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Mais de 15% dos brasileiros se sentem infelizes e deprimidos, diz pesquisa

Mulheres, jovens, desempregados e transsexuais estão com a saúde mental mais abalada do que a população em geral, sugere um novo indicador

Por Lucas Rocha
Atualizado em 4 ago 2023, 11h03 - Publicado em 4 ago 2023, 10h37
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Cuidado com a saúde mental amplia a qualidade de vida (Foto: Drazen Zigic/Freepik/Divulgação)
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Renda, situação profissional, orientação sexual, gênero e relações familiares são os fatores que mais influenciam a saúde mental dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa inédita divulgada nesta sexta-feira, 4.

O estudo, realizado pelo Instituto Cactus e pela Atlas Intel, contou com a participação de 2.248 indivíduos acima de 16 anos, de todas as regiões do país. Os participantes responderam questionários online entre janeiro e fevereiro de 2023.

Do total, 62% não usam serviços de apoio à saúde mental e só 5% fazem psicoterapia. Entretanto, cerca de 16% da população relatou estar tomando medicação para problemas emocionais, comportamentais ou relacionado ao uso de substâncias. A grande maioria (77,7%) faz esse uso há mais de um ano.

O trabalho apresenta um novo índice de saúde mental, o iCASM. É uma espécie de nota, que vai de zero a 1.000 pontos, considerando diversos aspectos que influenciam na saúde mental e na qualidade de vida de uma pessoa.

Em sua primeira edição, o resultado geral ficou em 635 pontos. Entre os públicos com piores notas, estão os desempregados (com 494 pontos), mulheres (600), jovens (534), pessoas trans (445) e gays (576).

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Método para medir a saúde mental

O novo indicador, batizado de Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental (iCASM), analisa aspectos, hábitos e situações da vida, como renda, nível de atividade física, relacionamentos interpessoais, entre outros.

Para calculá-lo, os especialistas aplicaram um questionário usado internacionalmente em avaliações de saúde mental, em uma amostra da sociedade considerada representativa.

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As respostas foram então agrupadas em três dimensões: confiança, vitalidade e foco.

Confiança reflete a autoestima e a segurança do indivíduo sobre seu papel na sociedade. Vitalidade diz respeito à disposição e à capacidade de ação para superar desafios e adversidades.

Por fim, foco consiste na habilidade de se relacionar com o entorno de forma produtiva: conseguir se concentrar, tomar decisões e realizar as atividades rotineiras.

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O novo índice considera uma escala que vai de zero a 1.000 pontos, sendo calculado a partir da média dos resultados obtidos em cada uma das três dimensões anteriores.

Por exemplo: um participante ou um segmento de avaliados que tenham recebido um resultado próximo a mil seria associado ao máximo de foco, vitalidade e confiança possível de se declarar no contexto do questionário de saúde geral.

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Na outra ponta, um indicador próximo a zero, por exemplo, descreveria um abalo muito significativo na saúde mental e na qualidade de vida.

A gerente-executiva do Instituto Cactus, Luciana Barrancos, explica que a nova metodologia permite um acompanhamento sistemático e global da saúde mental da população.

“O número representa um ponto de referência para acompanhar e comparar diferentes demografias e hábitos de vida ao longo do tempo. O iCASM não é um diagnóstico, não é um índice de felicidade e não substitui uma avaliação clínica. A ideia é usar esses três eixos para conseguir chegar a um número único, como o da inflação, por exemplo, que seja simples e fácil de entender”, diz Luciana.

Os pesquisadores estabeleceram estes primeiros resultados como o início de uma série histórica inédita, que será reproduzida a cada seis meses.

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Psicólogos e psiquiatras atuam no cuidado com a saúde mental de maneira complementar (Foto: Priscilla Du Preez/Unsplash/Divulgação)
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Brasileiros sob tensão

Em sua primeira edição, o resultado do iCASM ficou em 635 pontos para o 1º trimestre de 2023.

Em geral, os brasileiros se declaram confiantes, com 60% afirmando ter segurança em si mesmo. No entanto, uma parcela significativa da população relata ter perdido a confiança em si (17%) e até se considera uma pessoa inútil (17%).

Quase um quarto dos respondentes se sentem constantemente esgotado e sob pressão acima do costume. Um quinto deles (21%) perde o sono frequentemente e ter a sensação de que não podem superar suas dificuldades.

Enquanto isso, 17% disseram ter se sentido muito mais infeliz e deprimido do que usualmente. Um quarto dos participantes acima de 16 anos relatou perda de concentração nas semanas anteriores ao levantamento.

Indivíduos que afirmaram ter relações saudáveis com familiares e amigos se saíram melhor no índice. Por outro lado, aqueles que relataram brigas nas semanas anteriores à pesquisa tiveram uma das piores pontuações (370 pontos) entre todas as categorias analisadas.

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Outro fator observado foi a prática de esportes. O índice de quem não pratica atividade física ficou em 580, chegando até 722 para o grupo que se exercita três ou mais vezes por semana.

No recorte por faixa etária, os mais jovens têm pontuações mais baixas, sendo que os indivíduos até 24 anos apresentam um iCASM de 534 pontos, 105 pontos abaixo da média entre as faixas etárias.

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Desigualdade social

Quase 9 em cada 10 respondentes se preocuparam com a sua situação financeira ao longo das últimas duas semanas à pesquisa.

A análise mostrou ainda pontuações mais baixas entre desempregados (494 pontos), 186 pontos abaixo dos assalariados.

Da mesma forma, a renda fez diferença. Indivíduos com rendimentos acima de R$10 mil ao mês alcançam 737 pontos, enquanto aqueles que ganham até R$2 mil marcam 576 pontos.

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Questões de gênero e orientação sexual

Os homens tiveram um desempenho melhor do que o das mulheres no levantamento, com iCASM médio de 672 pontos, frente aos 600 pontos delas.

Contudo, a psicóloga Karen Scavacini, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), pontua que a comparação entre gêneros deve ser feita com cautela.

Segundo a especialista, os achados não necessariamente indicam que os homens tenham mais saúde mental, mas que, em grande parte dos casos, eles deixam de manifestar ou de buscar ajuda especializada devido a questões culturais.

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“O resultado pode apontar questões sobre o cuidado masculino com a saúde como um todo e também sobre a consciência do próprio sofrimento emocional”, diz Karen.

Por outro lado, a psicóloga enfatiza que a forma como a sociedade brasileira se estrutura favorece o desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, por mulheres.

“Os homens recebem salários maiores e não vivem a tripla jornada da mulher. Além disso, eles têm mais acesso a empregos e uma série de facilidades. São menos expostos à violência marital e têm uma menor consciência sobre a saúde mental”, afirma.

A opinião é compartilhada pelo diretor regional sudeste da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Eduardo Birman. “Por mais que nós tenhamos avançado muito na questão da igualdade de gênero, o Brasil ainda é um país de características bastante machistas”, afirma o psiquiatra, que também atua como diretor técnico na Clínica Revitalis.

“Mulheres tendem a ser mais sinceras quando falam das suas emoções e problemas. Os homens tentam resistir mais às questões psíquicas, achando que não devem compartilhá-las”, completa Birman.

O estudo apontou ainda que pessoas trans, gays e bissexuais apresentam pontuam menos em fatores ligados à qualidade de vida quando comparadas a indivíduos cisgêneros e heterossexuais.

O indicador da população trans ficou em 445 — um dos mais baixos entre todos os grupos demográficos — frente aos 638 pontos do grupo cis (que se identifica com o sexo designado no nascimento).

Os que se declaram heterossexuais alcançaram 665 pontos frente a 576 do grupo que se identifica como homossexual. Pessoas identificadas com outras orientações sexuais tiveram pontuações ainda mais baixas.

“Diversos fatores influenciam a saúde mental dessa população, como a violência, o espaço de trabalho, os relacionamentos sociais, o local de pertencimento dentro de uma sociedade e o acesso aos serviços de saúde, incluindo os de saúde mental”, diz Karen.

Só 5% fazem terapia

Chama a atenção dos especialistas o dado de que, apesar de 16% dos respondentes tomarem medicação psiquiátricas de uso contínuo, sendo a grande maioria há mais de um ano (77,7%), somente 5% relatem fazer fazer psicoterapia.

“O índice é baixo. Existe ainda na sociedade um preconceito sobre o sofrimento psíquico. A sociedade ainda olha para os profissionais de saúde mental como pessoas às quais só vamos recorrer se estivermos doentes, com fraqueza de caráter ou pouca força de vontade”, diz Birman.

+ Leia também: Nova era no combate à depressão

O psiquiatra destaca que os riscos do negligenciamento do cuidado com a saúde mental incluem o agravamento de condições que podem ser tratadas e o desenvolvimento de novos transtornos.

“Ninguém tem problema de fazer check-up clínico. Eu me pergunto por que as pessoas, em um momento de dificuldade emocional, não buscam uma avaliação para saber o que podem fazer para melhorar aquela situação antes que aconteça a doença em si”, afirma o psiquiatra.

Estudo contínuo

A expectativa dos pesquisadores é de que os dados sejam utilizados como referência para a formulação de políticas públicas em busca de melhorias para a área da saúde mental. E que os dados sejam atualizados com edições periódicas, permitindo o acompanhamento de longo prazo dos brasileiros.

“Desde o início do projeto, fiquei entusiasmado com a possibilidade de iniciarmos um monitoramento periódico, sistemático e exaustivo da saúde mental dos brasileiros, que possa ancorar políticas públicas e o trabalho das autoridades e do terceiro setor em dados e evidências científicas com atualização semestral”, diz Andrei Roman, CEO da AtlasIntel.

O estudo contou com a supervisão de um comitê científico independente e a aprovação de um comitê de ética.

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