Cenas de atletas e mesmo de amadores sofrendo um mal súbito durante o esporte sempre repercutem nos jornais. Elas levam a crer que o exercício pode ser perigoso e, portanto, exige testes prévios para a população em geral. Mas essa é só uma parte(zinha) da história. Para ter noção, um trabalho da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, observou apenas uma parada cardíaca a cada 184 mil corredores de maratona ou meia maratona – modalidades que, vale lembrar, demandam demais do corpo. “Episódios assim são raros. A atividade física é segura para a enorme maioria das pessoas”, diz Rodrigo Reis, presidente da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde.
É ancorado nesse conceito que o Colégio Americano de Medicina do Esporte atualizou suas diretrizes para a avaliação de pré-participação esportiva. “A requisição da triagem é uma possível barreira para alguém se tornar ou se manter ativo”, afirmam os autores. O medo dessa exigência, a preguiça de ir ao médico ou a falta de dinheiro prenderiam mais gente ao sofá. E aí mora o perigo. O manual revela que, se por um lado sujeitos ativos têm um risco duas vezes maior de infartar num treino intenso do que enquanto repousam, por outro a probabilidade de essa pane ocorrer a qualquer momento entre eles é 50 vezes menor do que nos sedentários. Segundo o guia, o checkup é obrigatório somente a indivíduos com alto risco de ver o coração pifar ao fazê-lo bater depressa.
A grande controvérsia envolvendo as orientações dos Estados Unidos reside na exclusão de certos fatores de risco do rol de critérios que cobram um parecer do doutor anterior à prática esportiva. Histórico familiar, colesterol alto e idade – entre outros – não seriam razão para fazer o checkup. “Embora seja vital que os profissionais investiguem tais condições em seus pacientes, elas não são boas em prever um evento adverso durante o exercício”, diz Deborah Riebe, principal autora da diretriz americana e cinesiologista da Universidade de Rhode Island. Basicamente, só o diabetes e as doenças renais, cardíacas e cerebrovasculares exigiriam atestado.
Entenda: Deborah e seus colegas reconhecem que ir ao médico e discutir medidas para lidar com eventuais problemas é sempre uma ótima atitude. Porém, salvo cenários específicos, os fatores de risco quase nunca determinam desfechos sérios ao longo da malhação. “É uma posição pragmática. Mas na avaliação clínica podemos identificar antecedentes pessoais ou familiares que merecem no mínimo orientações”, contrapõe o cardiologista Iran Castro, editor da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O ortopedista Lúcio Ernlund, presidente da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte, completa: “Na consulta, dá pra detectar questões que vão além do sistema cardiovascular, como alterações posturais ou uma artrite inicial”.
Agora, se durante ou logo após o esforço surgir tontura, dor no peito, palpitação ou outro sinal suspeito, é consenso que você deve parar imediatamente. “Quem sofre complicações sérias em geral manifesta sintomas dias ou semanas antes”, avisa Castro. Ficar atento ao corpo salva vidas. E nunca é demais lembrar: seguir aquelas velhas orientações, como começar devagar e evoluir aos poucos, bem como buscar apoio de um educador físico, ajuda a prevenir de pequenas lesões musculares a grandes repercussões cardíacas. O que se pede, acima de tudo, é bom senso.
O tripé da avaliação prévia
Os itens que, de acordo com a nova diretriz americana, definem quem obrigatoriamente precisa visitar o médico antes de malhar
1. Nível atual de atividade física
Várias pesquisas atestam que sedentários possuem um risco consideravelmente maior de tirar o coração do compasso durante uma sessão isolada de esforço extenuante do que o pessoal acostumado a se mexer. Para gente inativa e com determinadas doenças ou sintomas, o ideal é marcar uma consulta antes.
2. Intensidade desejada
O atleta é um ótimo exemplo: por levar o organismo ao limite, ele deve checar (e rechecar com o passar do tempo) se está tudo bem com seu peito. Na contramão, caminhadas e mesmo corridas leves quase nunca abalam o músculo cardíaco. Logo, só na presença de problemas graves é que mereceriam atenção redobrada.
3. Males metabólicos, renais ou vasculares
É o ponto mais polêmico. Com base em dados sobre a incidência de piripaques graves durante o exercício, o novo manual preconiza que somente diabetes, disfunções renais e alterações cardiovasculares reivindiquem uma triagem prévia do médico. Mas alguns profissionais pedem para incluir hipertensão, colesterol alto, histórico familiar e outros fatores.