O tipo de sangue afeta, sim, a saúde
Não é só na hora de uma transfusão que o grupo sanguíneo faz a diferença. A ciência desvenda que ele protege você contra certos males - e o expõe a outros
Em 2001, o cirurgião vascular Francisco José Osse foi para a Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, estudar mais a fundo a chamada trombose venosa, em que um coágulo entope uma veia, causando inchaço, feridas e dificuldades de movimentação nas pernas. Um dia, ao entrar no ambulatório da faculdade em que realizava seu trabalho, o brasileiro se deparou com seis pacientes acometidos pelo problema. “Por curiosidade, perguntei ao primeiro qual seu tipo de sangue. Ele disse A+. Eu me encaminhei ao segundo e a resposta foi igual. Quando o terceiro falou a mesma coisa, desconfiei que aquilo não era apenas coincidência”, lembra-se o hoje diretor do Centro Endovascular de São Paulo.
De lá para cá, o especialista vem anotando a classe sanguínea de muitos outros indivíduos com o distúrbio – e os dados colhidos são irrefutáveis. Além de relacionado a mais casos de trombose venosa, o grupo A+ associa-se a quadros severos dessa doença. A partir daí, o médico resolveu descobrir o motivo por trás da evidência. “Portadores do A+ tendem a possuir índices elevados de fator VIII, uma molécula coagulante”, observa Osse. Ou seja, esses sujeitos estariam propensos aos perigosos trombos. Para piorar, ao menos em tese o coágulo também poderia bloquear uma artéria que irriga o coração. “Por isso acredito que detentores de A+ também sofrem com uma maior suscetibilidade de se tornarem vítimas de um infarto”, argumenta Osse.
Mas por que o sangue A+ seria, digamos, naturalmente viscoso? “Talvez partes do DNA que definem a que tipo pertencemos também provoquem esse efeito adverso”, especula Lilian Castilho, bióloga do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista.
Cada um, cada um
Desde os anos 1950, cientistas sugerem que o sangue influi no aparecimento de cânceres gástricos. O epidemiologista Gustav Edgren, do sueco Instituto Karolinska, resolveu tirar isso a limpo. Após investigar dados de mais de 1 milhão de doadores, ele conclui: “O grupo A realmente parece predisposto a desenvolver esse mal”.
A justificativa estaria, de novo, na genética. Porém, antes de tachar a primeira letra do alfabeto como sinônimo de azar, observe o que a bióloga Lilian Castilho acrescenta: “Existe um vínculo entre o H. pylori e o surgimento de úlceras que propiciam tumores gastrointestinais. E há evidências de que o tipo O está mais sujeito a infecções por essa bactéria”.
Aliás, um dos temas muito estudados dentro desse assunto é justamente o possível impacto da classe de sangue na colonização de micróbios. Explica-se: como você perceberá nas próximas páginas, o A, o B e o AB possuem moléculas específicas na superfície de suas células. “E determinados parasitas se ligam a essas estruturas. É o caso do protozoário deflagrador da malária“, avalia Lilian.
Está aí o motivo pelo qual o O, que não possui esses ancoradouros, ofereceria proteção extra diante da enfermidade. Por outro lado, por alguma razão ele é vulnerável à invasão do micro-organismo que causa cólera e à do norovírus, incitador de gastroenterites.
Até a probabilidade de engravidar pode ter a ver com o sangue. Mas os experts temem divulgar tais informações por medo de gerar pânico. E pertencer a um grupo não implica necessariamente padecer com complicações ligadas a ele. Agora, conhecer as próprias vantagens e limitações – estejam elas dentro ou fora do sangue – é o passo inicial para se preparar e tirar o melhor de qualquer situação.
Polêmica em dose dupla
Cardápio diferenciado: quem é O se daria melhor ao ingerir proteínas aos montes. Já os donos de hemácias A sairiam ganhando ao investir nos vegetais e fugir de quaisquer produtos lácteos. E por aí vai. “Não há nenhuma prova científica de que a dieta do tipo sanguíneo funciona”, diz Gustav Edgren, epidemiologista do Instituto Karolinska, na Suécia.
Personalidade na veia: “O grupo B é resiliente. O AB, carismático. Já o O tende a ser dominante, enquanto o A é sensível”, resume Sérgio Ricardo, especialista em gestão comportamental. “Isso é achismo. Ninguém fez uma pesquisa séria para verificar se existe fundamento”, contrapõe a bióloga Lilian Castilho, da Unicamp.
O que seu tipo de sangue tem
Tipo A
42% dos brasileiros, sendo 34% Rh + e 8% –
Pesquisas mostram que ele aumenta o risco de tumores gástricos, infecções pelo protozoário da malária e até eventos cardiovasculares. Seus portadores estão mais protegidos contra cólera e o norovírus, causador de úlceras no estômago.
Já foi dito que as mulheres A seriam mais férteis. Os integrantes do grupo possuiriam uma predisposição ao diabetes e à depressão. A letra é indicativo de um sistema imunológico frágil.
Tipo B
10% dos brasileiros, sendo 8% Rh + e 2% –
Pesquisas mostram que o câncer de ovário incidiria com maior frequência entre as detentoras dessa espécie sanguínea. O de pâncreas ameaça ambos os sexos. Como o A, o grupo B deve tomar cuidado com a malária.
Já foi dito que o cérebro em que circula esse sangue teria propensão elevada a demências e esclerose múltipla. Na contramão, a mente desses sujeitos resistiria com especial eficiência ao estresse
Tipo AB
3% dos brasileiros, sendo 2% Rh + e 1% –
Pesquisas mostram que cânceres de ovário e de pâncreas poderiam ser mais comuns entre esse pessoal, assim como no da letra B. A bactéria que propaga a cólera aparentemente causa menos estragos nessa turma.
Já foi dito que as gestantes correriam risco de ter pré-eclâmpsia. Problemas de pele como a psoríase acometeriam mais gente do tipo AB. Esse sangue supostamente favorece a anemia.
Tipo O
45% dos brasileiros, sendo 36% Rh + e 9% –
Pesquisas mostram que ele resguarda contra a formação de coágulos e ataques cardíacos em geral. A bactéria H. pylori provoca mais lesões no sistema gástrico de integrantes do grupo. As mulheres teriam uma reserva ovariana menor.
Já foi dito que quem é O teria dificuldades para se manter no peso. A hipertensão abala em especial os vasos dessa população. Esse tipo propicia uma defesa imune forte para debelar micróbios nocivos.
E o Fator Rh
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Ser A+ é possuir, além do antígeno A, o D do sistema Rh. O sinal negativo indica a ausência dessa molécula.
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Se um indivíduo A+ recebe sangue A-, não há problemas. Agora, ao acolher A+, o corpo A- identifica a célula com antígeno D como inimiga e gera anticorpos contra ela.
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As proteínas anti-D então podem destruir hemácias A+, inutilizando a transfusão e trazendo consequências graves.