Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Por que não existe remédio para dengue? “Não é um problema científico”

Diretor de entidade dedicada às doenças negligenciadas discute avanços e desafios no combate à infecção que está se espalhando mundo afora

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 12 ago 2024, 14h15 - Publicado em 6 ago 2024, 16h32
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Com as mudanças climáticas, doenças antes restritas aos países subdesenvolvidos estão chegando ao “primeiro mundo”. O principal exemplo é a dengue, que agora preocupa a Europa e os Estados Unidos.

    Por um lado, a situação preocupa. Por outro, a expansão pode acelerar a busca por remédios e vacinas mais eficientes contra enfermidades conhecidas há décadas, mas que não recebiam a atenção devida da comunidade internacional.

    Essa é a visão do médico Luis Pizarro, diretor executivo da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), projeto criado pela organização não-governamental Médicos sem Fronteiras.

    Em entrevista exclusiva à VEJA SAÚDE, o franco-chileno compartilha seus insights depois de uma agenda intensa de compromissos com autoridades brasileiras. Confira!

    VEJA SAÚDE: Qual foi o foco da sua agenda no Brasil?

    Luis Pizarro: Nosso parceiro principal no país é a Fiocruz, então primeiro tivemos uma reunião sobre nossa aliança estratégica. Conversamos sobre como avançar nos estudos sobre enfermidades importantes no Brasil, como dengue, Chagas, leishmaniose e hepatite C.

    Além do progresso científico, discutimos a esfera política, sobre como avançar pelo continente e promover uma cooperação global para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos.

    Também participamos de uma cúpula para preparação de pandemias e fomos à Brasília conversar com os ministérios da Saúde e o de Ciência, Inovação e Tecnologia, pois o governo tem uma agenda importante nessas pastas, que nós apoiamos. O Brasil é uma referência e pode ser um ator chave para uma saúde global mais equitativa.

    Continua após a publicidade

    Muito se fala sobre a importância de desenvolver novos medicamentos e vacinas sem depender das grandes indústrias farmacêuticas. Mas como conseguir isso? Em que pé estamos?

    Para nós, é muito importante que os governos invistam dinheiro público para pesquisa e desenvolvimento, e que tenham regras que melhorem o acesso.

    Isso não existiu com o coronavírus. Pelo contrário, a pandemia de Covid mostrou as terríveis desigualdades no acesso às vacinas, tratamentos e diagnóstico. Os países ricos investiram dinheiro em soluções e as indústrias fizeram o que queriam.

    Mas não podemos ser maniqueístas e achar que há dois lados, países ricos e pobres. Primeiro, as pandemias e epidemias não têm fronteira. Segundo, nem todos os países e nem todas as indústrias são iguais: alguns colaboram mais, outros menos.

    O Brasil é um exemplo mundial, porque tem parcerias público-privadas interessantes e empresas como Farmanguinhos e Butantan, que conseguem desenvolver e entregar remédios e medicamentos à população. Apoiamos que esse modelo seja replicado em outras regiões da América Latina e na África.

    Na DNDi temos a possibilidade de trabalhar com todas essas pontas. A ciência tem que ser um bem comum e compartilhado para enfrentar pandemias. Sou otimista, e penso que vamos avançando degrau por degrau.

    Continua após a publicidade
    Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsApp

    Como as mudanças climáticas devem impactar a transmissão de doenças infecciosas nos próximos anos?

    Eu vivi no Níger [país da África Ocidental] e em outros países da região por quatro anos. Ali, há temperaturas acima de 50 graus de maneira cada vez mais constante, é impossível cultivar alimentos, ter animais de criação, etc.

    Creio que será muito difícil continuar vivendo nesses locais. As emigrações vão aumentar, não só lá, e essa é uma primeira consequência epidemiológica, pois dissemina vírus e bactérias até então de circulação restrita.

    Outro ponto é que os mosquitos que transmitem doenças estão se disseminando pelo mundo. No Chile, não pensávamos em dengue, e agora temos o primeiro caso registrado. Ela também chegou na Argentina, no Peru, nos EUA.

    Ou seja, há uma modificação do mapa da infecção. O efeito positivo é que todos passam a se sentir mais responsáveis por isso, porque mais gente vai pensar: “Bom, isso pode me afetar também”.

    Continua após a publicidade

    A dengue é considerada uma doença negligenciada?

    Sim, ela está na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto. Ela é negligenciada do ponto de vista científico. Remédios contra a Covid foram desenvolvidos rapidamente, enquanto a dengue é conhecida há mais de 40 anos e não temos tratamento para ela.

    Nosso papel é mudar esse cenário, mas também trabalhar para que a população em países mais pobres tenha acesso aos avanços terapêuticos. É sempre bom lembrar que não são apenas doenças negligenciadas, são pessoas negligenciadas.

    Em que etapa estamos no processo de desenvolvimento de um medicamento contra a dengue?

    Nos interessa encontrar um tratamento para os casos mais severos, que precisam de hospitalização. Agora estamos em uma etapa intermediária. Laboratórios já propuseram moléculas que deram resultados animadores, e boa parte deles já está na fase 2 das pesquisas em humanos [estudos com um número pequeno de voluntários, para verificar segurança e começar a medir eficácia].

    Há medicamentos em potencial sendo desenvolvidos em vários países, e agora vem a parte difícil, que é confirmar esse efeito em testes de fase 3, com mais pessoas, que exigem mais investimento.

    + Leia também: Como interpretar um estudo científico?

    Continua após a publicidade

    Precisamos de uma colaboração global para tornar o combate a dengue uma prioridade. No G20 – que reúne as 20 nações mais ricas do mundo – há uma proposta para fazer uma aliança internacional nesse sentido. Todos os países do grupo deveriam apoiar a iniciativa em larga escala, porque só a vacina não é o suficiente para conter a epidemia da doença.

    Quando devemos ter um destes remédios disponível para a população?

    Na DNDi, trabalharemos para ter os estudos de fase 3 já em 2025. E, em dois ou três anos, concluir esses estudos. Precisamos fazer tudo o mais rápido possível, pois as moléculas já existem e muitos países estão cientes desse problema.

    Não podemos esperar mais do que três ou quatro anos para ter um medicamento contra a dengue.

    Quais são os principais desafios nesse processo?

    Sejamos muito honestos. A indústria farmacêutica hoje, é muito eficaz quando se trata de desenvolver medicamentos inovadores contra doenças muito complexas, como o câncer ou doenças autoimunes.

    Na pandemia de Covid, a tecnologia de RNA se desenvolveu em muito pouco tempo. Quando existe boa vontade econômica e política, as coisas são feitas. O problema é que doenças infecciosas não interessam tanto a indústria.

    Continua após a publicidade

    Não é um problema técnico nem científico, é de motivação. Então temos que alcançar um bom equilíbrio entre público e privado. Os governos devem investir nesse tipo de investigação, mas a indústria também deve ser parte da solução. Ela tem a responsabilidade social de contribuir com esse esforço coletivo.

    Compartilhe essa matéria via:
    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY
    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 10,99/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.