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HIV: “A desistência do tratamento é um dos grandes problemas de hoje”

Fundador de um dos primeiros ambulatórios especializados no retrovírus, o médico Alberto José da Silva Duarte comenta a evolução do tratamento

Por Larissa Beani Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 set 2023, 10h08 - Publicado em 21 set 2023, 09h40
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Alberto Duarte, pioneiro no estudo do HIV no Brasil, em cerimônia de entrega do Prêmio Dr. Luiz Gastão Rosenfeld (Ricardo D'Angelo/Divulgação)
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À frente de um dos primeiros ambulatórios especializados no diagnóstico e tratamento do HIV no Brasil, o médico Alberto José da Silva Duarte trabalha para ampliar o acesso à assistência de pessoas com imunodeficiências há mais de 50 anos.

Graduado em medicina pela Universidade de Pernambuco em 1971, tornou-se pós-doutor e livre-docente na área de imunologia na década seguinte.

Hoje é professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e diretor da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Em agosto, sua carreira foi reconhecida durante a 7ª edição do Fórum Internacional de Lideranças da Saúde (Filis), realizada na capital paulista.

+ Leia também: O que é aids, dos sintomas iniciais ao tratamento, passando pelos exames

Na ocasião, Duarte recebeu o Prêmio Dr. Luiz Gastão Rosenfeld, criado pela Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) para homenagear profissionais que contribuíram para a melhora da saúde brasileira com excelência.

Em entrevista à VEJA SAÚDE, ele relembra o início de seus estudos sobre imunodeficiências e reflete sobre o avanço no tratamento do HIV.

VEJA SAÚDE: Um dos principais temas estudados por você é o HIV. Como foi acompanhar o surgimento dos primeiros casos no Brasil, nos anos 1980?

Alberto Duarte: Após fazer meu pós-doutorado em imunologia no Brigham and Women’s Hospital [na Universidade Harvard, Estados Unidos], retornei ao Brasil e montei um laboratório de imunologia no Hospital das Clínicas [em São Paulo].

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Nessa mesma ocasião, comecei a trabalhar na criação de um ambulatório de imunodeficiências primárias [problemas inatos do sistema imune]. Isso foi em 1981, quando começaram também a aparecer alguns casos de pessoas com imunodeficiência adquirida.

Na época, não conhecíamos a causa. Sabíamos apenas que era uma infecção transmitida, na maioria dos casos, sexualmente — ou por uso e compartilhamento de droga injetável.

Então, criei um outro ambulatório para atender esses pacientes. A demanda foi crescendo rapidamente, mas não havia medicamento para tratar os casos e não se conhecia o vírus ainda.

O HIV foi isolado pela primeira vez apenas em 1983 e o primeiro tratamento, o AZT [zidovudina], só foi aprovado na década de 1990.

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Como o acesso a novos tratamentos mudou o cenário do HIV no Brasil?

O aparecimento do AZT foi de extrema importância, porque foi a primeira vez que conseguimos alterar a evolução da infecção. Ele era uma droga anticâncer que passou a ser usada também para inibir a multiplicação do vírus.

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Isso teve, sem dúvidas, uma importância muito grande na redução de transmissão durante o parto.

Crianças nascidas de mães HIV-positivas se infectavam e desenvolviam problemas sérios. A chegada deste tratamento modificou radicalmente os quadros.

Ainda assim, ele não freava o vírus em todos os casos. Por isso, a comunidade científica continuou estudando outras drogas. 

Algumas tinham efeitos colaterais que impactavam muito a qualidade de vida das pessoas infectadas, mas, hoje, praticamente não se vê casos assim.

Além disso, o manejo atual pode ser feito com uma única ou poucas cápsulas. Isso acaba facilitando muito a a adesão ao tratamento, cuja desistência é um dos grandes problemas de hoje.

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Muitos indivíduos melhoram e acham que podem parar de usar — mas não funciona assim. A carga viral tende a aumentar rapidamente após a interrupção.

Além da falta de recursos, o estigma sobre a doença também foi um entrave para pesquisas na época?

Sim, existia um estigma muito forte sobre os casos e os pacientes realmente tentavam evitar que alguém tomasse conhecimento de que eles estavam infectados.

Era necessário um trabalho bastante cuidadoso com essas pessoas, que se preocupavam muito em como abordar o assunto com suas famílias.

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Não foi uma fase fácil. Os indivíduos chegavam com infecções avançadas e faleciam em cerca de três anos. O que nos restava fazer eram medidas paliativas. Essa fase foi realmente difícil.

Na realidade, a infecção pelo vírus do HIV só se tornou uma questão mais tranquila a partir de um acordo que ampliou o acesso a medicamentos em países em desenvolvimento, como o Brasil, entre anos 1990 e 2000.

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Isso aumentou muito a expectativa de vida. Hoje, nós temos pacientes que vivem praticamente uma vida normal, sem grandes atribulações.

Hoje em dia, o que seus grupos têm pesquisado sobre o tema?

Continuamos a fazer investigações nessa área, inclusive sobre uma vacina terapêutica anti-HIV, recurso que pode ajudar a diminuir a carga viral em pessoas infectadas. 

Também trabalhamos na conscientização da população sobre a doença e para mostrar ao paciente que a aderência ao tratamento é extremamente importante.

O que mudou sobre o conhecimento de imunodeficiências desde os anos 1980?

A evolução da parte diagnóstica mudou radicalmente o que sabemos sobre o assunto.

Quando comecei nessa área, conhecíamos quatro ou cinco imunodeficiências primárias. Com o surgimento do sequenciamento genético e o avanço da biologia molecular, o número hoje chega a 400.

Com um melhor aparato diagnóstico disponível, têm sido possível reconhecer os mecanismos que causam ou contribuem para o aparecimento dessas doenças e, assim, propor novos tratamentos.

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Hoje há várias classes medicamentosas disponíveis, além de possibilidades como o transplante de células-tronco.

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Acompanhando essas inovações por tanto tempo, como foi receber um prêmio por sua contribuição à saúde brasileira?

Olha, esse prêmio foi uma surpresa — e foi muito importante para mim de duas formas.

Primeiro, é uma distinção que considero muito grande, porque quem, assim como eu, conviveu com o doutor Gastão [Rosenfeld] sabe da influência dele na área diagnóstica e na formação de muitos médicos brasileiros.

Ele era uma pessoa que, além de muito inteligente, sabia como articular ações em prol do acesso e avanço de diagnóstico no Brasil. É importante dizer isso, porque muitas vezes as pessoas fazem um trabalho enorme e não são reconhecidas.

Além disso, sou grato também ao Wilson Shcolnik e Claudia Cohn [presidentes da Abramed] pelo reconhecimento do meu trabalho, que sempre fiz com muito gosto, tanto no ensino, como na pesquisa e na assistência no sistema público de saúde.

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