As principais novidades do maior congresso do mundo sobre câncer
O último congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a Asco, trouxe avanços no tratamento contra diversos tipos de tumor
O congresso de 2019 da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a Asco, seguiu a tendência da personalização contra o câncer. As palestras e os estudos apresentados mostraram como, cada vez mais, o tratamento diferente de um paciente para o outro (mesmo que os dois tenham um tumor no mesmo lugar).
A SAÚDE esteve presente nesse evento, considerado o maior do mundo na área, e trouxe na bagagem algumas novidades bem interessantes. Nós separamos esses avanços por tipo de câncer:
Tumores de cabeça e pescoço
31 mil novos casos por ano no Brasil
Eles aparecem em regiões como boca e garganta e foram os que protagonizaram mais estudos com o potencial de mudar o tratamento. A primeira descoberta é brasileira: cientistas do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, desvendaram que o número de células tumorais circulantes (CTCs), unidades do câncer que vagam pelo sangue, está relacionado ao sucesso do tratamento.
“Quanto mais unidades de CTCs, menor a probabilidade de resposta aos medicamentos e maior o risco de morte”, resume o oncologista Thiago Bueno de Oliveira, um dos autores do experimento. Os achados apontam para a criação de um exame que, no futuro, indicará a intensidade de cada tratamento — mais CTCs na circulação exigiriam uma resposta pesada logo de cara.
Outro destaque foram dados apresentados que legitimam a imunoterapia, classe de medicações que estimulam o sistema imune a atacar o tumor, como primeira opção de tratamento após o diagnóstico. Um desses fármacos já está aprovado para esses casos: o nivolumabe, do laboratório Bristol-Myers Squibb. Por ora, ele entra em cena se a quimioterapia falha.
Esôfago
10 mil novos casos por ano no Brasil
A imunoterapia despontou nos últimos anos como uma revolução contra o câncer. Inicialmente restrita ao melanoma, um tumor de pele, ela foi pouco a pouco expandida para outros tipos — e agora vem prestar socorro contra a doença no esôfago.
Um trabalho do Hospital Universitário de Barcelona, na Espanha, mostrou que o pembrolizumabe, da farmacêutica MSD, é tão eficaz quanto a quimioterapia-padrão. Nos voluntários que tinham a expressão de um marcador genético chamado PD-L1, houve até um aumento no tempo de sobrevivência: após dois anos, 39% dos indivíduos que tomaram a medicação continuavam vivos, ante 22% do grupo que recebeu só químio. Importante mencionar que o estudo foi feito em indivíduos cuja doença era inicial e estava localizada na parte inferior desse órgão, quase na junção com o estômago.
O mesmíssimo pembrolizumabe foi a estrela de uma segunda pesquisa, esta realizada no Hospital Presbiteriano de Nova York, nos Estados Unidos. Desta vez, foram selecionados os casos avançados, e os resultados foram igualmente animadores. “O câncer esofágico continua a ter uma alta taxa de mortalidade, e nós estamos atrás de novas alternativas para silenciá-lo”, disse o oncologista Manish Shah, que liderou a investigação.
Mama
59 mil novos casos por ano no Brasil
É impressionante como cresceu o número de medicamentos que fazem frente aos nódulos malignos nos seios. E a lista só aumenta: em 2018, o palbociclibe (Pfizer) e o ribociclibe (Novartis) ganharam sinal verde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Eles são prescritos contra o câncer de mama avançado com receptores para hormônios sexuais e sem a expressão do gene HER 2 — o médico consegue checar esse perfil por meio de uma bateria de exames.
A dupla integra o grupo das terapias-alvo, que atingem partes específicas do tumor, e são usadas em conjunto com os comprimidos da hormonioterapia, outro pilar do tratamento atual. Algumas evidências apresentadas na Asco 2019 revelam que a dobradinha chega quase a triplicar o tempo de vida das pacientes, algo impensável alguns anos atrás.“Falamos de medicações bem toleradas e com pouquíssimos efeitos colaterais”, diz o oncologista Felipe Ades, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Outra boa-nova recente foi a estreia da imunoterapia nesse campo: o atezolizumabe (Roche) é uma saída efetiva quando aquele marcador PD-L1 aparece positivo nos testes laboratoriais.
