Após a Segunda Guerra Mundial, multiplicaram-se as pesquisas sobre o estresse pós-traumático e o luto. Pois é possível que a pandemia do novo coronavírus produza uma nova leva de estudos sobre esses temas, além de provocar uma grande mudança social, na medida em que o rompimento de vínculos humanos ganhou atenção.
Mas, afinal, o que é o luto? Há algumas definições com discreta variabilidade, e escolhi uma das mais clássicas: a do grande teórico da psicologia John Bowlby. Segundo ele, o luto é um processo natural que ocorre em reação a um rompimento de vínculo.
Dessa forma, o processo de luto abarca situações relacionadas ao contexto de perda em geral, seja o falecimento de um ente querido, a mudança de um papel social ou a perda de uma possibilidade de futuro. É a sensação de que “algo nos foi tirado”, algo que era tão nosso que não deveria, absolutamente, ter sido tomado de nós. Ou como disse Colin Parkes, um dos principais autores e pesquisadores da contemporaneidade sobre o tema: “o luto é o preço do amor”.
Um levantamento recente sobre o tema diante de outros surtos de doenças infecciosas, como a cólera e o ebola, aponta que o isolamento dos doentes e a impossibilidade de realizar os rituais pós-morte específicos a cada cultura causam impacto negativo no processo de luto de uma comunidade. Ainda não temos estudos robustos sobre o real efeito do novo coronavírus nesse quesito e no chamado luto complicado — quando esse processo se torna um problema de saúde. Mas algumas pesquisas sugerem um aumento na intensidade e no prolongamento dos sintomas vivenciados pelo luto.
Não dizemos adeus da mesma forma que antes. Não podemos oferecer o amparo presencialmente. Não temos mais o olho no olho que acolhe e diz que, independentemente do que acontecer, ficaremos ao seu lado. Como familiares, a sensação de impotência é devastadora.
Aos profissionais de saúde, cabe o desafio de viabilizar a manutenção da saúde mental e a dignidade dos pacientes e familiares ao criar estratégias para o contato remoto por meio de chamadas de vídeo ou áudio, cartas… A inovação e a humanização também são ferramentas do cuidar.
E as despedidas, por que são importantes? Perder alguém é lidar com a necessidade de se tornar uma nova pessoa por meio de uma imposição da vida. Corresponder a essa imposição pode ser um dos maiores desafios da existência de alguém.
A sensação de vazio descrita nos processos de luto, assim como a sintomatologia conhecida sobre o tema, ganha ainda mais intensidade no contexto de isolamento social e inviabilidade de despedidas. E despedir-se é uma etapa essencial para esse processo, na medida em que promove o contato com a realidade da perda e favorece a sua assimilação. Ao mesmo tempo, permite que o sofrimento e o desamparo diante da perda possam ser compartilhados e acolhidos entre aqueles que o sentem.
Os rituais fúnebres desempenham um papel importantíssimo nesse contexto, com todas as suas variabilidades sociais, históricas e culturais. Com as diretrizes mundiais para evitar a contaminação nesse momento — e entre os trabalhadores dos diferentes serviços funerários —, mais uma vez somos desafiados a nos reinventar. Podemos, por exemplo, garantir que os rituais de despedidas sejam mantidos por meios remotos de encontro e comunicação.
E o que esperar após essa fase? Cada pessoa vivenciará o luto de maneira singular, ora orientada para a retomada da vida, à ressignificação e aceitação da perda, às novas conexões e projetos; ora orientada para a perda em si, o contato com o sofrimento e expressão dessa dor. Essa oscilação é prevista e saudável.
O tempo de duração do luto é particular. Alguns podem demorar meses, outros anos. Mas considera-se que o primeiro ano seja o mais difícil, na medida em que o enlutado passará pelas principais datas pela primeira vez após o falecimento do ente querido. O que é importante: verificar que a pessoa tenha os sintomas (tristeza, revolta etc) abrandados ao longo do tempo, prevendo oscilações nesse processo. Também é esperado que o enlutado retome gradativamente o curso de sua vida, respeitando o tempo pessoal para isso.
Quando não há redução dos sintomas e uma retomada da vida, podemos estar diante de um luto complicado, sendo necessária uma avaliação específica de saúde mental, seja do psicólogo ou do médico psiquiatra.
E não devemos nos esquecer que o processo do morrer interfere no enfrentamento do luto. Uma morte em meio à restrição de recursos terapêuticos, com sofrimento — o que pode acontecer em regiões onde há perda do controle do coronavírus —, é mais difícil de processar. Como consolar familiares cujo ente querido não foi em paz, e que sequer conseguiram acompanhá-lo em seus últimos dias?
Então, como podemos ajudar? A resposta não é simples. As necessidades são múltiplas e, nesse cenário de pandemia, extrapolam a dimensão psicológica. Contudo, se for possível sintetizar uma mensagem, eu diria que podemos ajudar cuidando de alguém.
Que possamos envolver essas pessoas de cuidado por meio de mensagens e telefonemas. Envolver-se é a melhor forma de fazer-se presente, algo tão valioso nesse processo. E, essencialmente, o cuidar de alguém é permitir que essa pessoa expresse a sua saudade e tenha a certeza de que não está sozinha nesse momento.
*Natalia Pavani é psicóloga do Hospital Alemão Oswaldo Cruz