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Depois do suicídio: o que fazer por aqueles que ficam

Tão importante quanto demonstrar apoio é saber o que dizer (ou não) diante da perda de alguém que tirou a própria vida

Por Lucas Rocha
Atualizado em 2 out 2023, 13h09 - Publicado em 30 set 2023, 09h05

A perda de uma pessoa querida para o suicídio pode ser devastadora. Aos que ficam, é comum que apareçam inúmeras dúvidas, além de sentimentos como dor, raiva e culpa.

De acordo com um estudo publicado no Public Health Reports, estima-se que 115 pessoas podem ser afetadas por um único suicídio, sendo que uma em cada cinco relatam que a experiência teve um impacto significativo ou causou grande perturbação.

Nesses casos, a vivência do luto pode ser ainda mais intensa. “É um luto no qual podemos esperar o sentimento de raiva da pessoa falecida ou por seu ato, de culpa por não ter percebido o risco ou impedido a morte, mas também de impotência. Quer seja no âmbito familiar e de pessoas próximas, quer seja no âmbito institucional, é adequado que a tragédia receba o olhar técnico especializado”, afirma a médica psiquiatra Sandra Peu, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Saber o que fazer e, principalmente, o que não dizer, é essencial para quem se disponibiliza ao acolhimento.

+ Leia também: Setembro Amarelo: mês de prevenção ao suicídio

O luto do suicídio é diferente

O processo de luto é natural, e se manifesta sobretudo na forma de tristeza profunda, desesperança e sentimento de que nada mais faz sentido.

Para algumas pessoas, a dor é tão marcante que os sinais podem ser sentidos fisicamente, com dores no corpo, cansaço, fraqueza e problemas para dormir.

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O isolamento, a busca ávida por lembranças e o consumo excessivo de álcool ou de medicamentos tranquilizantes são comportamentos comuns na busca por aplacar esse sentimento.

Os cinco estágios do luto, um conceito estruturado pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, incluem:

  1. negação: isolamento e a negação da morte
  2. raiva: desejo de lutar contra a morte
  3. barganha: tentativa de trocas e pensamentos como “é algo natural”
  4. depressão: tristeza profunda, melancolia e recolhimento
  5. aceitação: compreensão de todo o processo e dos fatos

No caso de uma perda por suicídio, esse processo pode ser ainda mais complexo, como destaca a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu.

“É muito comum surgirem sentimentos inóspitos, dentre eles, culpa, vergonha, sensação de abandono, rejeição, traição, impotência, solidão, raiva, tristeza, desespero, desamparo e desesperança. É como se estivéssemos no primeiro carro de uma montanha-russa que nem pedimos para estar”, afirma.

+ Leia também: Antes do suicídio: o que dizer e o não dizer para alguém em risco

Karina se tornou uma das referências em prevenção e posvenção do suicídio no Brasil. A escolha pela especialização na área teve como motivação a experiência familiar de inúmeras tentativas da mãe em tirar a própria vida (leia mais aqui).

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O luto é saudável, faz parte da vida, mas pode levar a complicações e se tornar patológico. Para evitar esse cenário, é preciso acolher e abrir espaço para o diálogo.

“Ter uma escuta respeitosa, encaminhar para serviços de psicoterapia e psiquiatria, grupos de apoios aos enlutados por suicídio e rodas de conversas são medidas para que as pessoas possam ter espaços de pertencimento e se relacionar com pares que estejam atravessando o luto”, diz a psicóloga.

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Apoio da família e dos amigos pode ajudar no processo de luto (Foto: rawpixel.com/Freepik/Divulgação)

O que pode ajudar

Para quem sofre, o primeiro passo é entender que a pessoa não se matou por sua causa ou por algo que alguém eventualmente tenha feito, falado ou deixado de fazer.

O suicídio tem diversas motivações, incluindo fatores psicológicos, econômicos e sociais. Em grande parte, envolve questões que estão alheias ao nosso controle, como transtornos mentais, dificuldades financeiras e discriminações sociais.

