redor do mundo, examinará as diferenças de sexo e gênero na percepção e modulação da dor e abordará as disparidades relacionadas ao tema.
A ciência da dor nos ensina que devemos tratar as pessoas de acordo com suas necessidades e realidades sem discriminar, compreendendo os aspectos biopsicossociais de cada um.
Estamos avançando, mas é preciso avançar ainda mais para cuidar das pessoas com dor de maneira adequada, ética, respeitosa e eficaz. Com essa campanha global, certamente iremos progredir.
Precisamos informar o quanto a discriminação, preconceito e estigma são fatores que potencializam a dor das pessoas de grupos minorizados. Viva o Ano Global Contra a Dor 2024!
*Mariana Schamas é cinesiologista, pós graduada em Dor, professora, criadora do DOLORI app e método de Alívio da Dor.
REFERÊNCIAS:
Bartley EJ, Fillingim RB. Sex differences in pain: a brief review of clinical and experimental findings. Br J Anaesth. 2013 Jul;111(1):52-8. doi: 10.1093/bja/aet127. PMID: 23794645; PMCID: PMC3690315.
Aguiar DP, Souza CP de Q, Barbosa WJM, Santos-Júnior FFU, Oliveira AS de. Prevalence of chronic pain in Brazil: systematic review. BrJP [Internet]. 2021Jul;4(3):257–67. Available from: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20210041
Epidemiologia da Dor 02/03/2022 Hazem A. Ashmawi. Programa de Educação Continuada em Fisiopatologia e Terapêutica da Dor 2022 12ª edição Equipe de Controle de Dor da Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas da FMUSP
Wallace, B., Varcoe, C., Holmes, C. et al. Rumo à igualdade na saúde para pessoas que sofrem de dor crónica e marginalização social. Int J Equidade Saúde 20 , 53 (2021). https://doi.org/10.1186/s12939-021-01394-6
Zajacova, Annaa,*; Grol-Prokopczyk, Hannab; Liu, Huic; Reczek, Rind; Nahin, Richard L.e. Chronic pain among U.S. sexual minority adults who identify as gay, lesbian, bisexual, or “something else”. PAIN 164(9):p 1942-1953, September 2023. | DOI: 10.1097/j.pain.0000000000002891