Quando alterações genitais e urinárias persistem na vida adulta
O congenitalismo – termo que reúne anormalidades no sistema urinário ou na genitália presentes desde o nascimento – gera impactos por muito tempo
Existe um grupo invisível de crianças que nascem com anormalidades congênitas (presentes desde o nascimento), que deixam grandes sequelas para a fase adulta. Entre elas, destaco o congenitalismo, um termo que tem sido aplicado para as alterações genitais e urinárias congênitas que causam intenso estresse na família e que na maior parte das vezes trazem consequências para toda a vida.
Um exemplo é a extrofia de bexiga, uma alteração que ocorre em 1 a cada 30 mil nascidos vivos. Recentemente no Congresso Europeu de Urologia Pediátrica, em parceria com a NAPEX (Núcleo de Apoio a Pacientes com Extrofia), apresentamos um estudo que demonstrou que mais de 80% dos homens e mais de 50% das mulheres adultas com essa condição permanecem com fralda por incontinência urinária.
Além do mais, há alterações genitais de homens e mulheres que podem levar à dificuldade de penetração. Isso porque, nessa condição, a bexiga nasce exposta, para fora da pele. O nosso estudo demonstrou que há importantes questões relacionadas à autoimagem e autoestima, que causam significativa disfunção sexual.
A extrofia de bexiga é apenas uma das muitas alterações genitais e urológicas que acometem as crianças e que são pouco conhecidas. Outro exemplo é a hipospádia, definida como o canal da uretra posicionado abaixo da glande (a cabeça do pênis) que se associa a uma configuração “diferente” do pênis.
Adultos que nasceram com essa condição se queixam muitas vezes de redução do tamanho do pênis, jato urinário espalhado, curvatura que impede penetração, estreitamento uretral e outros problemas. Muitos homens que nascem com hipospádia têm inibição de se despir na frente de outros, além da disfunção sexual.
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Outras pessoas nascem com desordens do desenvolvimento sexual, no qual o cromossomo XX ou XY (feminino e masculino, respectivamente) não é conforme à gônada (testículo ou ovário) ou à aparência do órgão genital. O exemplo mais comum é a hiperplasia adrenal congênita, em que uma pessoa nasce com o sexo cromossômico feminino tem ovário, útero, trompas e 2/3 da vagina – mas, por uma produção aumentada de hormônios masculinos, nascem com um órgão genital com aparência de um pênis.
No nosso ambulatório na UFBA, temos mais de 150 indivíduos com hiperplasia adrenal congênita. Essa é uma condição que afeta a pessoa durante toda a vida.
Poderiam ser citadas dezenas de condições que podem ser incluídas como congenitalismo. Apesar de parecerem diferentes no tipo de apresentação e sintomas, elas têm algo em comum. Por estarem associadas a problemas da aparência genital ou à incontinência urinária, muitos pais, por vergonha, não comentam com outras pessoas, ou retardam a consulta ao médico.
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A condução de pacientes com congenitalismo tem passado por um período de intenso conflito no mundo. Primeiramente, por serem doenças congênitas infrequentes, são tratadas por especialistas em crianças. Mas, quando essas crianças entram na fase adulta, não há médicos com experiência na condução desses casos e, a partir daí, surge uma carência de cuidados. Muitos pacientes sequer sabem a quem buscar ajuda.
Em segundo lugar, jovens médicos não querem lidar com casos tão complexos e menos profissionais estão habilitados a lidar com essas condições.
Em terceiro, há poucos centros com experiência e preparados para tratar o congenitalismo. O brasileiro, em especial, além dessa carência, enfrenta grandes filas nos centros que têm a expertise.
Há uma tendência mundial à centralização para o tratamento do congenitalismo, para que poucos centros, de forma interdisciplinar, ganhem experiência e utilizem a expertise para tratar problemas tão complexos com máxima eficácia e menor taxa de complicações.
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É nesse sentido que a Universidade Federal da Bahia acompanha a criança com a doença congênita urológica da infância e à idade adulta, com uma mesma equipe, que pode incluir psicólogos, endocrinologistas, geneticistas, nefrologistas e outros.
A boa nova é que as sequelas geradas pelas condições congênitas ou decorrentes do tratamento podem ser corrigidas na idade adulta, melhorando a saúde do indivíduo e a qualidade de vida.
Ubirajara Barroso é urologista especialista em reconstrução genital com atuação em Salvador e São Paulo e chefe da divisão de cirurgia urológica reconstrutora e urologia pediátrica do Hospital da Universidade Federal da Bahia. Também é secretário-geral da International Children’s Continence Society (ICCS) e chefe do Departamento de Cirurgia Afirmativa de Gênero da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)