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Quimiofobia: o medo irracional de alguns produtos e ingredientes

Rejeição a substâncias usadas pela indústria não tem base científica e não reconhece importância da química para a segurança alimentar, defendem autores

Por Marcelo Cristianini, engenheiro de alimentos, e Alexandre Novachi, farmacêutico*
8 out 2020, 12h42
alimentos ultraprocessados
Alimentos industrializados passam por controle de segurança e qualidade que não justificaria "quimiofobia", apontam especialistas.  (Foto: Alex Silva/SAÚDE é Vital)
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A quimiofobia é o medo irracional que alguns indivíduos têm de compostos ou ingredientes percebidos como sintéticos ou não naturais. A maioria das pessoas usa a palavra “químico” para se referir a substâncias criadas sinteticamente ou artificialmente, como teflon, náilon e petróleo. A fobia pelo químico se estende a alimentos feitos com açúcar ou conservantes, componentes de produtos de beleza e limpeza e até vacinas — todos eles itens que precisam cumprir protocolos de segurança e qualidade antes de serem comercializados.

Apesar de o mundo estar se tornando um lugar mais limpo e seguro, a quimiofobia se alastra com a contribuição de cientistas e profissionais enviesados, ativistas, entidades e blogueiros que fazem sucesso levantando essa bandeira. Mas o fato é que, em sua maioria, as pessoas estão mais saudáveis, os regulamentos de segurança têm se tornado mais rigorosos e os produtos estão mais qualificados e seguros.

Os responsáveis por difundir a quimiofobia criam culpa, estresse e ansiedade desnecessários à medida que os consumidores se preocupam com as escolhas ideais para suas famílias. Ocorre que os consumidores são vítimas nessa batalha que também tem a ver com o mercado. Os negócios pró-natural espalham o temor sobre os produtos convencionais.

A quimiofobia não é uma fobia clínica, mas uma escolha informada e consciente, influenciada pelas informações a que as pessoas têm acesso e a uma visão de mundo que constroem com base nelas. Desse modo, pode ser comparada à xenofobia (medo do estrangeiro) ou ao racismo, e é diferente do medo de aranhas ou locais fechados, por exemplo.

Quando avaliamos a segurança de um produto ou alimento, não podemos nos ater ao fato de ele ser natural ou não. A origem de um composto químico em si nos interessa, claro, mas não diz nada sobre o perfil toxicológico, sanitário e de biodisponibilidade. Em resumo, não é isso que determina se o item será seguro e eficaz ou vai atuar e permanecer no corpo.

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Se os produtos químicos fossem comparados a pessoas, então a naturalidade de um produto químico é semelhante ao conceito de raça nos seres humanos. A raça de uma pessoa não diz nada sobre o seu caráter, pontos fortes ou fracos. Da mesma forma, a origem de uma substância química (vegetal ou mineral) nada diz sobre a sua segurança ou qualidade.

A chave para vencer a quimofobia é de três ordens. Primeiro, precisamos compreender as origens desse fenômeno e aceitar o fato desconfortável de que todos nós (incluindo os cientistas) possuímos uma predisposição biológica para temer as substâncias químicas. Segundo, temos de aprender a julgar as substâncias químicas racionalmente. Terceiro, precisamos aprender a olhar claramente para as alegações de rotulagem a fim de realizar escolhas mais sensatas e saudáveis na hora da compra.

A ânsia pela natureza é um comportamento intrinsecamente humano a que os acadêmicos chamam “biofilia”. A biofilia nos atrai para as coisas naturais. Tomamos decisões completamente irracionais porque desejamos a natureza num mundo cada vez mais consumista e diversificado. Sem tempo ou paciência para perseguir a verdadeira natureza, expressamos nosso anseio comprando mercadorias ditas “naturais”. O fracasso desses produtos em saciar a ânsia inata pela natureza leva a modismos infindáveis e ao consumo cíclico de “mercadorias naturais”.

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As psicólogas Meng Li e Grettchen B. Chapman publicaram um estudo em 2012 que aborda as raízes do que chamam de a “preferência pela naturalidade”. Primeiro, descobriram que as pessoas não acreditavam que os produtos sintéticos fossem iguais aos naturais, porque, embora os ingredientes primários/ativos possam ser os mesmos, os ingredientes secundários ou contaminantes dos produtos sintéticos são provavelmente diferentes dos presentes nos produtos “naturais”. A maioria das pessoas considera que os contaminantes naturais são mais seguros do que os contaminantes de laboratório.

Isso explica a segunda descoberta das autoras: a história de que o processamento desempenhou um papel mais importante na percepção da naturalidade de um produto do que os ingredientes do próprio produto. Os produtos com um histórico de processamento com o qual as pessoas podem se identificar (produtos feitos manualmente com aditivos familiares e conservados de uma forma que o consumidor conhece bem) são considerados pela maioria das pessoas como sendo mais “naturais”.

A quimiofobia suscita acusações generalizadas de que grandes empresas envenenam os seus clientes com produtos químicos deliberadamente adicionados. A prova do contrário — como o fato de que a substância química é segura nas dosagens utilizadas — não atenua os receios das pessoas, porque a causa de fundo da sua quimiofobia envolve certa predisposição evolutiva, dificuldade em traduzir e compreender questões científicas e crenças em atores e instituições que promovem uma agenda social, política ou econômica.

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Os quimiófobos raramente revelam os verdadeiros motivos por trás de suas preocupações, e isso explica porque se negam a conhecer as provas da ciência e a mudar seus pontos de vista quando se confirma que estavam equivocados. Como argumenta o acadêmico queniano Calestous Juma na obra Innovation and Its Enemies (Inovação e seus Inimigos), a oposição pública a qualquer nova tecnologia geralmente tem uma raiz sociopolítica.

* Marcelo Cristianini é engenheiro de alimentos, mestre em ciência de alimentos pela Universidade de Reading, na Inglaterra, e doutor em ciência de alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Alexandre Novachi é farmacêutico-bioquímico e bacharel em direito com mais de 28 anos de experiência na gestão de assuntos regulatórios e científicos de empresas multinacionais. Hoje é diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da ABIA – Associação Brasileira da Indústria de Alimentos e Bebidas

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