Para uns, perfeccionismo é sinônimo de responsabilidade e bons resultados. Os perfeccionistas são, geralmente, tidos em alta estima: elogiados por sua autodisciplina e disposição em se comprometer, capazes de grande dedicação e horas extras de trabalho. São pontuais e impecáveis, agradando todo mundo ao redor, seja no emprego, seja na vida pessoal.
Então qual seria o problema em ter ambições e buscar o melhor sempre? O que poderia haver de imperfeito no perfeccionismo? A grande questão aqui é a ausência de uma linha de chegada.
Após horas de dedicação, muitos perfeccionistas parecem exaustos. As demandas nunca terminam e as tarefas não têm fim. O sentimento de completude se mistura com a ansiedade e a procrastinação do próximo desafio. Para alguns perfeccionistas, a prova nunca termina e não há troféu que traga uma sensação de paz.
A perfeição pode virar um problema quando, ao longo da vida, se torna condição para nos sentirmos amados. Talvez nos tornemos perfeccionistas quando somos exclusivamente valorizados em momentos de sucesso ou quando nosso fracasso já foi considerado um sinal de fraqueza, falta de comprometimento, de cuidado ou de valor, colocando em risco nosso sentido de pertencimento ao grupo.
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Parece que, como seres frágeis e gregários que somos, nossa sobrevivência como espécie sempre dependeu da habilidade de pertencer a uma comunidade e ser útil a ela. Sozinhos, nossos ancestrais pereceram e nos deixaram como herança a obrigação de sermos aceitos e importantes para nossos pares.
A rejeição, para nós, é dolorosa e perturbadora porque ser amado foi (e é) condição para a sobrevivência biológica e social.
A questão é que não fomos feitos para nos sentir satisfeitos o tempo todo. Somos equipados com um aparelho cognitivo que anseia por aprovação, traça comparações com o entorno potencialmente cruéis, cria fantasias de superação e reconhecimento inalcançáveis.
Lutamos, então, com a angústia e a missão de nos esquivar da rejeição. Para isso, fazemos o dobro do que os nossos pares, trabalhamos horas a mais, mantemos a casa impecável, os filhos arrumados e o corpo domesticado.
Por trás do perfeccionismo vivem a ansiedade e o desejo constante de pertencer, agradar e ser importante para aqueles ao redor. A verdade difícil de aceitar é que, muitas vezes, não queremos superar nossos desafios. O que buscamos, no final, é a redenção do nosso lado sombrio, fracassado e impossível de ser amado. Queremos escapar do sentimento dilacerante da rejeição.
Um passo importante para não cair nas armadilhas do perfeccionismo é o autoconhecimento, que, na The School of Life, entendemos como a base da inteligência emocional. Quando conhecemos as artimanhas da nossa própria mente, podemos renunciar ao controle e nos conectarmos aos nossos valores mais profundos e à vida que se desdobra.
O autoconhecimento funciona como um barômetro interno, melhora as nossas percepções diante da opinião pública e nos protege do nosso próprio julgamento. A ideia é que, com essa autoconsciência, nos tornemos menos famintos por elogios, um pouco menos preocupados com as oposições e muito mais corajosos em nossas ações.
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“Ser bom o suficiente…”
Uma das ideias mais libertadoras sobre o perfeccionismo vem de Donald Winnicott, um médico e psicanalista que estudou o relacionamento entre pais e filhos. Na sua prática clínica, ele encontrava pais que se sentiam fracassados com as dificuldades típicas das relações parentais: discussões à mesa, filhos de recuperação, brigas cotidianas… Para ele, a esperança ingênua e o perfeccionismo eram a causa de tanta angústia nessas relações.
Para esses pais, e isso serve para todos nós, Winnicott dizia que uma criança não precisa de pais perfeitos. Na visão dele, tudo o que um filho precisa é de um pai e uma mãe que, ainda que não acertem em tudo, se mostrem bem-intencionados, afetuosos, “bons o suficiente”.
O estudioso sempre destacava que pais bons o suficiente são ainda melhores do que os perfeitos, porque, da porta para fora do próprio lar, as crianças se deparam com um mundo imperfeito.
Esse conceito, obviamente, ultrapassa as relações parentais. Nossos relacionamentos e trabalhos podem ser bons o suficiente, nossos corpos podem ser bons o suficiente, nossas ideias podem ser boas o suficiente e, ainda assim, tudo isso pode ser genuinamente humano e digno de ser apreciado, valorizado e aceito.
Por trás dessa ideia, existe uma noção madura de que a imperfeição é parte essencial da nossa humanidade e que, mesmo que os recortes midiáticos da realidade digam o contrário, o preço da busca pela perfeição pode prejudicar algo muito valioso para nós: a saúde mental.
Para encarar o mundo com sanidade (o que já é bem ambicioso), é preciso cultivar uma boa dose de autocompaixão, de generosidade conosco, e ter a clareza de que perfeccionismo e ansiedade são dois lados de uma mesma moeda que talvez já estejamos cansados de lançar ao ar.
* Desirée Cassado é psicóloga e professora da The School of Life Brasil