Coronavírus: como sobreviver a ele
Diante do caos, como podemos nos proteger e escapar da pandemia do Covid-19, que mudou para sempre o mundo em que vivemos?
No fim de 2019, uma doença misteriosa brotou na cidade de Wuhan, no leste da China. De repente, centenas de pessoas apresentavam uma grave pneumonia. Em poucas semanas, o culpado foi descoberto: um novo coronavírus estava se espalhando ali. Três meses depois, o patógeno já havia pulado fronteiras e invadido praticamente todos os países dos seis continentes, com mais de 1 milhão de casos confirmados e dezenas de milhares de mortes.
O cantor uruguaio Jorge Drexler estava pronto para mais um show na cidade de San José, na Costa Rica, no dia 10 de março. De última hora, o espetáculo foi cancelado por causa da Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Mas o artista deu um jeito de atender o seu público: ele subiu ao palco e fez a performance sozinho, transmitida ao vivo pelo Facebook. E houve uma surpresa em seu repertório, que contou com versos inéditos: “Já voltarão os abraços, os beijos/ Dados com calma/ Se encontra um amigo/ Saúda-o com a alma/ Sorria, jogue um beijo/ De longe, seja próximo/ Não se toca o coração/ Somente com as mãos”. A canção, intitulada Lado a Lado, traz uma visão poética do isolamento social, a principal tática para conter o avanço do coronavírus mundo afora.
Você deve ter visto no noticiário ou espiado pelas ruas: em boa parte do planeta, as lojas estão fechadas. O transporte público opera com restrições. Funcionários de várias empresas trabalham de casa. Até as Olimpíadas, marcadas para o meio de 2020, foram postergadas. A principal competição esportiva do globo não era adiada desde a Segunda Guerra Mundial. “Vivemos uma crise sanitária sem precedentes, que já provoca transformações profundas na sociedade”, diz o sanitarista Gonzalo Vecina, presidente do conselho do Instituto Horas da Vida, em São Paulo.
Nesse contexto, aliás, ficou evidente o despreparo de inúmeros governantes para lidar com a crise: enquanto alguns ignoraram a existência do problema, outros demoraram a tomar atitudes. Para a historiadora Christiane de Souza, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, esse fenômeno não é exclusivo dos tempos atuais.
“As epidemias obedecem a uma liturgia: no início, os líderes negam o fato, por ser algo novo que coloca em xeque a autoridade deles”, conta. Foi o que ocorreu na Itália: em fevereiro, políticos insistiam que os cidadãos deveriam manter a vida normal. Semanas depois, não havia mais cemitério para sepultar tantas vítimas.
O físico teórico Silvio da Costa Ferreira Junior, da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, está acostumado a trabalhar com fórmulas e equações. Junto com seus alunos, montou um modelo matemático complexo para entender a probabilidade de a Covid-19 se disseminar pelas cidades brasileiras.
“Levamos em consideração as características do vírus, a taxa de infecção, o trânsito de pessoas ao longo do dia…”, explica. Porém, até para as ciências exatas, está difícil determinar como a doença vai se comportar, mesmo num curto período de tempo. “Não conseguimos prever em detalhes o que vai acontecer daqui a quatro dias”, admite.
Se a situação está complicada para os números, que dirá para nós, reles mortais… Caso alguém lhe pergunte hoje quais são seus planos para o mês que vem, qual seria sua resposta? É natural que apareçam na mente pontos de interrogação. Afinal, num cenário com tantas incertezas, nos sentimos impotentes.
Mas é aí que a gente se engana: todo mundo tem, sim, deveres nessa história. “Nós, profissionais de saúde, precisamos que a transmissão do coronavírus ocorra devagar. Assim, teremos equipamentos e remédios para os casos mais graves e urgentes”, diz a infectologista Anna Sara Levin, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. E aqui já não há mistério: a cada cidadão cabe ficar em casa, lavar bem as mãos…
Outro dever cívico na era digital: somos responsáveis por aquilo que compartilhamos sobre o coronavírus nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais. “A grande diferença dessa pandemia para as anteriores está na disponibilidade enorme de informações. O problema é que tem muita coisa falsa ou exagerada, que gera pânico”, analisa o infectologista Alberto Chebabo, da Dasa e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cheque sempre a fonte e a data daquela notícia que você recebeu. Se tiver algo suspeito ou estranho, melhor não passar adiante. Num mundo tão conectado, as fake news conseguem se espalhar mais rápido que o próprio vírus.
Junte a incerteza sobre o futuro com uma farta porção de notícias falsas. Acrescente pitadas generosas de estresse. E finalize tudo com altas doses de isolamento social. Pronto, eis a receita para a mente entrar em parafuso nestes tempos de coronavírus.
“É curioso notar que em todas as crises humanitárias do passado o recado sempre foi para permanecermos juntos e unidos. Agora é o contrário: fiquem isolados, sozinhos”, compara o médico Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) já dizia que o homem é, por natureza, um ser social. Como fica, então, nosso bem-estar e nossa saúde quando esse contato nos é tirado?
A ciência pode nos dar a resposta: um estudo assinado por um time do King’s College London, na Inglaterra, e publicado no periódico científico The Lancet, analisou os impactos psicológicos que a quarentena trouxe durante a epidemia de Sars (síndrome aguda respiratória grave), que ocorreu na China entre 2002 e 2003. Os resultados mostram que quase um terço dos indivíduos teve estresse pós-traumático ou depressão após o período longe da vida em comunidade. “Falamos de problemas que ultrapassam classe social, gênero ou região geográfica. Todos precisaremos enfrentá-los num futuro próximo”, antevê o psicólogo Fernando Freitas, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
Nos resta segurar as pontas e botar em prática atitudes para deixar a cabeça no prumo. “Nos apeguemos ao fato de que essa situação será momentânea. O afastamento é físico, não emocional: podemos e devemos nos encontrar com amigos e familiares por meio de videochamadas”, sugere a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association Brasil (Isma-BR), em Porto Alegre. A esperança é que todos saiamos dessa pandemia um pouco melhores, mais unidos, preparados e conscientes do que estávamos no já distante janeiro de 2020.