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Gripe, resfriado, bronquiolite e Covid: os vírus estão no ar

Patógenos por trás de diferentes doenças respiratórias se espalham pelo país e podem se aproveitar das mudanças de temperatura. Saiba como evitar

Por Lucas Rocha (texto), Estúdio Coral (design), Jonatan Sarmento e Lemon TM/Getty Images (ilustração)
18 abr 2024, 16h05
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Vírus da gripe, do resfriado, da bronquiolite e da Covid-19 se espalham pelo país  (lustração: Jonatan Sarmento e Lemon_tm/Getty Images/Veja Saúde)
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Eles circulam entre nós o tempo todo. Podemos dizer que são companhias inseparáveis (e indesejáveis) ao longo dos séculos. Não podemos vê-los, mas sentimos os impactos do contato — ou melhor, contágio — da mais tenra idade aos últimos anos de vida.

E não é preciso viver uma pandemia para encarar os sintomas e os estragos provocados pelos vírus respiratórios, essas entidades microscópicas que contribuíram para moldar os rumos da humanidade. A preocupação está até fresca na cabeça: completamos há pouco quatro anos do surgimento da Covid-19.

Fora o coronavírus — que não sumiu do mapa —, estão à solta outros patógenos que causam espirros, tosse e mal-estar, caso do influenza, o agente da gripe, do vírus sincicial respiratório (VSR), principal responsável pela bronquiolite, e do rinovírus, ligado a resfriados.

+ Leia também: Queda brusca de temperatura: saiba cuidar da saúde!

A chegada do outono marca também o período de maior incidência dessas infecções. Isso porque as condições climáticas e comportamentais das estações com temperaturas mais baixas tendem a contribuir para a circulação desses micróbios pelo ar.

Existem, é claro, variações regionais e até de acordo com os elementos virais em alta, mas o fato é que os meses de outono e inverno demarcam um disparo no número de pessoas doentes e uma sobrecarga nos sistemas de saúde.

Um estudo publicado no periódico científico Frontiers in Public Health apresenta índices globais de infecções das vias respiratórias inferiores, que são aquelas que envolvem problemas mais graves, como pneumonias e bronquiolites.

Os dados, referentes a 2019, apontam que naquele ano foram registrados cerca de 489 milhões de casos e mais de 2,4 milhões de mortes relacionadas em todo o mundo. Ou seja, não estamos vulneráveis apenas a um mero resfriado.

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Clique para ampliar (lustração: Jonatan Sarmento e Lemon_tm/Getty Images/Veja Saúde)

No Brasil, um dos mais precisos monitoramentos de vírus respiratórios é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ali, um grupo de pesquisa desenvolve o boletim InfoGripe, documento semanal que apresenta as tendências no país com base em indicadores da síndrome respiratória aguda grave (SRAG), quadro que pode ser causado por vírus como os da gripe ou Covid e associado à hospitalização na maioria das vezes.

As mais recentes publicações descrevem um aumento nos casos em todas as regiões do país e faixas etárias, especialmente entre crianças e jovens. E quem está provocando essa revoada viral? O levantamento mostra diferenças pontuais em relação ao micro-organismo. No Centro-Sul, prevalece o coronavírus; no Nordeste e no Norte, destaca-se o influenza. No quesito idade, crianças, pré-adolescentes e idosos são os mais afetados com a internação pela Covid-19 atualmente.

Ter essas informações à mão faz diferença. Não só para saber como proceder com os pacientes mas também para estabelecer medidas de prevenção, entre elas a vacinação. A palavra-chave é vigilância.

+ Leia também: Vacina para vírus que causa bronquiolite é aprovada: saiba quem deve tomar

Diversidade viral

Monitorar os vírus que estão no ar não mata apenas a curiosidade dos cientistas. É tarefa de implicações práticas e vitais. Um dos motivos é que os patógenos podem sofrer mutações, escapando mais facilmente da nossa imunidade e das armas da medicina. Conhecemos essa história com o influenza — e, mais recentemente, com o coronavírus.

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De tempos em tempos, o vírus da gripe surpreende o mundo com uma nova versão capaz de nos pegar desprevenidos. Eventualmente, ela pode ser mais potente e letal. Foi assim com o episódio conhecido como gripe espanhola, em 1918 — uma tragédia responsável por entre 20 milhões e 40 milhões de mortes. Há 15 anos, o planeta foi abalado por outra pandemia disparada pelo influenza H1N1.

O vírus da gripe é um tormento porque tem alta capacidade de se transformar geneticamente, podendo inclusive ocorrer rearranjos entre linhagens diferentes, originárias de espécies distintas de hospedeiros. Foi o que aconteceu com a gripe suína de 2009: dois patógenos, um oriundo de aves, infectaram porcos ao mesmo tempo e, a partir de mutações, uma cepa despontou e se alastrou entre humanos.

“Os vírus têm um mecanismo de replicação muito simples. As cópias do próprio genoma não passam por nenhum processo de revisão, fazendo com que, aleatoriamente, existam alterações introduzidas no material genético entre uma geração e outra”, detalha o virologista Fernando Motta, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) no Rio de Janeiro.

