Essa história é PANC: o valor das plantas alimentícias não convencionais
Criadora da hoje famosa sigla conta como ela surgiu e por que deveríamos prestigiar essas espécies vegetais
Plantas alimentícias não convencionais. Ou melhor, PANC. Esse acrônimo surgiu com um propósito, mas também com uma boa dose de acaso. Vamos às origens.
Eu, nutricionista, cursava um mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde convivia com o botânico Valdely Kinupp, que tocava seu doutorado. Além de termos a mesma orientadora, interagíamos nas disciplinas, e assim uma amizade floresceu.
Eu apreciava comidas diferentes e o Valdely sempre aparecia com uma planta nada usual para experimentar. Em comum, gostávamos de cozinhar, comer e pensar em soluções agroecológicas.
Após defender sua tese — “Plantas Alimentícias Não Convencionais da Região Metropolitana de Porto Alegre” —, meu amigo retornou a Manaus e eu fiquei na capital gaúcha com a certeza de que o conhecimento sobre essas espécies precisava ser mais difundido.
Então idealizei um projeto, viabilizado com uma parceria governamental, para prospectar, identificar e dar usos culinários a plantas encontradas nos assentamentos da reforma agrária de Nova Santa Rita (RS). Valdely, com seu conhecimento botânico, seria o responsável pela primeira parte do roteiro; eu, com minhas noções nutricionais e culinárias, pela segunda.
Quando fui escrever o projeto, baseado no trabalho do meu colega, decidi abreviar o título com a sigla PANC. E, ao ler, logo percebi o fonema incrível que surgia — inclusive pela referência ao “punk”.
+Leia Também: Um cardápio mais PANC: conheça as plantas alimentícias não convencionais
Esse acrônimo seria um “guarda-chuva” que abrigaria termos pejorativos e mais populares como erva daninha e planta invasora. Porque, no fundo, não se trata disso.
As PANC compõem um grupo extenso de plantas que são pouco conhecidas, subutilizadas ou negligenciadas na alimentação humana, mas que têm ajudado a garantir nossa subsistência ao longo do tempo.
São espécies resistentes e resilientes, e muitas ocorrem espontaneamente na natureza.
Possuem um vasto potencial nutricional e gastronômico e proporcionam autonomia, valorização e resgate de culturas, além de sua utilização estar afinada com o conceito de sustentabilidade e respeito à biodiversidade.
Torná-las conhecidas ou reconhecê-las, portanto, era (e é) um desafio em nosso horizonte. Estima-se que 10% dos vegetais existentes tenham fins alimentícios, e fato é que estreitamos nosso repertório a poucas plantas cultivadas num regime exaustivo de monoculturas.Como consequência, enfrentamos uma séria degradação ambiental e prejuízos à saúde humana.
Tenho uma frase que é um mantra para mim: “A comida precisa fazer bem ao corpo, à alma e ao ambiente”. As PANC sempre estiveram ao nosso alcance, então por que não fazemos uso daquilo que nos beneficiaria? Digo que a PANC da vez é o Pensamento Alimentar Não Convencional.
+Leia Também: Quer cuidar da dieta e do ambiente? Priorize frutas e hortaliças nativas
Os alimentos não surgiram nas gôndolas dos mercados, com rotulagem e preço. Apesar de serem conveniências da modernidade, existe uma infinidade de opções que estão por aí, disponíveis in natura à nossa volta.
Basta que o nosso olhar se permita mudar — e nosso paladar, se transformar. Por trás de uma PANC não há apenas uma planta. Há alimento, identidade e sustentabilidade.
*Irany Arteche é nutricionista, com atuação em alimentação escolar, nutrição sustentável e agroecologia, e idealizadora do acrônimo PANC, de planta alimentícia não convencional