Nas últimas décadas, houve avanços extraordinários no campo das análises laboratoriais e de imagem, que se tornam meios cada vez mais eficazes e precisas para diagnósticos e tratamentos adequados. Contudo, a lógica da investigação médica continua a mesma: a solicitação dos exames deve ser orientada a partir dos dados da história clínica trazidos pelo paciente ou família e das observações durante o exame físico. A partir disso, formulam-se hipóteses diagnósticas e exames complementares, bem selecionados, servirão para confirmar ou afastá-las e avaliar a extensão e a gravidade da doença.
Entretanto, ocorre em nossos dias uma inversão desta ordem. Uma lista de exames é solicitada antes de se obterem os dados clínicos. Além dos custos financeiros, exames têm riscos especialmente para crianças.
A coleta de sangue, sobretudo se repetida, pode causar anemia em crianças pequenas, por exemplo. Existe um movimento de quase dez anos no Instituto da Criança e do Adolescente do HCFMUSP para as coletas terem os menores volumes possíveis. Não custa lembrar que as crianças têm volume de sangue proporcional ao seu peso. Um bebê de 5 quilos carrega cerca de 400 mililitros de sangue.
Exames radiológicos também implicam em riscos decorrentes da exposição às radiações ionizantes usadas nas radiografias convencionais e nas tomografias computadorizadas.
Na ressonância magnética não se há essa radiação, mas, por ser prolongada e desconfortável, exige sedação e não raramente anestesia, procedimento também com riscos. E não se pode esquecer do sofrimento emocional que essas experiências trazem à criança.
A ultrassonografia, por sua vez, é isenta de riscos e surge como a melhor opção em pediatria. Nessa especialidade médica, aliás, não há lugar para as listas pré-estabelecidas de análises de rotina. O check-up da criança, desde o nascimento, é representado pelas consultas pediátricas periódicas para avaliação do crescimento físico, desenvolvimento neuropsicossocial e saúde geral.
É preciso compreender que um médico não demonstra sua competência ao solicitar muitos exames, e sim ao indagar os detalhes da doença, os hábitos de vida e os antecedentes pessoais e familiares e ao examinar bem seu paciente, mesmo que a criança não goste.
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Somente depois de um juízo sobre a condição a partir dos dados clínicos, poderão (ou não) ser solicitados exames complementares. Infelizmente o que é chamado de complementar, hoje está se tornando o principal sem um racional que justifique isso.
*Magda Carneiro-Sampaio, Professora Titular de Pediatria Clínica da FMUSP, Presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança e do Adolescente do HCFMUSP e editora coleção de Livros sobre Pediatria, publicados pela Editora Manole (clique para comprar)