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Por que as telas nos fazem tão mal — e por que não conseguimos nos livrar delas?

A vida imersa em algoritmos já está mexendo com seus neurônios — e isso não é força de expressão. Saiba como administrar a dependência e os riscos

Por Larissa Beani Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 out 2025, 08h25
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Entenda por que as telas são tão viciantes e quais as consequências disso para o nosso cérebro (SvetaZi/Getty Images)
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Nem dólares nem euros. A moeda de troca mais importante em cotação neste século é outra: a sua atenção. E isso pode estar custando a saúde de todos nós. Foi o que o engenheiro de software Bruno Gurgel, de 37 anos, entendeu quando percebeu que seu tempo diante das telas tinha passado dos limites.

“Era uma vontade incontrolável de checar as redes sociais. Não conseguia produzir no trabalho, não fazia atividades ao ar livre e cheguei a pesar mais de 190 quilos por causa do meu comportamento sedentário”, relata o especialista em tecnologia, que passou por tratamento psiquiátrico para superar a dependência.

Os estragos causados ao corpo e à mente pelo uso excessivo de celulares e computadores não configuram, por si sós, uma doença. Ainda assim, não faltam testemunhas e evidências demonstrando que a relação entre humanos e máquinas já está longe de ser saudável.

“Não é necessário que haja um número no CID [Código Internacional de Doenças] ou que o comportamento seja tachado como patológico para que reflitamos sobre o uso dessas tecnologias e sobre como elas mesmas têm nos usado”, provoca o psicólogo Francisco Nogueira, do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.

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Por que é tão difícil sair das redes sociais?

Com vídeos vibrantes cada vez mais curtos e memes que cativam até quando não fazem o menor sentido, as redes sociais são o epicentro desse fenômeno preocupante, uma vez que oferecem uma combinação infinita de conteúdos que estimulam regiões do cérebro relacionadas à sensação de recompensa.

“Uma delas é o núcleo accumbens, responsável pela liberação de dopamina”, diz o psiquiatra Rodrigo Machado, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Muitos a chamam de “hormônio do prazer”, mas, na verdade, ela desperta o desejo na nossa mente.

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“Em testes com ratos, os níveis do neurotransmissor saltaram quando a comida aparece na frente deles, apontando que aquilo poderia ser recompensador e prazeroso”, elucida o especialista.

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Nossa atenção é a principal moeda de troca da atualidade (SvetaZi/Getty Images)

É como o nosso cérebro vê uma nova tendência na palma da mão: picos de dopamina pra lá e pra cá. Mas, com o tempo e a longa exposição aos conteúdos digitais, a forma como a cabeça lê esses estímulos muda. Ela se acostuma e não fica mais satisfeita como antes. Por isso, passamos mais tempo nas telas, à espera de que tenhamos um pico de dopamina tão poderoso quanto costumava ser.

“As redes sociais são produtos aprimorados continuamente para que nos mantenhamos dentro delas, por meio desses mecanismos que acontecem no cérebro captando nossa atenção”, observa Gurgel.

Após se recuperar da dependência digital, o engenheiro se dedicou aos estudos de psicologia e hoje está à frente da plataforma EquilibriON, promovendo palestras, workshops e retiros para estimular que as pessoas voltem a encontrar prazer na rotina offline.

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O desafio é grande: com a chegada da inteligência artificial, pesquisas já apontam novas mudanças na nossa forma de raciocinar, enquanto ainda patinamos para nos desconectar.

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Quanto tempo passamos em frente a telas?

Mais de nove horas por dia é o tempo que nós, brasileiros, passamos em frente às telas, segundo levantamento da consultoria Bain & Company. Durante quase quatro horas desse período, colocamos nossa atenção nas redes sociais: conferindo notícias, conversando com amigos ou apenas matando tempo curtindo o feed em busca de algo realmente interessante.

Se você, leitor, se identifica e não sente orgulho disso, não está sozinho.

Quando perguntados sobre quais atividades gostariam de reduzir em seu dia a dia, a principal resposta dada na pesquisa foi o tempo em redes sociais e streaming — 28% estão descontentes e querem mudar os hábitos. Entre os que estão enjoados das telas, 35% consideram que elas geram distrações, 28% percebem prejuízos à saúde mental e 18% sentem culpa por passarem tanto tempo hipnotizados diante do celular.

Deixar os aparelhos de lado, porém, é difícil, ainda mais com uma nova tentação que já entrou na rotina dos brasileiros.

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Ainda de acordo com o estudo, 62% dos brasileiros dizem estar familiarizados com as plataformas de inteligência artificial, sendo que 18% as utilizam com frequência.

