Morango do amor: as lições do viral sobre nosso comportamento alimentar
Chocolate de Dubai, suco verde, salada de salmão com pepino... Cada "hype" traz reflexões sobre as motivações por trás das nossas escolhas gastronômicas

A viralização de conteúdos nas redes sociais não é exatamente uma novidade. Com o aumento dos usuários, mais rápido a informação circula e ganha o feed (e a mente) de milhares de pessoas. O que é relativamente novo é esse comportamento com a comida, como vemos nos últimos dias com o morango do amor.
Literalmente de um dia para o outro — e quase nunca sem saber a origem, ou seja, o post zero de determinado conteúdo — o que mais vimos eram pessoas em frente aos liquidificadores para preparar diferentes variações do suco verde. Tempos depois, nossas redes foram impactadas com uma salada de pepino, salmão, maionese e temperos.
E, quando a salada deixou de ser interessante, fomos incessantemente impactados pela indulgente barra do “chocolate Dubai” que, inclusive, fez popular o pistache e se apresentou em diferentes (e criativas) variações. E agora, nos últimos dias, estamos inundados por mil e uma versões do morango do amor, doce que — segundo pesquisei — não é tão novo assim e já existe há tempos em várias confeitarias. Mas por causa de um post, viralizou e virou febre.
Meu papel como pesquisadora em neurociência do comportamento alimentar e nutricionista é enxergar além do óbvio: uma sobremesa bonita, cheia de açúcar e que convida o nosso cérebro à vontade.
O “comer com os olhos” é real e estudos já afirmaram que tendemos a comer mais quando estamos diante de imagens apetitosas. E a minha análise diante da explosão do morango do amor é, na verdade, um convite para refletirmos: o que comemos representa a nossa vontade genuína de experimentar algo novo ou é apenas mais uma maneira de pertencer ao hype e ter o que postar nas redes sociais?
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Está tudo bem — e é inclusive esperado psicologicamente — ter vontade de experimentar aquilo que vem em forma de uma imagem bonita e convidativa. O marketing sensorial existe e está sendo cada vez mais utilizado pela indústria alimentícia e da gastronomia porque o seu poder é real.
No entanto, é preciso acender a luz amarela de alerta se o seu comportamento alimentar vem da necessidade de pertencer a um movimento que domina a internet.
Não faltaram comentários em minhas redes sociais de pessoas que disseram que “precisam experimentar para poder fazer parte da moda” ou “nem gostam tanto assim de morango, mas se a internet está falando que é maravilhoso, vou ver se é mesmo”. E talvez aí se esconda o porquê da minha reflexão.
Comer é prazer, esse é o ponto vital de todo o meu trabalho. E podemos comer de tudo, desde que tenhamos consciência daquilo que estamos ingerindo. Mas além do prazer, comer também é abastecer o nosso organismo para que ele possa funcionar corretamente, promovendo longevidade e ânimo para as tarefas do dia-a-dia, incluindo postar em nossas redes sociais.
O alerta é quando transformamos o comer não em um abastecimento para o corpo e não em um prazer; o alerta é quando transformamos o comer em ferramenta de pertencimento.
Você não precisa do suco verde, da salada de pepino, do chocolate de Dubai, do morango do amor e nem da próxima comida a viralizar nas redes sociais (o que não vai demorar muito, acredita) para fazer parte de algo. Você só precisa de você. Da sua presença. De quem você é e daquilo que gosta.
Meu recado final: tudo bem querer experimentar uma novidade, afinal, a curiosidade é parte de uma relação saudável com a comida. Mas a motivação não deveria vir da pressão por “não ficar de fora” de uma modinha. Coma o morango do amor e tudo o que vier depois dele se quiser, e não porque precisa postar nas suas redes, combinado?
Bon appétit!
*Sophie Deram é nutricionista, pesquisadora e coordenadora do projeto de genética do Ambulatório de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC-FMUSP). É autora dos livros O Peso das Dietas (Sextante – clique para comprar) e Os 7 Pilares da Saúde Alimentar (Sextante – clique para comprar).