Por que o efeito do álcool é pior em mulheres, jovens e idosos
Estudo brasileiro revela aumento do consumo de álcool nesses grupos. Entenda por que eles são considerados mais vulneráveis aos impactos da bebida
No Brasil, mulheres, jovens e idosos estão bebendo mais. Esse foi o principal achado da pesquisa “Álcool e Saúde dos Brasileiros – Panorama 2020”, produzida pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). O levantamento chamou a atenção dos especialistas porque esses grupos são justamente os mais vulneráveis aos efeitos deletérios do álcool.
A publicação é um compilado dos dados recentes de diversas fontes, como Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e Organização Mundial da Saúde (OMS). As informações tiradas daí apontam para uma diminuição em 11% do consumo per capita entre 2010 e 2016 no nosso país.
No entanto, as internações de mulheres e idosos causadas por álcool cresceram. E a quantidade de jovens que se embriagam também é alta.
“O que nos assusta é que eles fazem parte da população que bebe intensamente”, declara o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Cisa.
A seguir, entenda por que a substância oferece um prejuízo maior a essas turmas:
Mulheres
Historicamente, a população masculina sempre bebeu mais. Quando falamos especificamente do consumo abusivo, o Vigitel revela que a frequência desse comportamento entre os brasileiros é de 17,9%, sendo maior para homens (26%) do que para mulheres (11%).
No entanto, houve um aumento significativo na ala feminina entre 2010 e 2018, especialmente nas faixas etárias de 18 a 24 anos (14,9% para 18%) e de 35 a 44 anos (10,9% para 14%).
De acordo com o Datasus, nesse período, as internações atribuíveis à bebida alcoólica por 100 mil habitantes caíram de 172,9 para 168,2. Nos homens, houve uma ligeira redução. Por outro lado, esse número subiu 19% para as mulheres.
O crescimento também foi observado nos óbitos de 2010 a 2017: enquanto o aumento entre eles foi de 4% (52 427 para 54 360), entre elas o índice saltou 15% (13 813 para 15 876).
“Estou nesse campo há 41 anos e nunca vi o que está acontecendo agora, ou seja, tantas meninas começando a beber cedo e tantas mulheres tendo o consumo nocivo, quase sempre acompanhado da negação”, conta Guerra.
Isso seria explicado por mudanças no estilo de vida, como maior poder aquisitivo e a dupla jornada de trabalho. Apesar da igualdade de gênero ser uma coisa positiva, é necessário lembrar que existem diferenças fisiológicas.
O presidente do Cisa explica que, em geral, as mulheres têm a área corpórea menor e menos enzimas. “Portanto, aquilo que bebem fica mais tempo na corrente sanguínea e demora para ser metabolizado”, complementa.
Além disso, a quantidade de água no corpo feminino é baixa. Por isso, a substância acaba ficando mais concentrada no organismo. Tudo isso eleva o risco de surgirem hepatite alcoólica, cirrose, doenças cardíacas e câncer de mama.
Idosos
Quando olhamos para os impactos por idade, os mais velhos ganham destaque. Brasileiros acima de 55 anos compõem a maioria das internações, indo de 26% em 2010 para 33% em 2018. Nos óbitos, o número saltou de 41% para 48%. É única faixa etária em que ocorreu elevação.
Fatores psicossociais são os grandes responsáveis por essa associação: viuvez, solidão, perda de amigos, aposentadoria, isolamento…
“Eles são mais sensíveis devido a sua baixa capacidade de metabolização hepática e renal. Então, existe uma maior tendência à desidratação”, ensina o psiquiatra.
Aqui, os perigos são possibilidade de quedas, déficits cognitivos, lesões e má interação com medicamentos.
Jovens
Embora não tenhamos novos estudos sobre adolescentes, os especialistas ainda demonstram preocupação, já que o sistema nervoso central permanece em desenvolvimento até os 20 anos. Quando se começa a beber antes da maioridade, as funções cognitivas e habilidades socioemocionais são prejudicadas.
“O amadurecimento dessa região do cérebro não deve ser regado à álcool. Parece óbvio, mas, na prática, não é isso que encontramos. Os escolares estão em uma situação complicada”, alerta o expert.
Dados da OMS mostram que 26,5% dos jovens de 15 a 19 anos no mundo (cerca de 155 milhões de pessoas) beberam em 2016. No Brasil, o número é praticamente igual: 26,8% deram o mesmo relato.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) de 2015, dos adolescentes de 13 a 15 anos, 55,5% assumiram ter bebido alguma vez na vida e 21,4% já sofreram algum episódio de embriaguez. A média de idade em que eles experimentam álcool pela primeira vez é de 12,5 anos.
Em relação aos jovens adultos, informações da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) de 2010 apontam que quase 90% dos universitários já beberam no mínimo uma vez.
Cruzando os dados levantados no relatório, os pesquisadores do Cisa concluíram que a probabilidade de uma pessoa de 18 a 34 anos ingerir cerca de quatro doses de álcool puro em uma única ocasião é 3,7 vezes maior do que alguém acima dos 55 anos.
“O jovem possui um padrão alarmante, que é o chamado ‘beber pesado episódico’. Muitas vezes ele passa a semana toda sem beber nada, mas vai para uma balada e toma muito de uma vez só”, informa o profissional.
O que precisa ser feito para mudar esse cenário
Em 2010, a OMS lançou um documento com dez orientações para nortear políticas e ações sobre esse problema. A chamada “Estratégia Global para Reduzir o Uso Nocivo de Álcool” tem como objetivo diminuir pelo menos 10% do consumo até 2025.
Dez anos depois, vários avanços foram alcançados, mas a pesquisa apresentada pela Cisa mostra que, no nosso país, ainda há muito para ser feito. Guerra acredita que é necessário criar um forte programa de prevenção e educação focado em cada grupo.
“É como se fosse um vestido sob medida para jovens, mulheres e idosos. Em termos de política pública, deveríamos investir fortemente em ações na linguagem que eles entendem”, sugere o profissional.
E ele conclui: “A família tem um papel importante. Ela precisa instruir sobre como ter uma relação saudável com o álcool. O exemplo não é só a melhor forma de ensinar alguma coisa para alguém: é a única”.