A maioria usa ferramentas como o ChatGPT para agilizar atividades do dia a dia, no trabalho ou nos estudos, e praticamente metade acredita que os benefícios dos “robôs” superam eventuais riscos. Mas alguns estudos recentes vão na contramão dessa premissa.

+ Leia também: Homem tem doença rara após mudança de dieta sugerida pelo ChatGPT

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Dados levantados pela consultoria Bain & Company sobre o uso de telas (Laura Luduvig/Veja Saúde)

Cérebro preguiçoso?

Uma pesquisa realizada por cientistas do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, deu uma missão a 54 universitários: escrever um texto.

Os jovens foram divididos em três grupos: os que podiam usar apenas o ChatGPT para produzir o conteúdo, os que podiam “dar um Google” e buscar conteúdos da forma como já estamos acostumados, e os que não podiam consultar nada, apenas usar o bom e velho cérebro.

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Todos os estudantes realizaram a tarefa enquanto usavam eletrodos no couro cabeludo para que os pesquisadores avaliassem a atividade cerebral durante a tarefa.

Após análise dos dados coletados, foi observado que aqueles que utilizaram apenas a ferramenta de IA generativa tiveram menor engajamento cognitivo e fizeram conexões neuronais mais fracas.

Mais de 80% dos estudantes, por exemplo, não conseguiram citar uma frase sequer do texto que haviam acabado de produzir, porque as informações não foram devidamente guardadas na massa cinzenta.

“Nós até conseguimos abstrair informações desses formatos acelerados de produção de conteúdo, mas nada comparado ao ritmo do processo de ensino e aprendizagem tradicional, que permite que tenhamos mais tempo para elaborar o conteúdo e formar memórias”, explica o neurocientista Fernando Gomes, professor da Faculdade de Medicina da USP e do HCX.

O mesmo vale para o hábito de assistir a vídeos ou ouvir áudios de forma acelerada no WhatsApp. Para o médico, essa corrida por funcionalidades cada vez mais rápidas é uma “tentativa desesperada de aumentar a produção”, sem que, necessariamente, haja um ganho real para a cognição humana.

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Estudos recentes, inclusive, têm apontado que o quociente de inteligência (QI) humano não vem evoluindo tanto quanto o esperado. “Possivelmente, estamos vivendo uma reversão do efeito Flynn, que preconizava que uma geração sempre terá um desempenho cognitivo melhor do que a anterior”, analisa Machado.

“Focar em melhores níveis educacionais e acesso à saúde e à nutrição de qualidade parece ser mais determinante para o nosso cérebro”, avalia o psiquiatra. Isto é, o pacote básico ainda supera a existência turbinada com inteligência artificial. Sem contar os burburinhos que essas tecnologias já estão provocando.

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IA, colega de trabalho?

Além de esses recursos serem usados para a fabricação em massa de desinformação, o que indiretamente afeta o bem-estar da população, sua onipresença vem sendo associada a relatos de ansiedade, isolamento social e, pasme, alucinações. Tem mais: segundo o inquérito da Bain, quatro em cada dez pessoas temem perder o emprego para a IA.

“É impossível negar o impacto emocional de ver uma função, que muitas vezes é fonte de identidade e dignidade, ser substituída por um algoritmo. Isso gera medo, insegurança e até uma espécie de luto”, diz o psicólogo Leonardo Abrahão, criador da campanha Janeiro Branco, voltada à saúde mental. “Precisamos criar espaços de diálogo sobre o futuro.” 

A verdade é que ferramentas que vieram para ajudar muitas vezes atrapalham — na vida pessoal e nos escritórios também. “A tecnologia, em vez de gerar autonomia, tem estendido o expediente indefinidamente, impedindo que as pessoas relaxem de fato nas horas de lazer”, critica Luis Gonzalez, CEO e cofundador da Vidalink, empresa de planos de bem-estar corporativo.

O que deveria simplificar acaba se tornando fonte de ruído e ansiedade. O uso de WhatsApp e chats instantâneos, por exemplo, cria a expectativa de resposta quase imediata, e muitos líderes ainda reforçam esse padrão.”

De acordo com levantamento feito pela Vidalink, trabalhadores da geração Z — nascidos entre 1996 e 2010 — são os mais conectados e também os que estão tomando mais medicamentos controlados. Em 2024, os colaboradores nessa faixa etária apresentaram um aumento de 6,6% no volume de consumo de antidepressivos e ansiolíticos prescritos, a maior taxa entre todas as idades.

