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Entrevista: “Aprender a conversar é uma forma de aprender a pensar”

Em livro, estudioso mostra como as palavras moldam e mudam nossa visão sobre o mundo e sobre nós mesmos

Por Larissa Beani
20 out 2023, 14h26
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No livro "O poder das palavras", o neurocientista argentino Mariano Sigman explica o quão importante as conversas são para a nossa saúde mental e cognição (Carol Yepes/Getty Images)
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“Não nasci para os esportes.” O argentino Mariano Sigman acreditou nisso por décadas até que resolveu deixar de lado o trauma da derrota de uma competição de atletismo na infância e passou a se dedicar ao ciclismo. Deu certo!

Com o devido condicionamento físico, passou a sentir uma imensa satisfação a cada recorde pessoal conquistado.

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Como um estudioso da comunicação humana, Sigman passou a contemplar a influência das palavras naquilo em que acreditamos e em como nos comportamos.

O resultado de suas reflexões pode ser conferido no livro O Poder das Palavras: como transformar seu cérebro (e sua vida) conversando, recém-lançado pela Objetiva no Brasil.

Na obra, Sigman defende que a conversa é a melhor ferramenta para que evitemos cair em fake news — não apenas as políticas, mas aquelas sobre nós mesmos.

Em entrevista a VEJA SAÚDE, ele expõe por que o diálogo é essencial à saúde física e mental.

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VEJA SAÚDE: Segundo a neurociência, o que é essencial para uma boa conversa?

Mariano Sigman: Há vários fatores, como estar em grupos pequenos, em que todos falam e escutam uns aos outros e que haja muita vontade de aprender. Mas, resumidamente, o mais importante de tudo é a disposição.

As pessoas se dirigem umas às outras com distintas intenções. Elas podem querer confrontar, atacar, agredir, convencer ou ratificar o que pensam; ou, então, tentar entender o ponto de vista alheio.

É possível aproximar-se de uma conversa com amor por descobertas ou com o desejo de convencer. O primeiro funciona; o segundo não.

E, aí, uma ideia que emerge da neurociência é que aprender a conversar é, em última instância, uma forma de aprender a pensar — que, por sua vez, é uma forma de aprender a tomar melhores decisões e mudar o que precisamos em nossa vida.

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Essa maior flexibilidade que devemos ter ao lidar com o outro também deve ser aplicada a nós mesmos?

Sem dúvida. Nós somos os nossos próprios companheiros de viagem. Não há uma só pessoa que não converse consigo mesma. E muitas das nossas conversas internas podem ser ruminações, que espontaneamente nos levam a um lugar de muita autocrítica e exigência.

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A verdade é que temos uma visão muito pouco apreciativa das nossas experiências. É um hábito geral e que vale a pena mudar, porque passamos a vida toda conosco.

Ter boas conversas com pessoas próximas e abertas, compartilhando ideias, é um exercício para clarear nossas conversas internas.

De que forma esse trato com as palavras pode ajudar diretamente a nossa saúde?

Existem muitas evidências que mostram que as conversas têm um aspecto decisivo na nossa saúde. Aliás, a falta dessas interações nos leva a ter uma vida pior. É algo que literalmente pode nos adoecer.

O isolamento, a má comunicação e a falta de estímulos são fatores que podem desencadear quadros de ansiedade e depressão, por exemplo, além de comprometer habilidades cognitivas no longo prazo, como a memória.

As conversas, por outro lado, são a principal ferramenta de tratamento das psicoterapias. Pela fala, podemos enveredar pelas nossas emoções e expressá-las melhor, refletir sobre nossos comportamentos e deixar emergir questões do nosso inconsciente.

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Mariano Sigman é doutor em neurociência pela Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos (Acervo pessoal/Divulgação)

Hoje em dia, não dá para falar em comunicação sem citar as redes sociais. No livro, você tece algumas críticas ao uso delas. Afinal, são espaços adequados a boas conversas?

Não costumam ser — mas podem ser. É importante ter isso em conta. Por um lado, as redes sociais são ruins porque são tremendamente multitudinárias e permitem agressões verbais.

Se você se reúne para conversar sobre algo com 800 milhões de pessoas, é muito difícil chegar a um acordo sobre algo, ouvir os colegas, saber a hora de se posicionar ou fazer pausas.

Outra desvantagem é que suas estruturas são muito viciantes, elas não nos levam a um estado de investigação e aprendizagem, mas a um modo de ratificação dos nossos desejos. Esse tipo de troca não é saudável. Mas, novamente, não é impossível.

Tem gente que usa muito bem o Twitter [rebatizado de X], o Instagram ou o TikTok. Essas pessoas realmente estão nas redes com a intenção de descobrir coisas novas ou de compartilhar experiências e conhecimentos com quem esteja interessado.

Podemos encontrar mundos novos lá. Mas a maior parte do conteúdo que as próprias plataformas nos sugerem é um reforço do que já conhecemos e concordamos. E, mesmo que estejamos fartos, custa evitá-lo.

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Como reflexo do boom de informações que temos ao nosso dispor, a falta de concentração é uma reclamação comum. Como isso pode impactar nossa habilidade de nos comunicarmos?

A atenção é essencial nesse processo — e é um desafio até mesmo para a inteligência artificial.

O ChatGPT, que é uma ferramenta linguística bastante sofisticada, foi criado a partir de um artigo chamado Attention Is All You Need [Atenção é tudo o que você precisa, em português], publicado por pesquisadores do Google.

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No texto, os autores ressaltaram a importância de mecanismos de atenção para a melhoria do sistema. Prestar atenção em uma conversa inclui saber identificar o que está acontecendo e o que é importante para aqueles que fazem parte da discussão.

É como se a pessoa estivesse procurando ouro: você está no rio e, de repente, encontra uma pepita.

Aprender a conversar, tanto para a inteligência artificial quanto para a inteligência humana, significa conhecer aquele rio de pedras e encontrar as pepitas de ouro da conversa, onde estão as mensagens que realmente importam.

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O poder das palavras: Como transformar seu cérebro (e sua vida) conversando

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