A taxa expressiva de mutações virais também é o motivo pelo qual o imunizante contra a gripe precisa ser reformulado a cada ano. “A composição da vacina é atualizada com as cepas mais circulantes. Além disso, a proteção de uma única dose não é para toda a vida”, justifica a infectologista Emy Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

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Clique para ampliar (lustração: Jonatan Sarmento e Lemon_tm/Getty Images/Veja Saúde)
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No Brasil, a picada contra a doença é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde.

O critério é estabelecido de acordo com dados epidemiológicos dos indivíduos que apresentam maior exposição e maior risco de complicações e morte, como idosos, gestantes, puérperas, profissionais de saúde, crianças de 6 meses a 6 anos, professores, entre outras categorias.

“A vacina é composta de vírus inativados, que não podem causar doença. Às vezes, as pessoas confundem os sinais e sintomas relacionados a eventos adversos, que são infinitamente mais leves em comparação a adquirir a infecção”, esclarece a médica.

+ Leia também: Quais são os riscos de usar antibióticos sem prescrição?

O coronavírus continua por aí

Os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19 foram, sem dúvida, terrivelmente marcantes. Em um período em que pouco se sabia sobre a evolução do vírus, o medo, o pânico e a desinformação ganharam espaço. Por outro lado, o avanço científico permitiu o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes em prazo recorde.

Aos poucos, a angústia causada pelas consequências devastadoras da infecção arrefeceu. Observamos o mundo reabrir e a vida voltar a uma sensação de normalidade, graças ao aumento das coberturas vacinais. No entanto, ainda hoje, a infecção pelo coronavírus faz um número considerável de vítimas — boa parte delas, de gente que não se imunizou.

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Dados do Ministério da Saúde apontam que, do início do ano até meados de março, foram notificados quase 519 mil casos e 2,6 mil mortes pela Covid-19. Nada que se compare aos piores dias vividos no auge da crise, que chegou a registrar mais de 4 mil óbitos em apenas 24 horas. Ainda assim, os índices seguem expressivos.

“A Covid-19 está sendo mais negligenciada do que deveria. Mesmo com a redução dos casos graves em decorrência da vacinação, o coronavírus ainda representa um risco significativo para a saúde, especialmente para pessoas com comorbidades, imunossuprimidas, idosos e indivíduos que não têm o esquema de imunização completo”, afirma o pneumologista Frederico Arrabal Fernandes, diretor da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).

Além de danos diretos ao sistema respiratório, o coronavírus pode provocar uma ampla gama de avarias e sequelas pelo corpo, incluindo alterações neurológicas, perda de olfato e paladar, fadiga e dores musculares.

O quadro caracterizado por manifestações tardias da infecção, que recebeu o nome de Covid longa, é associado a pelo menos 12 sintomas, de acordo com uma análise publicada no periódico da Associação Médica Americana. A lista inclui mal-estar após esforço, confusão mental, tontura, repercussões gastrointestinais, palpitações cardíacas e até perda do desejo e da capacidade sexual.

+ Leia também: Gripe aviária: quais os potenciais riscos do vírus para a saúde global?

Uma pesquisa da Fiocruz, com a participação de 1 230 brasileiros, revelou que quase 60% desenvolveram Covid longa. Ao todo, 720 voluntários apresentaram sintomas por três meses ou mais, com destaque para cansaço, ansiedade, perda de memória e queda de cabelo. Os efeitos duradouros foram mais frequentes entre os não vacinados.

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Além da ausência total de imunização, o esquema incompleto também é considerado um fator para o agravamento da doença. O número de doses contra a Covid-19 é estabelecido pelo Ministério da Saúde com o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), considerando as bulas dos laboratórios produtores e o cenário epidemiológico.

A recomendação tem como objetivo alcançar o maior nível de proteção. Assim, o número de aplicações e de reforços varia de acordo com a idade e a condição de saúde dos indivíduos. Neste ano, a imunização contra o coronavírus passou a fazer parte oficialmente do Calendário Nacional de Vacinação.

Na prática, significa que as doses estão disponíveis no SUS para grupos prioritários definidos pelo governo — mesmo raciocínio do que acontece com a gripe.

O rol reúne pessoas a partir de cinco anos e que apresentam maior vulnerabilidade ou condições que aumentam o risco de agravamento da Covid-19. Para idosos a partir de 60 anos, imunocomprometidos, gestantes e puérperas, as doses devem ser aplicadas a cada seis meses. Já profissionais de saúde, indígenas, quilombolas, pessoas com comorbidades, privadas de liberdade e em situação de rua podem ser imunizados uma vez por ano.

Fora as picadas, medidas aprendidas nos últimos quatro anos permanecem úteis para mitigar a transmissão. “A pandemia trouxe alguns legados que, independentemente do agente em circulação, devemos manter. Um deles é o uso de máscaras quando estiver com sintomas respiratórios, hábito enraizado em países do Oriente”, diz Emy.