Pulmão
31 mil novos casos por ano no Brasil
Ele não é mais aquele bicho de sete cabeças do passado. “Antes, contávamos o tempo de sobrevivência do paciente em meses. Agora, falamos em anos. É realmente notável”, analisou, durante o encontro, o oncologista David Graham, representante da Asco.
Essa mudança de paradigma ficou bem clara num estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA). Aquele imunoterápico chamado pembrolizumabe foi capaz de ampliar a expectativa de vida para cinco anos em 23% dos indivíduos com câncer de pulmão de não pequenas células — o tipo mais comum de todos, presente em 85% dos casos. Antes da chegada desse fármaco, ao redor de 5% dos pacientes alcançavam meia década de sobrevivência.
“O estigma negativo relacionado à doença nos pulmões não é mais apropriado, uma vez que encontramos gente viva após sete anos do diagnóstico”, afirma o oncologista Edward Garon, responsável por realizar esse acompanhamento de longo prazo em terra americana. Assim como em outros casos, o pembrolizumabe estimula as células de defesa a atacarem o tumor e funciona melhor quando é detectado o tal do PD-L1.
Pâncreas
Não há dados sobre esse tumor no Brasil
Um dos cânceres mais agressivos e temidos ganhou um fio de esperança. Um estudo divulgado na sessão plenária da Asco, a principal mesa de apresentações do congresso, trouxe os resultados positivos de uma droga chamada olaparibe (AstraZeneca), já usada na prática nos nódulos malignos de mama.
Ela funcionou após uma rodada de quimioterapia no grupo de voluntários que tinham metástase (quando o tumor se espalha) e possuíam uma mutação genética nos genes BRCA1 ou BRCA2, fator comum a 7% dos acometidos pela enfermidade no pâncreas. Nessas pessoas, a droga atua como um freio, segurando a progressão da doença.
“Estamos ansiosos para acompanhar os resultados nos próximos anos. Tudo indica que estamos à beira de uma nova era nessa área da oncologia”, acredita a médica Suzanne Cole, do Centro Médico da Universidade do Sudoeste do Texas, nos Estados Unidos. Os especialistas já discutem a possibilidade de pedir de praxe um teste de DNA a todos os pacientes com câncer no pâncreas. Aqueles com alteração no BRCA1 ou 2 seriam possíveis candidatos a essa terapia.
Intestino
36 mil novos casos por ano no Brasil
“A ordem dos fatores não altera o produto.” Quem não se lembra dessa máxima nas aulas de matemática? Pois ela virou assunto no câncer que afeta o intestino grosso e o reto.
Até agora, os médicos costumavam fazer primeiro uma cirurgia para só depois iniciar as sessões de quimioterapia. Mas uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos sugere que é plausível inverter e realizar a químio antes de partir para o bisturi. A escolha da sequência vai depender da situação, o que permite personalizar melhor o tratamento.
Outra pauta quente nesse campo é o papel da microbiota: evidências começam a apontar que as bactérias que vivem no intestino podem turbinar ou atrapalhar as terapias anticâncer. “Num futuro breve, teremos tecnologia para fazer análises desses 10 trilhões de micro-organismos que vivem dentro da gente e, a partir daí, poderemos modificar essa comunidade para que ela se torne mais equilibrada e saudável”, prevê o oncologista Bernardo Garicochea, do Grupo Oncoclínicas.
Fígado
Não há dados sobre esse tumor no Brasil
A metástase acontece quando as células cancerosas saem de seu local de origem, viajam pelo organismo e se instalam em algum outro tecido. E o fígado, por natureza, é um grande catalisador de encrencas. Quando ele está doente, o melhor caminho pra resolver a parada é partir para a cirurgia.
