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Entrevista: como conter bactérias multirresistentes geradas pela pecuária

Integrante da ONG Proteção Animal Mundial revela como o uso de antibióticos nesse setor fomenta a resistência bacteriana, um problema de saúde pública

Por Fabiana Schiavon
28 jun 2022, 18h30

Sabia que o tratamento cruel aos animais de criação está relacionado ao risco do aumento de bactérias resistentes a antibióticos? Pode ser difícil compreender essa conexão a princípio, mas ela existe – e fica clara no minidocumentário “Bactérias Multirresistentes: Uma Ameaça Invisível”, disponível no YouTube e produzido pela organização Proteção Animal Mundial.

“A necessidade de produzir carne de baixo custo e em larga escala fez a indústria submeter os animais a práticas não sustentáveis, como confinamento em pequenos espaços. Com isso, a imunidade dos animais é desafiada. Para que eles não fiquem doentes, os produtores usam antibióticos de forma preventiva”, diz Daniel Cruz, veterinário e coordenador de bem-estar animal da Proteção Animal Mundial. “E há outra parte da indústria que usa os antibióticos como promotores de crescimento”, completa, em entrevista exclusiva que concedeu para VEJA SAÚDE no lançamento do minidocumentário – confira o bate-papo mais abaixo.

O minidocumentário inclusive retrata a realização de uma pesquisa de campo, feita pela Proteção Animal Mundial em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que avalia essa relação entre pecuária, uso de antibióticos e o surgimento de bactérias multirresistentes.

É preciso entender que a resistência bacteriana está entre as dez maiores ameaças ao bem-estar global, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Todo ano, morrem 700 mil pessoas no planeta em decorrência de infecções que não respondem aos tratamentos com antibióticos. Nos próximos 30 anos, podem ser mais de 10 milhões de óbitos, estima a OMS.

A resistência bacteriana dá as caras com o uso exagerado ou inadequado de antibióticos, que acaba selecionando as cepas mais resistentes. A pecuária se tornou uma fábrica de micro-organismos resistentes, uma vez que recorre rotineiramente aos antibióticos – o que poderia ser evitado com práticas mais modernas e focadas no bem-estar animal.

Leia também: Novos hábitos ajudam a vencer as superbactérias, uma preocupação mundial

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Ao longo da entrevista, Daniel Cruz aborda esses assuntos e discute como cada um de nós pode ajudar a conter essa tendência. Confira:

Veja Saúde: Como foi feito o estudo mostrado no documentário e o que ele prova?

Daniel Cruz: Colhemos amostras em diversos pontos  do Paraná que possuem grande concentração de produção de suínos e frangos. Assim que identificávamos uma granja, eram feitas coletas em trechos do rio antes de ele chegar à granja e depois de passar pelo terreno dela.

As amostras colhidas no trecho anterior apresentavam bactérias com uma média de cinco genes que conferem resistência a alguns tipos de antibiótico*. Depois que o rio passa pela granja, esse número pula para 22 genes. Ou seja, há um aumento representativo desses agentes de resistência microbiana nessas áreas de produção.

Uma vez encontrado esses genes em rios próximos às granjas, é sinal de que a própria água de consumo e os peixes estão contaminados. Isso facilita muito o contato de bactérias resistentes com o ser humano.

*As bactérias que resistem ao tratamento com antibióticos possuem em seu DNA genes distintos em relação às que são facilmente combatidas com medicamentos. Fonte: Relatório da Proteção Animal Mundial.

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Como a pecuária pode contribuir para o surgimento de bactérias resistentes a antibióticos?

Os animais estão recebendo uma quantidade muito grande de antibióticos durante o seu ciclo de produção. A necessidade de produzir carne de baixo custo e em larga escala fez a indústria submeter os animais a práticas não sustentáveis, como confinamento em pequenos espaços. Com isso, a imunidade dos animais é desafiada. Para que eles não fiquem doentes, os produtores usam antibióticos de forma preventiva. E há outra parte da indústria que usa os antibióticos como promotores de crescimento.

Com o uso de tanto antibiótico, as bactérias encontram um terreno fértil para evoluir e escapar desses medicamentos.

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Além de estarmos expostos a bactérias super-resistentes, há risco de consumirmos esses antibióticos pela alimentação?

Sim. Cerca de 70% desses antibióticos são eliminados pelas fezes e pela urina dos animais, e as fezes são utilizadas de maneira frequente como fertilizante. Ou seja, vão direto para a lavoura, o que leva essa contaminação para outros alimentos.

Por que vocês escolheram um local de produção de frango e porcos?

A suinocultura é onde os antibióticos são mais utilizados, e a avicultura vem em segundo lugar. Mas também há uso de antibióticos no gado. Cerca de ¾ dos antibióticos utilizados no mundo vão para a pecuária. Esse número comprova que as bactérias resistentes não estão restritas a ambientes hospitalares, como a maioria das pessoas pensa.

Esse é um problema só brasileiro? O que fazer para mudar?

Esse é um estudo em andamento, com algumas fases a concluir, mas os primeiros resultados são semelhantes aos que foram feitos no Canadá, nos Estados Unidos, na Espanha e na Tailândia. Então podemos dizer essa é uma realidade aqui e no mundo.

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No Brasil, o que pedimos é que haja a proibição do uso de antibióticos como promotores de crescimento e como profilaxia [na prevenção de doenças]. O antibiótico é importante para manter a saúde de animais que precisam de tratamento, que estão efetivamente doentes. O que não concordamos é que todos os animais recebam doses preventivas só porque outras medidas que garantiriam a saúde e o bem-estar animal não são atendidas.

Em termos de legislação, vemos hoje regras um pouco mais duras na Europa, mas aqui ainda precisamos evoluir e melhorar a fiscalização. Fizemos esse documentário para conseguir divulgar que o problema da resistência bacteriana começa na pecuária.

Nota: Em conjunto a outras 13 entidades, a ONGs Proteção Animal enviou uma carta  aos congressistas contestando o Projeto de Lei 1.293/2021, que flexibiliza a fiscalização agropecuária por meio de programas de autocontrole geridos pelas empresas do setor.

O que consumidor pode fazer?

Reduzir o consumo. Essa é uma forma de tirar a pressão da produtividade das empresas, que maltratam os animais para suprir a demanda. Outro ponto é optar por empresas ou marcas que promovam o bem-estar animal, que atendam as mínimas necessidades deles. Temos trabalhos científicos comprovando que animais criados de forma saudável usam muito menos antibióticos.

Existem produtores responsáveis e empresas marcando compromisso de reduzir o uso de antibióticos.

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Nota: Por meio do projeto Haja Estômago!, a ONG dá os caminhos ao consumidor para buscar alimentos de empresas responsáveis e ajudar a combater a questão das bactérias multirresistentes. Está em andamento, ainda, uma campanha em parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A ONG tem como objetivo proteger animais. Quando vocês começaram a olhar para a saúde humana também?

Hoje olhamos pelo prisma da saúde única que envolve a nossa, a do animal e a do meio ambiente. Além do fato de que tudo está conectado, quando mostramos que esse problema extrapola o bem-estar dos animais, conseguimos um pouco mais de atenção do público.

Confira o minidocumentário:

 

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