A infância saudável ainda é um privilégio de quem não vive a desigualdade
Insegurança alimentar, falta de acesso a água potável... fatores como esse são comuns a muitas crianças no Brasil e comprometem seu desenvolvimento
A infância deveria ser um momento de felicidade para todos os pequenos. No entanto, esse sentimento ainda não é vivenciado por todos, principalmente para aqueles que vivem à sombra da desigualdade, como em regiões marcadas pela escassez, fome e a insegurança alimentar. Infelizmente, no país, a garantia de um ambiente seguro, saudável e propício ao desenvolvimento infantil está longe de ser uma realidade.
Pode-se pensar que esse problema não é a realidade de muitos, porém um estudo recente conduzido pela World Vision em parceria com Ipsos, intitulado Not Enough: Global Perceptions on Child Hunger and Malnutrition (Insuficiente: Percepções Globais sobre Fome Infantil e Desnutrição), dá a real magnitude do quadro. Realizado no segundo semestre de 2023, em 16 países, ele destaca que a má nutrição é responsável por alarmantes 45% das mortes de crianças de 0 a 5 anos em escala mundial.
Para ter uma ideia de como este dado é subestimado e ignorado, o estudo da World Vision perguntou aos entrevistados suas estimativas sobre essa proporção. E 44% daqueles que arriscaram um palpite acreditavam que fosse inferior a 30%.
Além disso, quase metade (46%) dos entrevistados afirmaram que não conseguiam estimar, demonstrando que a extensão do problema é um ponto cego para a maioria dos cidadãos ao redor do mundo. O relatório destaca que 21% das famílias pesquisadas afirmam que suas crianças foram obrigadas a deitar-se com fome devido à falta de alimentos, um cenário que atinge alarmantes 37% nos países de baixo rendimento.
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Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no Brasil existem 32 milhões de crianças vivendo na pobreza. São milhões de meninas e meninos que vivem essa realidade, o que corresponde a 63% do total.
A pesquisa ainda conclui que a situação é ainda mais grave no Norte do país, onde 40% das casas com moradores nesta faixa de idade sofrem com a falta de comida, e no Nordeste, onde famílias de 7 dos nove estados também passam por situações parecidas.
A cruel realidade é que o racismo ambiental continua a ser o catalisador desse problema. Dados extraídos do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN) destacam que 20,6% das famílias lideradas por indivíduos autodeclarados pardos e pretos são confrontadas com a angústia da fome.
Isso significa que um em cada cinco lares desse grupo luta diariamente com a incerteza sobre a disponibilidade de alimentos de qualidade, privados, em muitos casos, de qualquer acesso a uma refeição adequada. Como consequência direta, os pequenos são igualmente afetados.
Além das dificuldades enfrentadas com a alimentação, as mudanças climáticas agravam a situação nessas regiões. O aumento das secas e das chuvas intensas não apenas causam destruição de plantações, como contaminam as fontes de água potável.
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Nas comunidades afetadas, a água limpa se torna um recurso escasso e precioso, forçando crianças a dedicarem tempo e energia em busca de poças d’água ou outras fontes alternativas. Essa busca as expõe a riscos de doenças transmitidas e as priva de momentos cruciais de desenvolvimento infantil.
Enquanto crianças em outras regiões têm, ao menos em maior escala, o privilégio de desfrutar de uma infância repleta de atividades lúdicas e educativas, aquelas que vivem em áreas afetadas sofrem para se hidratar. Para muitos, a preocupação com as necessidades básicas, como a busca por água potável, muitas vezes supera o direito à diversão e ao lazer.
Essa desigualdade no acesso à água limpa perpetua o ciclo de pobreza e vulnerabilidade. É crucial que medidas urgentes sejam tomadas para mitigar os impactos das mudanças climáticas nessas comunidades, garantindo o acesso equitativo à água e criando condições para uma infância digna e saudável, independentemente de onde vivam.
É incontestável reconhecer que a infância digna não pode ser um luxo reservado para alguns, e sim um direito inalienável de todos. Precisamos urgentemente de políticas que enfrentem as raízes profundas da desigualdade. Somente assim poderemos verdadeiramente celebrar a infância como ela merece ser celebrada: como um período de inocência, aprendizado e sonhos realizados, em todos os cantos do país.
*Thiago Crucciti é diretor nacional da ONG Visão Mundial Brasil