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Doenças sexualmente transmissíveis não param de crescer

Investigamos o que está por trás do aumento nos casos de sífilis, gonorreia e clamídia

Por André Bernardo (colaborador)
Atualizado em 15 mar 2023, 11h38 - Publicado em 30 ago 2016, 09h55
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  • Quando o poeta italiano Girolamo Fracastoro criou o personagem Syphilis, em 1530, não imaginava que ele emprestaria seu nome a uma moléstia infecciosa que, segundo relatos, fora trazida das Américas nas caravelas de Cristóvão Colombo. Nos versos de Fracastoro, Syphilis é um pastor de rebanho grego que desperta a ira divina e é castigado com pústulas pelo corpo. Quase 500 anos depois, a sífilis mal provocado por uma bactéria volta a ser motivo de preocupação, agora entre profissionais de saúde.

    E ele não vem sozinho. Outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e conhecidas do homem há milhares de anos — a gonorreia é mencionada no Antigo Testamento — parecem ter retornado com a força de uma praga bíblica.

    Quem avisa é o Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano, o CDC. Só nos Estados Unidos, os números de episódios de sífilis, gonorreia e clamídia registraram, em apenas um ano, aumento de 15,1%, 5,1% e 2,8%, respectivamente. No Brasil, o cenário estimado não é muito diferente — como apenas os casos de HIV e de sífilis em gestantes e bebês são notificados obrigatoriamente ao Ministério da Saúde, é difícil ter estatísticas gerais mais fidedignas. “DST virou tabu no país, ninguém mais toca no assunto. E o pior é que se minimiza o real risco de contágio”, critica a médica Márcia Cardial, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

    Leia também: Sífilis na casa dos 50

    Na falta de números do governo federal, dados da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo acusam que as ocorrências de sífilis por transmissão sexual cresceram 603% em seis anos. O salto foi de 2 694 em 2007 para 18 951 em 2013. Em outros estados, o panorama não é menos preocupante. Em 2013 e 2014, Acre, Pernambuco e Paraná registraram crescimento de 96,1%, 94,4% e 63,1%, respectivamente.

    Para especialistas, a prevenção dessa e de outras DSTs é ignorada pela população. “Diante da facilidade de se fazer o exame e do baixo custo do tratamento, a situação beira o absurdo”, afirma a médica Cláudia Jacyntho, Ph.D. em tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp.

    A julgar pelos números do ministério, a sífilis ameaça cada vez mais gestantes e bebês por aqui. De 2005 a 2013, os casos de grávidas com a infecção pularam de 1 863 para 21 382, uma elevação de mais de 1000%! O drama é que a enfermidade pode passar de mãe para filho, gerando a sífilis congênita. No mesmo período, os episódios dessa ameaça tiveram um crescimento de 135%. “A melhora na vigilância resultou em um aumento nas notificações”, explica Adele Benzaken, diretora-adjunta do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. “Além disso, o número de testes realizados por gestantes mais que triplicou entre 2008 e 2013.”

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    Ainda assim, tudo leva a crer que a população em geral baixou a guarda contra os males que se aproveitam do sexo desprotegido. Um levantamento do próprio ministério de 2009 calculou que algo em torno de 10 milhões de brasileiros já apresentaram sintomas de uma DST, como lesões, verrugas e corrimentos nos órgãos genitais. Na mesma pesquisa, descobriu-se que só 24,3% dos homens e 22,5% das mulheres que procuraram um serviço do SUS foram orientados a fazer o exame que detecta a sífilis — os números são um pouco maiores para o teste de HIV.

    “Alguns profissionais da área ainda pensam que só pega esse tipo de infecção quem é promíscuo, e isso não é verdade”, diz o ginecologista Mauro Romero, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis. “Qualquer pessoa sexualmente ativa, independentemente de faixa etária, classe social ou opção sexual, pode contrair uma DST. Basta praticar sexo inseguro”, frisa o médico, que também é professor da Universidade Federal Fluminense.