“Eles vivem o dilema de estruturar a carreira em meio à automação, à inteligência artificial e a mudanças rápidas. Isso acarreta frustração e ansiedade”, afirma Gonzalez. E nem os profissionais de saúde escapam da ameaça das IAs.

+ Leia também: Inteligência artificial na saúde: ganhos ou perdas?

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Condições relacionadas ao uso excessivo de telas (SvetaZi/Getty Images)

Chat terapeuta?

Esses trabalhadores também têm sido “substituídos” pela tecnologia conforme os usuários veem na ferramenta uma forma de fazer autodiagnósticos e até de compartilhar suas experiências e dilemas pessoais, trocando confidências com máquinas. Em julho, o Conselho Federal de Psicologia publicou uma nota de posicionamento sobre os impactos da tecnologia na área.

“Reforçamos que, embora a IA possa gerar conteúdos com agilidade e oferecer apoio a diversas tarefas, sua aplicação exige supervisão e discernimento humanos”, orienta a entidade.

Além disso, a inteligência artificial não substitui a experiência de passar por sessões de psicoterapia. “Na interação com essas ferramentas, não há um processo reflexivo no qual o paciente possa estar imerso. As IAs têm a tendência de formular respostas que reforçam crenças e expectativas do usuário, ou seja, são feitas para agradá-lo, não ajudá-lo”, diz Nogueira.

Ao bater na tecla das ideias do usuário, a ferramenta também pode reiterar delusões ou gerar gatilhos para alucinações entre quem já tem predisposição a esses sintomas.

Em um experimento do King’s College London, na Inglaterra, 17 pessoas foram acompanhadas após demonstrarem estar fora da realidade após imersões em conversas com assistentes de IA.

Os pesquisadores não estabelecem o uso das ferramentas como causa das crises, mas ressaltam que é “de suma importância e urgente” estudar a relação dessas tecnologias com a saúde mental humana. Alucinante, não?

“Não devemos negar o uso dessas tecnologias, mas é crítico que as pessoas tenham acesso a elas com segurança”, interpreta Nogueira, que também é colunista de VEJA SAÚDE.

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Menos tela, mais toque

O uso de smartphones, redes sociais e inteligência artificial é uma realidade da qual não conseguimos escapar.

O desafio é, então, fazer um uso mais consciente desses instrumentos, e, para isso, muitos especialistas defendem que é preciso criar políticas públicas e pressionar as empresas por trás dos algoritmos para que elas se responsabilizam pelo impacto na saúde dos usuários, além de criar mecanismos que os ajudem a controlar a experiência e o tempo nas plataformas.

No Brasil, a regulamentação das redes sociais é uma pauta em discussão, e, recentemente, o governo publicou uma cartilha de orientações sobre o uso de telas por crianças e adolescentes, embasada no que entidades médicas têm alertado sobre o efeito dessas ferramentas no desenvolvimento infantojuvenil.

Para os pequenos, não é recomendado o contato com telas até os 2 anos de idade — exceto se utilizarem para participar de videochamadas supervisionadas com familiares e ações educativas. A recomendação que se estende a todas as idades é: busque se conectar mais à vida real — às pessoas, à natureza, à arte, aos bichos…

“Tudo aquilo que nos conecta ao nosso lado mais animalesco, mais biológico, nos ajuda a sair do transe provocado pelas telas”, propõe Gomes. “Eu diria que é uma excelente troca, porque essas atividades, sim, merecem nossa atenção.” Palavras da neurociência.

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5 motivos para fazer um detox digital

Especialistas recomendam que passemos mais tempo curtindo a vida real

Resguardar a mente

Estudos apontam maiores taxas de depressão e ansiedade entre aqueles que ficam mais tempo em frente às telas — e em todas as faixas etárias.

Recuperar o foco

É preciso reacostumar o cérebro a ter atenção contínua. Para isso, convém eliminar distrações e estimular um olhar mais contemplativo.

Cuidar da privacidade

Revisar as configurações das redes sociais e diminuir a presença online são formas de saber como seus dados estão sendo usados pelas plataformas.

Melhorar o sono

Uma hora de exposição a telas pode aumentar em 59% as chances de sofrer com insônia e ainda diminuir em quase meia hora o seu tempo de sono.

Estreitar relações

As redes sociais nem sempre conectam as pessoas. Na verdade, muitas vezes as afastam. O olho no olho é a melhor forma de conhecer alguém.

 

Texto: Larissa Beani | Design: Laura Luduvig | Ilustrações: SvetaZi/Getty Images

 

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