Há quase um século, a descoberta da penicilina, primeiro antibiótico do mundo, estabeleceu um marco na medicina. Finalmente, tínhamos um medicamento capaz de enfrentar as bactérias causadoras de infecções muitas vezes fatais.
Desde então, os antibióticos se multiplicaram e continuam sendo aliados fundamentais no tratamento de infecções bacterianas. No entanto, precisam ser adequadamente prescritos e jamais usados por conta própria.
É que, além de combater a infecção em foco, antibióticos podem alterar a flora (microbiota) normal do nosso organismo, gerando desequilíbrios que podem permitir a ação oportunista de outras bactérias e microrganismos.
Mesmo quando adequadamente indicados, podem ocorrer desdobramentos indesejados.
Em alguns tipos de cirurgia, por exemplo, o paciente deve receber um antibiótico antes do procedimento para prevenir infecções no local da intervenção. Mas o medicamento pode provocar alterações na flora intestinal e, dias depois, ocorrer sintomas como diarreia por uma colite causada pela bactéria Clostridioides difficile.
Outro exemplo pode ocorrer com mulheres que tomaram antibiótico para tratar uma amigdalite ou uma pneumonia. Pouco tempo depois, elas podem desenvolver candidíase, uma infecção provocada pelo fungo Candida, que se aproveita da alteração na microbiota das pacientes para se multiplicar.
Nas situações acima, o antibiótico era indicado e os eventuais efeitos adversos podem ser manejados.
Uso indevido
Como lembra a médica Paula Tuma, diretora de Qualidade, Segurança e Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Einstein, não são incomuns casos em que o uso desse medicamento não faz qualquer sentido, como no tratamento de gripes e resfriados, que são provocados por vírus respiratórios.
Antibióticos são indicados apenas para infecções bacterianas e nada fazem contra as infecções virais.
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O uso indevido, por tempo prolongado e de maneira indiscriminada não só aumenta o risco de efeitos indesejados, como favorece a resistência bacteriana.
A preocupação é antiga. Em 1945, ao receber o prêmio Nobel de Medicina, Alexander Fleming, o descobridor da penicilina, já alertava em seu discurso que o uso indevido do produto poderia tornar as bactérias resistentes a ele.
E o fato é que, ao longo do tempo, penicilina e outros antibióticos passaram a ser vistos como uma espécie de panaceia, com uso e abuso desses medicamentos – por humanos e também na pecuária e agricultura.
As bactérias sabem como se tornar resistentes. Nos dias de hoje, as bactérias multirresistentes são um problema de saúde global, e nem sempre conseguimos desenvolver novos remédios capazes de combatê-las.
Só quando necessário
Em hospitais, um ambiente particularmente mais sensível à circulação desses microrganismos, o cuidado com a administração de antibióticos é um fator-chave das boas práticas de segurança do paciente, com o cumprimento de protocolos baseados em evidência científica. Antibiótico só quando necessário, na dose correta e pelo tempo necessário.
Para algumas cirurgias, por exemplo, basta administrar um antibiótico preventivo uma hora antes do procedimento ou no máximo por 24 horas. Em intervenções cirúrgicas mais simples, a tática sequer é indicada.
Protocolos mais antigos previam a administração desses medicamentos por até 21 dias. Porém, para muitas infecções bacterianas não complicadas, períodos mais curtos de tratamento com antibiótico, de 5 a 7 dias, podem ser suficientes.
Seja na batalha contra as superbactérias, seja para evitar efeitos colaterais, o uso de antibióticos tem de ser feito de maneira correta e responsável.
A partir da análise física e de exames complementares, médicos podem identificar se uma infecção é bacteriana, viral ou fúngica. Se for bacteriana, exames permitem saber qual é a bactéria e orientar a administração de um antibiótico específico. Ao paciente, cabe seguir a prescrição, tomando o medicamento da forma e pelo tempo indicados.
E a automedicação deve ser sempre evitada, mais ainda se envolver esse tipo de remédio.
Antibióticos são um recurso valioso da medicina. Mas é preciso usá-los de maneira criteriosa e cuidadosa para que eles cumpram o papel que lhes cabe: devolver a nossa saúde e não voltar-se contra ela.