Além disso, por mais que existam indícios do comportamento suicida (veja mais aqui), é bastante difícil prever quando ele irá, de fato, acontecer.

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Compreender essas múltiplas faces do problema ajuda. Ter pessoas verdadeiramente presentes também.

“Muitas vezes, por não saber o que falar, os amigos se afastam. Aí, o enlutado acaba sofrendo duas perdas: uma do próprio ente querido, a outra pela falta de suporte social”, explica a psicóloga Luciana França Cescon, coordenadora de conteúdo do Instituto Vita Alere.

Você não precisa ter uma resposta ou saber exatamente o que dizer, mas permanecer por perto é muito importante.

+ Leia também: Documentário do GNT aborda suicídio sob a ótica “dos que ficam”

As instituições que lidam com a perda de alguém por suicídio também contam com um papel importante, como acrescenta a psiquiatra da ABP.

“O melhor é poder tratar do assunto de forma afetiva, porém técnica e sem juízo de valor. Não é necessário expor descrições de circunstâncias. É a oportunidade de falar sobre fatores de risco e de proteção, identificar quem passa por maior impacto de luto e direcionar para a abordagem de atendimento terapêutico indicado caso a caso”, diz Sandra.

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Atenção: o que não dizer

O tabu envolvendo o suicídio dificulta até mesmo a escolha das palavras por quem deseja prestar apoio.

Neste momento, tão importante quanto demonstrar solidariedade é saber o que não falar diante da morte de alguém que tirou a própria vida.

Devem ser evitadas manifestações de mera curiosidade ou opiniões que não contribuam positivamente. De maneira prática, evite dizer coisas como:

  • “Como ela se matou?”
  • “Quem encontrou o corpo?”
  • “Por que será que essa pessoa fez isso?”
  • “Você não percebeu nenhum sinal?”
  • “Agora essa pessoa deve estar sofrendo”
  • “Pessoas que se matam vão para o inferno”
  • “Pelo menos ela encontrou alívio”

“É importante evitar julgamentos e clichês que, na verdade, só trazem mais sofrimento para o enlutado que, muitas vezes, também se encontra perdido e com essas mesmas questões. Na dúvida, fique por perto, ofereça apoio e espere que a pessoa diga como ela vai se sentir ajudada”, diz Luciana.

A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu destaca a importância de filtrar o que se ouve (principalmente de pessoas inconvenientes), com o objetivo de se preservar. A quem busca acolher, ela recomenda:

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“Em vez de buscar explicações, demonstre compreender os sentimentos e compartilhe com a pessoa aquilo que viveu com o morto. E, no lugar de teorias sobre o luto, ofereça as vivências singulares daquele que morreu”, diz.

Entre as possibilidades, são sugeridas abordagens que mostram a disponibilidade, ao mesmo tempo em que se respeita o espaço do outro:

  • “Como posso te ajudar?”
  • “Do que você precisa neste momento?”
  • “Posso auxiliar com alguma coisa prática que precisa ser resolvida?”
  • “Posso comprar coisas que estiverem faltando em casa”
  • “Estou disponível para conversar, quando você se sentir à vontade”
  • “Posso voltar para uma visita?”

Compartilhamento de vivências

Entre os diversos grupos de apoio para acolher quem sofre de uma perda para o suicídio. Compartilhar experiências é valoroso.

“Existem histórias muito diferentes de pessoas que tiraram a própria vida e quem estava por perto nunca imaginou, assim como casos de pessoas que já tinham dado sinais e a família não conseguiu impedir, por que tem um limite do que a gente consegue fazer”, afirma Luciana.

Em geral, são iniciativas coordenadas por pessoas que também perderam parentes ou amigos, com a participação de especialistas em saúde mental.

A Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (Abrases) disponibiliza para consulta um guia dos grupos dividido pelas cinco regiões do Brasil, acesse.

Já o Instituto Vita Alere realiza reuniões pela internet. Para participar, é preciso preencher um formulário disponível online. O Instituto Sedes Sapientiae também conta com um grupo de apoio online com encontros nas últimas terças-feiras de cada mês, das 19h30 às 21h30, acesse o formulário.

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