Autismo: “Vejo mais diagnósticos equivocados do que nunca”
Uma das maiores autoridades no assunto desmistifica o que melhora a vida de quem tem a condição
“Vacinas e outras causas da epidemia de autismo”, “todo autista é superdotado”, “quem tem autismo não deve estudar em escolas normais”, “a cura para o autismo”…
Frases como essas vira e mexe são reproduzidas na internet e, em comum, perpetuam falácias ou inconsistências sobre essa condição do neurodesenvolvimento.
E, por mais que hoje o transtorno seja visto dentro de um espectro de acordo com a funcionalidade do indivíduo, é preciso se desvencilhar dos mitos e dos rótulos. Eis o que defende um dos maiores nomes no estudo do tema, o americano Barry Prizant.
Em seu livro recém-publicado, Humano à Sua Maneira (Edipro), o professor desconstrói noções equivocadas e apresenta um programa para nortear o suporte a pessoas com autismo e seus familiares. Uma abordagem baseada em pesquisa… e respeito.
Confira uma entrevista exclusiva com Prizant.
VEJA SAÚDE: Estamos vendo um aumento no diagnóstico de autismo, inclusive entre adultos? A que atribui esse fenômeno?
Barry Prizant: Essa é uma questão complexa.
O que ainda permanece sem resposta é se há um verdadeiro aumento na incidência de autismo ou se apenas estamos reconhecendo melhor a condição mais cedo ou em pessoas mais velhas que não foram diagnosticadas antes.
Estamos, de fato, atendendo mais adultos autodiagnosticados e percebendo que o autismo em mulheres muitas vezes não é identificado.
Mas também vejo mais diagnósticos equivocados do que nunca, quando crianças com outras condições de neurodesenvolvimento, como dificuldades de linguagem e aprendizado, distúrbios de processamento sensorial e TDAH, recebem um diagnóstico de autismo mesmo sem ter todos os critérios para o quadro.
O que torna tudo mais complicado é que muitas dessas condições também podem ocorrer simultaneamente ao autismo.
+ Leia também: A redescoberta do autismo
E existem fatores genéticos envolvidos, certo?
Estamos vendo que, com frequência, há um forte componente genético. Portanto, quando uma pessoa da família recebe o diagnóstico, olhamos com mais cuidado para os outros membros, incluindo irmãos e pais.
Sabemos que, dentro do espectro do autismo, há diversos graus de funcionalidade e comprometimento. Acha que faria sentido rever a classificação de um espectro tão amplo?
Durante décadas, os pesquisadores tentaram desenvolver subcategorias para o transtorno do espectro do autismo, com pouco sucesso em conduzir a abordagens educacionais e terapêuticas específicas.
A questão que permanece é se diferentes subcategorias levam a abordagens mais individualizadas. Em alguns casos, isso é óbvio, como entre aqueles indivíduos não falantes que precisam de sistemas de comunicação alternativos para se expressar.
Mas, até o momento, minha opinião é que as diferenças nos diagnósticos não levam necessariamente a estratégias específicas e apropriadas.
Na verdade, não há como ignorar que existem padrões de desenvolvimento únicos, com suas fortalezas e desafios, e a influência do estilo de vida da família e de outros fatores capazes de impactar a qualidade de vida daquele indivíduo.
Não podemos determinar algumas dessas prioridades educacionais e terapêuticas apenas a partir de uma categoria diagnóstica.
Em nosso programa educacional, a prioridade e os objetivos com os quais trabalhamos não são baseados em um rótulo ou subcategoria de diagnóstico, mas em uma análise cuidadosa dos pontos fortes e das necessidades de cada pessoa, em colaboração com a sua família.
E também é por isso que nos referimos aos indivíduos autistas como humanos à sua maneira, pois cada pessoa é tão diferente da outra mesmo compartilhando o diagnóstico de autismo.
Notamos um maior entendimento sobre o autismo em nossa sociedade. Mas o que precisa melhorar com urgência?
Embora a conscientização sobre o tema tenha aumentado significativamente e ouçamos coisas mais positivas sobre o potencial e as realizações das pessoas autistas, as famílias relatam que o maior estresse que experimentam vem das reações dos outros diante de seus filhos ou membros da família em público, assim como das oportunidades limitadas nas escolas e nos empregos.
Precisamos fazer um trabalho melhor no apoio a essas pessoas, aprendendo seus pontos fortes e, em seguida, educando o público sobre como uma pessoa autista pode contribuir de várias maneiras em ambientes educacionais e de trabalho e na sociedade em geral.
+ Assine VEJA SAÚDE a partir de R$12,90
É comum ver na internet promessas de cura do autismo. O que diria sobre elas?
É amplamente aceito que não há “cura” para o autismo.
Isso não quer dizer que não haja um tremendo potencial para ajudar uma criança ou um adulto com autismo a ter uma vida com qualidade.
Muitos autistas dizem que sua condição é parte essencial deles, incluindo seus pontos fortes e desafios, e não gostariam de ser curados. Muitos pais dizem o mesmo quando refletem sobre como sua vida ficou melhor de várias maneiras por ter um membro da família que é autista.
+ Leia também: Mercadores da cura
Sim, se uma pessoa tem desafios significativos devido ao autismo ou, como ocorre frequentemente, a condições de saúde física e mental concomitantes, precisamos fornecer tratamentos para reduzir qualquer sofrimento.
Agora, aqueles que comunicam por aí que podem “curar” o autismo precisam parar com essa falsa propaganda.
E, se são profissionais de saúde que estão falando, beira a negligência, haja vista o corpo de pesquisas publicadas a respeito. Simples e diretamente, isso precisa parar.
Barry M. Prizant é especialista em transtornos do neurodesenvolvimento, pesquisador e consultor de programas voltados ao autismo com mais de 50 anos de carreira