Recentemente, artigos publicados nos periódicos científicos mBio e Science sugerem que a vacina tríplice viral (para prevenir sarampo, caxumba e rubéola) e o imunizante oral contra a poliomielite (conhecida como paralisia infantil) reduziriam o risco de infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) ou atenuariam seus sintomas.
A tese defendida pelos autores decorre do fato de que ambas as vacinas também instigam a chamada imunidade inata. Isso significa que, além de estimularem a produção de anticorpos específicos contra as doenças para as quais foram desenhadas originalmente, elas fomentam a atividade de células de defesa do organismo mais genéricas, que podem atacar diferentes agentes infecciosos.
“Esse evento é conhecido como efeito inesperado. A vacina acaba protegendo contra vários quadros virais respiratórios. Daí vem a ideia de que elas poderiam fazer o mesmo com a Covid-19”, raciocina o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
O especialista explica que isso se deve ao fato de que as duas vacinas citadas são feitas com vírus atenuados. Em outras palavras, eles até estão ativos, mas muito enfraquecidos, para que não causem estragos no corpo. A lógica, aliás, também vale para a injeção contra a tuberculose (BCG), outra que foi aventada como possível aliada no enfrentamento dessa pandemia.
Estudos anteriores citados no artigo publicado na revista Science revelam que a pólio oral — a famosa gotinha — está associada à redução de mortalidade por gripe, por exemplo. Já a tríplice viral levaria a uma menor taxa de mortalidade geral em crianças. A questão é saber se isso também vale para o Sars-CoV-2 e, se sim, quando elas teriam que ser aplicadas para conferir alguma proteção.
Vacina para pólio e sarampo previnem o novo coronavírus?
No artigo da mBio, os cientistas trazem dois pontos pra lá de preliminares que justificariam a hipótese de que a tríplice viral acarretaria algum grau de proteção contra o Sars-CoV-2. O primeiro é o de que, entre 955 recrutas da Marinha dos Estados Unidos que testaram positivo para o agente infeccioso, apenas um foi hospitalizado — os outros, quando apresentavam os sintomas, manifestavam-no de forma leve. Acontece que, ao entrar na Marinha, todo americano recebe uma dose dessa vacina.
Além disso, os autores argumentam que as crianças infectadas em geral sofrem menos com a Covid-19. Talvez, e só talvez, isso decorra do fato de que tomaram essa vacina mais recentemente, quando comparadas a adultos.
Já os estudiosos por trás do artigo da Science se baseiam na relativa semelhança genética do Sars-CoV-2 e do vírus da poliomielite. Então, seria possível que a vacina oral contra a paralisia infantil ative um mecanismo de imunidade inata do organismo que responda a essas duas ameaças, atenuando a gravidade da Covid-19.
No entanto, essas são meras hipóteses. Temos pesquisas em andamento avaliando o efeito dessas vacinas diretamente contra o coronavírus em vários lugares do mundo. “Mas, até o momento, não há evidências científicas de que elas levem a qualquer proteção para a Covid-19”, pontua Cunha.
O pediatra afirma que as recomendações do Ministério da Saúde para a aplicação desses imunizantes continuam iguais:
● Tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola): uma dose no primeiro ano de vida e mais uma ao completar 1 anos e 3 meses. Crianças em situação de perigo, como cenário de surto ou exposição domiciliar, devem receber ainda uma dose zero a partir dos 6 meses de idade.
● Poliomielite: são aplicadas primeiramente três doses da versão inativada aos 2, 4 e 6 meses. Aí, é preciso receber um reforço da gotinha com 1 ano e 3 meses e outro entre os 4 e 6 anos.
“Devemos ter muito cuidado para não corrermos o risco de as pessoas procurarem essas vacinas pensando que vão se salvar do novo coronavírus”, alerta o presidente da SBIm. Isso inclusive geraria uma sensação de falsa segurança.
Até termos os resultados de pesquisas rigorosas, as medidas de prevenção comprovadamente eficazes são lavar constantemente as mãos e evitar levá-las aos olhos, nariz e boca, manter o distanciamento social e usar máscara ao sair de casa.
Ah, e um recado final. Cunha lembra que o Brasil vive um surto de sarampo. Ainda que não haja comprovação de que a tríplice viral protege do Sars-CoV-2, é fundamental manter a caderneta de vacinação em dia. Afinal, ninguém merece sofrer com uma pandemia.