Por que a odontologia biológica não é uma especialidade reconhecida?
Prática ancorada em pseudociências pode trazer riscos à saúde bucal
Para que uma área da saúde seja reconhecida como especialidade, é necessário que seus estudos e pesquisas sejam robustos, consistentes e amplamente validados pela comunidade científica. O processo de reconhecimento é extenso e exige evidências sólidas, submetidas ao crivo da classe odontológica.
Atualmente, a odontologia conta com 24 especialidades e 7 habilitações formalmente reconhecidas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO). Para que uma área entre nesse rol, precisa atender a critérios científicos específicos. Após a apresentação, as propostas passam por assembleia conjunta, onde são votadas pelos Conselhos Regionais de Odontologia (CROs) e, se aprovadas, recebem normatização oficial.
Entretanto, a chamada odontologia biológica não faz parte dessa lista.
Nos últimos anos, circularam informações equivocadas sobre esta suposta nova especialidade. Seus defensores propagam discussões infundadas, sem o respaldo de estudos clínicos randomizados (ECR) ou pesquisas robustas, publicadas em periódicos científicos de renome.
Os ECR são uma metodologia essencial para avaliar intervenções em saúde. Por meio da comparação controlada, eles fornecem evidências confiáveis e precisas sobre a eficácia de tratamentos ou práticas clínicas. Os resultados mais sólidos são frequentemente publicados em revistas científicas respeitadas, como The Lancet, Science, The New England Journal of Medicine e outras referências.
Por outro lado, a odontologia biológica carece de comprovações científicas e se apoia em teorias ultrapassadas e técnicas sem respaldo, se distanciando das práticas fundamentadas em evidências.
Odontologia biológica vs. odontologia hospitalar: um contraste esclarecedor
Como exemplo, a odontologia hospitalar, reconhecida como especialidade pelo CFO em janeiro de 2024, percorreu um longo caminho desde 2014, quando ainda era uma habilitação. Focada em ações preventivas, diagnósticas e terapêuticas em ambiente hospitalar, sua relevância foi especialmente evidenciada durante a pandemia.
Em contrapartida, a odontologia biológica associa-se a práticas pseudocientíficas, como terapia neural, tratamento de NICO (Neuralgia Induzida por Cavitação Osteonecrótica) e remoção de amálgamas ou dentes sem base científica. Alegações infundadas como a relação entre dentes e órgãos ou o impacto do flúor no QI, seguem desacreditadas pela ciência.
Nesse exemplo recorrente, embora o amálgama, usado nas restaurações de cáries, esteja sem uso em muitos contextos, ele ainda é utilizado em tratamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) devido ao baixo custo. Estudos demonstram que a quantidade de mercúrio utilizada é mínima e segura.
Já o flúor, amplamente utilizado para reduzir cáries, foi adicionado à água desde a década de 1950, com eficácia comprovada em inúmeras pesquisas.
A odontologia biológica ainda perpetua outros mitos, como a ideia de que dentes tratados endodonticamente seriam “cadáveres“, distorcendo dados de estudos para práticas inconvenientes.
Também associa, sem evidências, o mercúrio dos amálgamas a doenças graves, como câncer e Parkinson. Tais informações não são comprovadas e carecem de fundamento, além disso colocam em risco a saúde bucal dos pacientes.
+Leia também: Saúde bucal: mercúrio, usado para restaurar cáries, é proibido. E agora?
Combate à desinformação
Para combater a disseminação de notícias falsas, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) realiza campanhas educativas, enquanto acadêmicos de instituições renomadas formam grupos para oferecer informações científicas confiáveis à população e aos profissionais.
É importante que a sociedade esteja alerta. O acesso à informação de qualidade é a melhor defesa contra a desinformação.
* José Carlos Pettorossi Imparato é conselheiro do CROSP e professor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP)
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsApp