Com a pandemia, passamos a falar muito sobre os imunocomprometidos, indivíduos cujo sistema imune não funciona como deveria. Eles são considerados grupos de risco porque têm maior probabilidade de desenvolver formas graves da Covid-19 e, portanto, são prioridade na vacinação. Para ter ideia, é para esse pessoal que se indica, hoje, a quarta dose do imunizante, além dos idosos.
Em linhas gerais, o público é dividido em dois principais grupos.
Um deles é formado por quem nasce com um problema genético que afeta o sistema imunológico. A condição pode se manifestar ainda na infância ou ser descoberta já na fase adulta.
“São mais de 400 doenças desse tipo. Podemos citar a mais comum e benigna delas, a deficiência seletiva de imunoglobulina, e a mais preocupante, a imunodeficiência combinada grave, em que dificilmente a criança sobrevive até o primeiro ano de vida”, ensina Ekaterini Simões Goudouris, médica alergista, coordenadora do Departamento Científico de Imunodeficiência da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).
O outro grupo inclui quem acaba desenvolvendo doenças graves ou crônicas, que abalam o sistema de defesa. “Um alcoólatra ou uma pessoa com diabetes entram nessa lista, porque seu organismo é mais frágil. Portanto, eles têm maior probabilidade de enfrentar infecções graves, que ainda podem deixar sequelas”, explica Ekaterini.
Portadores de HIV também se encaixam aqui, porque o vírus se instala nas células de defesa do corpo e, se não controlado com medicamentos, compromete a imunidade.
Nessa turma entram ainda aqueles que tomam medicamentos que afetam o sistema de defesas. É o caso dos portadores de doenças autoimunes, como o lúpus. “Esse males ocorrem quando o próprio sistema imunológico se volta contra o organismo. Então o tratamento é feito com medicamentos que suprimem o processo de defesas”, explica a alergista.
Pacientes com câncer são outro exemplo, já que os tratamentos utilizados para combater o tumor costumam debilitar a imunidade.
Os transplantados, por sua vez, precisam tomar medicamentos imunossupressores pelo resto de suas vidas. “Ao receber o órgão, o corpo pode entendê-lo como um organismo estranho e passa a atacá-lo. Para tentar evitar que isso ocorra, é preciso utilizar esse tipo de remédio”, esclarece Ekaterini.
Todo imunocomprometido terá Covid grave?
Como explicado acima, a lista dessas condições é bastante ampla. Já que não é possível identificar a situação real do sistema de defesa de cada indivíduo, é preciso agir na prevenção.
Portanto, por precaução, todos são considerados do grupo de risco para o agravamento de algumas infecções e doenças, como a Covid-19.
“Nosso sistema imunológico funciona por vários braços, por isso é tão efetivo. Se uma parte dele não combate o vírus, outra entra em ação. Contudo, pessoas nessas condições podem ter respostas parciais nessas camadas ou ainda não ter nenhuma produção de anticorpos”, esclarece a infectologista Giovanna Sapienza, do Centro de Prevenção Meniá e dos hospitais Santa Isabel e Hospital São Luís – Unidade Morumbi.
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Ou seja, é possível que um imunocomprometido não responda tão bem à vacina ou adoeça de forma grave se infectado, mas isso não é uma regra.
“Há casos de pessoas com diabetes ou hipertensas que pegaram Covid e só tiveram sintomas leves. Desse modo, não dá para dizer que todos esses indivíduos passarão pelo pior estágio da doença provocada pelo Sars-CoV-2”, lembra a alergista.
A infectologista dá mais um exemplo. “Um paciente com o vírus HIV que faz tratamento pode ter um risco menor do que alguém em processo de quimioterapia contra uma leucemia, que ataca diversos tipos de células e deixa o corpo extremamente frágil”.
E os idosos?
A história muda quando se fala de quem tem mais de 60. Essa turma sofre de um processo chamado de imunossenescência.
“Independentemente do estilo de vida de cada um, a imunidade cai com a idade. Claro que as pessoas que se cuidam mais podem ter anticorpos mais eficientes, mas não é possível impedir essa queda, que é parte natural do envelhecimento”, explica Giovanna.
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Quarta dose é para o grupo todo?
O Ministério da Saúde liberou a quarta dose da vacina contra a Covid primeiramente para os indivíduos com um grau mais elevado de imunossupressão, como pessoas em tratamento contra o câncer, indivíduos que façam hemodiálise, pacientes com HIV e transplantados. Ontem, os idosos acima de 80 anos foram liberados para tomar essa dose extra.
Assim, pessoas com diabetes, por exemplo, ficaram de fora desse esquema. A leitura feita é que, dentro dos grupos de pessoas com o sistema imune comprometido, algumas apresentam mais risco de ter baixa resposta vacinal, com menor produção de anticorpos.
“Não há dúvida de que todo o grupo de imunocomprometidos deveria ter acesso à vacina. Até porque não existe um único parâmetro científico para decidir se é preciso ou não tomar a quarta dose. A produção de anticorpos é apenas um deles”, analisa Gustavo Cabral, imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
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Só a Covid preocupa?
Esses grupos se tornaram foco prioritário de atenção na pandemia porque falamos de uma doença viral. “De um modo bem geral, as imunodeficiências acabam sendo mais graves nas infecções por vírus, para as quais há poucas opções de tratamento. As doenças bacterianas já são bem combatidas por antibióticos”, lembra Giovanna.
Como as vacinas contra a Covid podem ser menos eficazes nessas pessoas, é importante que surjam novos medicamentos para tratamento e prevenção. Além dos antivirais, que ainda estão em processo de aprovação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso emergencial do Evusheld, da AstraZeneca, contra a Covid-19.
A combinação de anticorpos monoclonais cilgavimabe e tixagevimabe é indicada para eventos de pré-exposição. Contudo, por se tratar de medicamentos de custo elevado, eles devem ser usados de forma bastante pontual.
“É mais uma ferramenta para pessoas que tiveram contato com alguém infectado e fazem parte do grupo de risco. Elas tomam o remédio para estimular o sistema imunológico e tentar evitar o desenvolvimento de um quadro grave da Covid, caso infectadas”, nota Ekaterine. Existem outros anticorpos monoclonais já aprovados para o tratamento da infecção.