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O outro lado da cirurgia bariátrica

Ela é um tratamento eficaz contra a obesidade e até outras doenças. Mas a cirurgia bariátrica, se não for cercada de cuidados, traz vários riscos

Por Naiara Magalhães
Atualizado em 4 dez 2019, 12h42 - Publicado em 2 jul 2019, 10h05
quais os riscos da cirurgia bariatrica?
A cirurgia bariátrica não deve ser vista como uma solução mágica e simples contra a obesidade. (Ilustração: Celso Bastos/SAÚDE é Vital)
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O Brasil é o segundo país que mais realiza cirurgias bariátricas. Só em 2017 foram 105 mil. E dá até para entender: hoje, um em cada cinco brasileiros já é considerado obeso. Diante da dificuldade que tanta gente tem para eliminar os muitos quilos a mais (inclusive por questões genéticas) e de todos os perigos que a obesidade traz à saúde, logo a cirurgia se projetou como uma boa saída, certo? Sim, desde que sejam pesados diversos fatores antes da indicação e se invista em mudanças comportamentais e acompanhamento próximo após a operação.

A relação psicológica com a comida é um desses fatores a considerar. Segundo uma revisão de 150 estudos sobre a incidência de certos hábitos e transtornos alimentares antes e depois da bariátrica, a compulsão é o problema mais comum no dia a dia dos obesos. E a análise constatou que comportamentos do tipo não necessariamente melhoram com a cirurgia — pelo contrário, podem piorar ou até surgir depois dela.

“Sempre há um elemento precipitador para quadros como compulsão ou bulimia. E, em alguns casos, ele pode ser a própria cirurgia”, explica a nutricionista Marle Alvarenga, uma das autoras da revisão e coordenadora do Grupo Especializado em Nutrição, Transtornos Alimentares e Obesidade (Genta).

O padrão de alimentação muda tão drasticamente após o procedimento que a pessoa pode desenvolver mecanismos negativos para compensar os excessos de antes. Alguns passam a beliscar o dia todo, outros induzem vômitos e há quem fique até com medo de comer. Para rever o relacionamento com a comida, não adianta fazer uma única consulta com o nutricionista e pegar a dieta do pós-operatório. “Precisamos trabalhar junto ao paciente como ele organiza as refeições, como faz as compras, como combina os alimentos…”, exemplifica Marle.

O apoio psicológico também faz diferença, ajudando a pessoa a saciar suas emoções não só com a comida e a assumir uma postura mais ativa no tratamento — uma das metas é desconstruir a ilusão de que o bisturi resolve tudo.

Não é por acaso que os serviços de bariátrica dos grandes hospitais devem ter um programa de acompanhamento multiprofissional. Ainda assim, a adesão depende muito de quem está no centro da história, o paciente.

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No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, o candidato à cirurgia passa por endocrinologista, cirurgião e nutricionista antes mesmo do procedimento — se necessário, outros profissionais são acionados. No primeiro ano após a operação, a pessoa continua sendo monitorada pelos mesmos profissionais, a cada três ou quatro meses. Do segundo ao quinto ano, semestralmente, ao menos. Depois, uma vez ao ano.

Parece exagerado, mas não é: o acompanhamento deve seguir pelo resto da vida. “Como a obesidade é uma doença crônica e progressiva, precisa ser vigiada como um câncer para evitar o retorno”, justifica o cirurgião Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Oswaldo Cruz.

Um dos aspectos monitorados é o estado nutricional. Como os pacientes passam a comer menos e, em alguns casos, absorvem menos nutrientes por causa da cirurgia, precisam suplementar vitaminas e minerais — também a vida toda.

Na prática, porém, nem sempre esse roteiro é seguido à risca. “Se o paciente se sente bem, ele some”, afirma a endocrinologista Maria Edna de Melo, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. As consequências de interromper a reposição de nutrientes podem ir de formigamentos nos pés e nas mãos a anemia, osteoporose e falhas de memória.

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Há outros riscos a levar em conta. Um estudo brasileiro publicado na prestigiosa revista científica Nature chegou a um achado inédito no mundo: a parte do estômago que fica inutilizada após a cirurgia de by-pass gástrico (a mais realizada entre as bariátricas) pode virar uma fonte de problema. “Ela se torna um solo fértil para o desenvolvimento de um câncer em longo prazo”, diz o médico Dan Waitzberg, coautor da pesquisa e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

O experimento avaliou 20 mulheres submetidas ao by-pass e observou um aumento de processos inflamatórios e a expressão de genes favoráveis ao surgimento do câncer nessa parte desativada do estômago. Difícil imaginar que um pedaço escanteado e sem serventia pudesse sofrer com o refluxo de líquidos lá do intestino.

Daí o impacto da descoberta do grupo paulista. Waitzberg e os coautores Graziela Ravacci e Robson Ishida sugerem que pacientes operados por essa técnica sejam acompanhados de perto por um gastroenterologista para monitoramento. Mas não contraindicam a cirurgia. “Ela tem inúmeras vantagens quando bem direcionada. O que não pode é ser banalizada e utilizada como uma pílula mágica para o emagrecimento”, ponderam os cientistas.

Os 4 tipos de cirurgia bariátrica aprovados no Brasil

By-pass gástrico: reduz o estômago por um grampeamento e desvia a parte inicial do intestino, ampliando a ação dos hormônios da saciedade. Responde por 75% das cirurgias.

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Gastrectomia vertical: deixa o estômago parecido com um tubo e também interfere nos hormônios da saciedade, mas é menos potente que o by-pass no controle do diabetes.

Banda gástrica ajustável: restringe o estômago com um anel de silicone, só que não promove mudanças hormonais. Praticamente abandonada hoje por sua menor eficácia.

Duodenal Switch: retira 60% do estômago e desvia o intestino. Apesar de ser poderosa para perda de peso, leva à perda de absorção de nutrientes. Indicada para superobesos.

Os benefícios da cirurgia bariátrica bem conduzida

Ninguém nega os efeitos positivos das cirurgias bariátrica e metabólica (quando também se destina ao controle do diabetes). Um estudo sueco que há 20 anos acompanha mais de 2 mil sujeitos submetidos à operação e compara sua evolução com um grupo que recebeu outras formas de tratamento contra a obesidade (como remédios) aponta que os primeiros têm 29% menos risco de morrer precocemente, enquanto a incidência de diabetes é reduzida em 83%. Existem evidências de que a cirurgia diminui a necessidade de medicamentos e minimiza a propensão a infarto, AVC e alguns tipos de câncer.

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Os reflexos na saúde e na vida não param aí. O cirurgião Ricardo Cohen conduziu uma pesquisa que revela repercussões bem-vindas até à microbiota intestinal, o conjunto de bactérias do aparelho digestivo. “O intestino é um grande órgão de regulação do peso e do diabetes”, explica.

Até as relações pessoais mudam. O número de divórcios e de novos casamentos aumenta após a cirurgia, segundo análise feita em países escandinavos.

Definitivamente, é preciso estar ciente de tantas mudanças. E se preparar para lidar com elas, com o suporte de quem entende. A psicóloga Ana Szachnowicz, que acompanha pacientes de bariátrica em São Paulo, faz a seguinte comparação: “O sujeito que vai ser operado tem uma maratona para correr, e ele nunca fez isso. Precisa se condicionar”. Eis um trabalho que não acaba no bisturi.

quando fazer cirurgia bariátrica
(Fonte: Conselho Federal de Medicina/SAÚDE é Vital)
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