As eleições, o ódio e a nossa saúde mental
Nas vésperas das eleições de outubro, psicólogo tece uma reflexão sobre o ódio que brota da polarização política
A proximidade das eleições realça ainda mais a danosa polarização em que a nossa sociedade se meteu. Vivemos num contexto perigoso, em que fica fácil observar como o ódio, fomentado por discursos simplistas e argumentos de ocasião, piora os relacionamentos e aumenta o sofrimento mental.
Sim, há tempos as relações estão sofridas e vêm acompanhando os altos e baixos dos nossos incômodos sociais. As rusgas e até brigas se manifestam naquelas datas tradicionais de encontros, como o Natal e os batizados, onde é inevitável rever aquele parente ou amigo com o qual não concordamos, aquele que está do outro lado das nossas crenças e fronteiras imaginárias.
Mas a verdade é que já passa da hora de a gente superar as nossas dificuldades para tolerar e respeitar as diferenças de maneira civilizada. Conhecer o que está por trás do ódio é uma etapa importante nesse processo.
O ódio é um sentimento, e há uma série de tabus e preconceitos que nos afastam do entendimento do que nos leva a ele. Não é incomum que aquele que eventualmente manifesta seu ódio seja vítima de censura pública, ou velada, por parte dos seus pares. Talvez isso aconteça porque tal sentimento esteja associado, em nosso íntimo, a experiências desagradáveis e frustrantes da nossa própria história (e ninguém gosta de ter contato com elas).
No entanto, para superar a deletéria polarização política e ideológica na qual chafurdamos, é importante saber que esse sentimento existe em todos nós, faz parte do nosso aparelho psíquico. Somos seres que amam e odeiam e, muitas vezes, quando as condições de vida pioram, torna-se psiquicamente econômico direcionar a raiva para algo ou alguém. É assim que o discurso de ódio se propaga.
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Ocorre que, ao alimentar esse sentimento, corremos o risco de encarar um sofrimento mental individual e coletivo. A falta de compreensão do nosso próprio ódio tem consequências. Muito do que chamamos de controle, culpa, cobrança e autossabotagem têm a ver com expressões inconscientes do nosso ódio constitutivo.
Assim, nosso desconhecimento dos aspectos não tão agradáveis do nosso mundo interno pode contribuir para o trágico destino de nos transformarmos nas primeiras vítimas de nosso próprio ódio. Com isso, caminhamos para o ressentimento, o sofrimento e o adoecimento.
O ódio sempre foi regulado por práticas e discursos de controle social, como nos ensina o psicanalista brasileiro Joel Birman. Na história recente, ele passou a ser utilizado como ferramenta de domínio político por grupos que se beneficiam da discórdia, da instabilidade social e da polarização.
Podemos dizer que é em grande parte graças ao ódio que somos, hoje, uma sociedade cuja alma se encontra em profundo sofrimento. Somos uma sociedade que sofre de um transtorno mental.
Encontrar uma solução para o que fazer com o nosso ódio, dentro daquilo que é construtivo para nós mesmos e para a comunidade, passa pelo autoconhecimento, tanto pessoal quanto coletivo. E isso vale tanto para antes como para depois das eleições.
* Francisco Nogueira é psicólogo e psicanalista e membro do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo