Pesquisadores das universidades McGill, no Canadá, e de Oxford, na Inglaterra, associaram o uso de maconha na adolescência a um risco elevado de depressão e suicídio – de ideações a tentativas – na vida adulta. Como eles encontraram isso?
Ora, por meio de um método conhecido como revisão de estudos. Eles basicamente buscaram pesquisas no mundo todo que abordavam o tema e, a partir daí, compilaram os resultados das que tinham maior qualidade científica.
Essa revisão agrupou 11 estudos, que somaram 23 317 indivíduos – eles foram acompanhados da adolescência até, em média, os 32 anos. Alguns consumiam cannabis quando jovens, enquanto outros, não.
Após fechar os cálculos, os experts concluíram que o uso contínuo da droga nessa fase da vida foi ligado a uma possibilidade 37% maior de desenvolver depressão anos depois.
Além disso, o risco de essa turma ter ideações suicidas no futuro era 50% maior – e o de tentar se matar, 246%! Esse último dado é especialmente assustador.
Por outro lado, não foram encontradas alterações significativas na incidência de ansiedade.
Apesar da magnitude do trabalho, é importante lembrar que, como a maconha não é legalizada na maior parte do mundo, a quantidade usada por cada voluntário não pôde ser controlada pelos experts. Portanto, é impossível saber qual a frequência de consumo que afetaria negativamente o bem-estar mental.
Outro ponto a considerar é que as pesquisas incluídas firmam apenas uma associação – e não necessariamente uma relação de causa e efeito. Ou seja, será que o vício causa depressão e suicídio ou indivíduos que estão sofrendo psicologicamente buscam esse entorpecente para aliviar seu sofrimento? A revisão não bate o martelo sobre essa dúvida.
Ainda assim, o levantamento não perde a credibilidade, segundo o psicólogo Paulo Jannuzzi Cunha, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Todo estudo tem limitações, mas esse foi o que melhor conseguiu controlar os fatores mais importantes da questão do longo prazo. Comparado aos anteriores, é bastante consistente”, opina.
Andrea Cipriani, psiquiatra da Universidade de Oxford, que participou da pesquisa, acredita que seu trabalho contribui para a discussão sobre os efeitos da maconha. “Nossos achados sobre depressão e suicídio são muito relevantes para a prática clínica. O uso de maconha difundido entre as gerações jovens torna essa questão algo importante para a saúde pública”, afirma, em comunicado à imprensa.
Por que a maconha desencadearia depressão e suicídio
Como dissemos, não dá para cravar com todas as letras que maconha causa depressão ou suicídio. Contudo, de acordo com Paulo Jannuzzi Cunha, essa relação pode ser explicada pelo THC, um componente psicoativo presente na planta. “Ele é o mais associado à sensação de prazer quando se fuma”, afirma.
Cunha conta que a erva distribuída atualmente tende a ser bem mais concentrada em THC que na década de 1960. “São modificações genéticas que a tornam mais poderosa. Hoje, o ‘barato’ chega a ser dez vezes mais forte do que naquela época”, aponta.
Essa substância afeta o sistema de recompensa do cérebro, superativando-o. Isso leva a uma inundação de dopamina, uma molécula que gera prazer. O problema vem com o consumo regular…
“Esse sistema de recompensa passa a ficar preguiçoso e deixa de ser ativado por situações normais da vida, como tirar uma nota alta, conseguir uma promoção no trabalho ou desenvolver uma relação afetiva”, relata Cunha. Ou seja: os prazeres do cotidiano perdem espaço para o que é proporcionado pela cannabis.
Aos poucos, poucas atividades gerariam contentamento e o indivíduo buscaria apenas o prazer imediato proporcionado por essa droga (ou por outras). No fim das contas, o isolamento e a falta de fontes de alegria desencadearia a depressão e as tentativas de suicídio. “A pessoa só se dá conta quando perde tudo”, conclui o psicólogo.
Tudo isso seria potencializado pelo fato de que, na adolescência, o cérebro está em plena evolução. Resultado: fica mais vulnerável a eventuais alterações provocadas pelo THC.
“Infelizmente, a maconha ainda é vista como algo natural ou não prejudicial”, lamenta Cunha.
Agora, o especialista lembra que a pesquisa não investigou fatores que tornariam os usuários mais sujeitos aos efeitos deletérios da droga. “As relações genéticas ainda precisam ser melhor estudadas”, completa.
Maconha não aumenta ansiedade, mas…
Como dissemos, um ponto interessante da revisão é que não houve crescimento significativo do nível de ansiedade entre os consumidores da erva. Só que também não houve queda.
“Algumas pessoas tendem a pensar que ela é um tratamento contra a ansiedade, mas essa revisão indica que não. No plano momentâneo, ela até pode ajudar, só que os efeitos se perderiam no longo prazo”, finaliza Cunha.