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Clique para ampliar (lustração: Jonatan Sarmento e Lemon_tm/Getty Images/Veja Saúde)

Menos conhecido do que a gripe e a Covid pelo público geral, o vírus sincicial respiratório, ou VSR, certamente está no radar de pais e mães de crianças pequenas. A preocupação dos cuidadores tem motivo: o micróbio é o principal causador de infecções respiratórias agudas em crianças de até dois anos.

Estima-se que esteja por trás de 75% das bronquiolites e de 40% das pneumonias na infância — complicações que podem exigir atendimento no hospital.

O Ministério da Saúde diagnosticou um aumento no número de internações devido a quadros mais sérios provocados pela infecção. Nas regiões Sudeste e Sul, por exemplo, o crescimento de hospitalizações entre 2022 e 2023 variou entre 19 e 35%. No Distrito Federal, houve uma elevação superior a 35% no período. Já Alagoas e Sergipe se destacaram com salto percentual acima de 100%.

O VSR também está por aí durante o ano todo, mas sua incidência decola nos meses mais frios. Embora possa atingir qualquer pessoa, ele costuma ser mais nocivo para aquelas que estão nos extremos de idade, como bebês e idosos.

“Quando esse vírus entra na árvore respiratória de uma criança, pode causar uma reação inflamatória importante, a ponto de fazer com que haja uma descamação das células ali. Elas se fundem, formando o que chamamos de sincício, uma massa capaz de prejudicar a respiração”, descreve a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. Vem daí o nome de batismo do VSR.

No Brasil, há duas vacinas contra o patógeno autorizadas pela Anvisa. A Arexvy, da GlaxoSmith Kline (GSK), indicada a pessoas com 60 anos ou mais, chegou à rede privada em março deste ano.

Já a Abrysvo, da Pfizer, é destinada a proteger bebês até os 6 meses, de maneira indireta, através da aplicação de uma dose única nas mães, entre o segundo e o terceiro trimestre da gestação. Com aprovação em abril, a previsão é que o imunizante esteja disponível para comercialização em breve, após processo junto à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão responsável pela avaliação e definição de preços.

A proteção logo nos primeiros meses de vida reduz o risco de complicações, principalmente no caso de prematuros.

“A maior parte da transferência de anticorpos da mãe para o bebê ocorre no fim da gravidez. Portanto, aqueles que não têm essa fase final da gestação acabam recebendo menos proteção. Esses bebês nascem com o sistema imunológico mais imaturo, o que significa que combater infecções é um desafio ainda maior em comparação com um nascido de nove meses”, explica o pediatra Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

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Clique para ampliar (lustração: Jonatan Sarmento e Lemon_tm/Getty Images/Veja Saúde)

O quarto elemento: rinovírus

Já estaria de bom tamanho com essa trupe de vírus respiratórios. Mas tem mais por aí.

Fechando o grupo dos patógenos com grande circulação atualmente aparecem os rinovírus. Eles estão por trás do resfriado comum, provocando sintomas como tosse, espirros, congestão e corrimento nasal, dores no corpo, de cabeça e garganta… A boa notícia é que os quadros em geral são mais leves e o tratamento consiste basicamente em repouso e hidratação.

“No entanto, em episódios esporádicos, pode haver complicações como exacerbações de quadros de asma, bronquiolites, sinusites, otites e até pneumonia, sobretudo em pacientes com alguma comorbidade ou déficit na imunidade”, avisa Emy.

Não é possível prevenir o rinovírus com a aplicação de vacinas nem há um antiviral específico contra ele — para o coronavírus e o influenza, existem remédios a serem usados numa janela de oportunidade. “A transmissão se dá por meio de gotículas, então as medidas de prevenção são as mesmas: higiene das mãos, uso de máscara e regras de etiqueta respiratória”, resume a médica do Einstein.

+ Leia também: Vitamina C contra as doenças do outono: o que tem de verdade na história?

Por falar nisso, se os vírus respiratórios estão no ar, a prevenção está ao alcance de nossas mãos. Nesse contexto, o cuidado exercido por cada indivíduo também se reflete como uma camada de proteção ao outro.

Não tem jeito… A convivência em sociedade passa também pelo respeito às questões sanitárias. A começar pela manutenção do calendário vacinal em dia, incluindo as doses contra a gripe e a Covid-19, além do imunizante para o VSR, de acordo com as faixas etárias específicas.

A duras penas, a pandemia nos ensinou a praticar o isolamento social, usar máscaras compulsoriamente, manter o distanciamento em filas de comércios e evitar aglomerações. Hoje, com a melhora do cenário epidemiológico, podemos relaxar em algumas obrigações no dia a dia, mas tendo a noção de que, diante da suspeita de uma infecção respiratória, o bom senso manda resgatar esses hábitos.

Trata-se de um exercício consciente de cidadania. Ele passa por cancelar a ida ao cinema para ver o filme tão esperado, deixar de visitar um recém-nascido e usar proteção facial no ônibus ou no metrô. Convenhamos, atitudes assim já deviam estar incorporadas ao nosso cotidiano. Afinal, os vírus continuarão circulando… O que cabe a nós é não facilitar a vida deles. Pelo nosso próprio bem.

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