    O CDC americano alerta em particular para o boom de DSTs entre os jovens de 15 a 24 anos. De acordo com a agência, eles respondem por 53% dos casos de gonorreia e 65% dos de clamídia nos Estados Unidos. Mas por que essa turma, apesar dos materiais educativos distribuídos nas escolas, insiste em fazer sexo sem proteção? Alegações como “reduzir o prazer”, “ser difícil de colocar”, “prejudicar a ereção” e “não ter sempre à mão” estariam entre as principais justificativas (ou desculpas).

    Quase quatro em cada dez brasileiros de 18 a 29 anos ouvidos na pesquisa “Juventude, Comportamento e DST/Aids”, que entrevistou 1 208 pessoas nessa faixa etária em 2012, admitiram não usar preservativo em sua última relação. É mais uma evidência que corrobora uma triste constatação: nesse grupo, o fator de risco para doenças que mais cresceu nas últimas duas décadas foi o sexo inseguro. De 1990 a 2013, migrou da 12ª para a 2ª colocação na faixa dos 15 aos 19 anos e do 6º para o 2º lugar para quem tem entre 20 e 24 anos – só perde para o consumo de álcool.

    Qualquer pessoa sexualmente ativa, independentemente de faixa etária, classe social ou opção sexual, pode contrair uma DST. Basta praticar sexo inseguro

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    Essa espécie de negligência, muitas vezes inconsciente, tem a ver também com o fato de as DSTs parecerem coisa do passado. “Os jovens de hoje não têm medo da aids porque não viram ninguém morrer do problema. Para eles, virou algo crônico. Da mesma forma, não se dá a devida importância a outras DSTs”, acredita a ginecologista Márcia Cardial. Que ilusão! O preservativo (masculino ou feminino) continua mais na moda do que nunca: é o método mais eficaz para barrar vírus como o HIV e o da hepatite B e as bactérias por trás de sífilis, gonorreia e clamídia. E isso vale tanto para sexo vaginal como oral e anal.

    “Embora o jovem seja o principal grupo de risco, é preciso lembrar que ninguém está imune. Você pode ter 40, 50, 60 anos e pegar uma DST”, reforça Romero. Em caso de suspeita, a recomendação é procurar um posto de saúde para fazer o diagnóstico correto — o resultado de um teste para sífilis, por exemplo, sai em 30 minutos. Essa agilidade é bem-vinda porque o tratamento deve ser iniciado quanto antes.

    Diante de um laudo positivo, os parceiros ou parceiras também devem ser medicados, estando com sintomas ou não. “A terapia adequada inclui a dose certa e um tempo exato. Caso contrário, não produz o efeito esperado”, salienta Cláudia Jacyntho. Isso é crítico em relação aos antibióticos, receitados no contra-ataque às DSTs causadas por bactérias. Se não forem contidas, podem retaliar não apenas a região genital — até danos ao cérebro são documentados.

    Hoje, felizmente, se fala mais no combate à aids e ao HPV. A alta prevalência da clamídia — que lidera o ranking das DSTs no país, com 1,9 milhão de novos casos por ano — e a ascensão da sífilis pedem que o alerta se estenda a outros males ligados ao sexo desprotegido. Se você não ouviu falar nelas ultimamente, que dirá, então, de tricomoníase, donovanose e cancro mole? Todos esses nomes cabeludos são repelidos com informação, consciência e atitude.

    “As pessoas só se previnem contra o que conhecem. Por isso, as campanhas educativas precisam encontrar eco na sociedade”, diz a médica Tânia Vergara, da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Quando o assunto é DST, prevenção é sinônimo de preservativo”, declara. Eis um conselho sempre atual e que pode poupar muita gente de seguir o destino de Syphilis e seus companheiros reais de sofrimento.

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    Escassez de matéria-prima. Foi o que alegaram as autoridades brasileiras para explicar a crise no abastecimento da penicilina benzatina, antibiótico usado contra a sífilis. O remédio chegou a faltar em 60% dos estados. O ministério comprou um novo lote para distribuir aos postos em caráter emergencial, e o material já está sendo distribuído a fim de sanar o problema — e evitar suas sérias consequências.

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