O porém: esse procedimento é complexo e exige abrir todo o abdômen. Daí veio a ideia de especialistas do Hospital Universitário de Oslo, na Noruega: por que não dar uma chance à laparoscopia, operação minimamente invasiva feita por meio de câmeras e ferramentas introduzidas na barriga com alguns furinhos?
“Num trabalho que reuniu 280 pacientes, eles comprovaram que esse método está relacionado a menos complicações e encurta o tempo de internação”, relata a oncologista Maria Ignez Braghiroli, da Rede D’Or. Sinônimo de recuperação mais rápida e qualidade de vida para os pacientes.
Próstata
68 mil novos casos por ano no Brasil
O sucesso na luta contra os tumores que atingem a glândula masculina não está relacionado apenas à escolha do melhor remédio: é preciso saber a hora certa de utilizá-lo. Essa questão de tempo ficou evidente num estudo apresentado por cientistas australianos e neozelandeses. Eles descobriram que a enzalutamida (Astellas Farma) deve ser a primeira linha de tratamento aos homens com câncer de próstata metastático — até então, essa droga só entrava em cena mais pra frente, quando a hormonioterapia não trazia resposta.
O trabalho feito na Oceania indica que 80% dos voluntários que tomaram uma combinação de remédios (enzalutamida mais antiandrogênicos) continuavam vivos após três anos. Na turma que só tomou a segunda classe, a taxa foi de 72%. Em outro teste, uma segunda medicação dessa mesma categoria, a apalutamida (Janssen) também estendeu o tempo de vida.
E as novidades não param por aí. “O olaparibe [aquele do câncer de pâncreas, lembra?] suscitou uma resposta em 45% dos pacientes já tratados com outras substâncias”, conta o oncologista Fernando Maluf, da BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Ovário
6 mil novos casos por ano no Brasil
A exemplo da mamografia e do papanicolau, o grande sonho da comunidade médica é inventar um teste de rotina capaz de rastrear e detectar câncer de ovário com antecedência. Infelizmente, todas as tentativas até agora se mostraram infrutíferas: não há marcador no sangue ou em exames de imagem que denunciem a enfermidade logo cedo.
“Para piorar, os sintomas são inespecíficos e podem significar muitos outros problemas, o que atrasa o diagnóstico”, observa o oncologista Donato Callegaro Filho, do Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista.
Mas a Asco 2019 trouxe uma discussão provocadora: será que todos os casos de tumor nessa glândula feminina precisam mesmo passar por uma cirurgia, considerada há anos o tratamento-padrão? A quimioterapia e outras medicações começam a ganhar espaço e já podem substituir a mesa de operação em alguns casos.
Bexiga
9 mil novos casos por ano no Brasil
Após décadas de marasmo e estagnação, essa condição foi sacudida pela avalanche da imunoterapia: nos últimos três anos, pembrolizumabe, atezolizumabe, nivolumabe, durvalumabe (AstraZeneca) e avelumabe (Merck e Pfizer) chegaram pra ficar e trazem ganhos especialmente nos casos mais graves.
Uma terapia-alvo é outra grande promessa: o enfortumabe vedotina (Takeda, Astellas Farma e Seattle Genetics) mostrou poder de fogo em quase metade dos pacientes em que nenhuma outra saída terapêutica foi bem-sucedida — nem mesmo os modernos imunoterápicos. Seu mecanismo de ação lembra o cavalo de Troia.
“Essa droga foi construída para transportar escondido um agente quimioterápico muito potente para dentro das células tumorais, onde ele vai agir”, destrincha Maluf. Apesar de as estatísticas encontradas serem bastante animadoras, a molécula ainda precisa passar por outros testes com um maior número de voluntários antes de ser liberada para prescrição.
Sarcoma
Não há dados sobre esse tumor no Brasil
A ciência dá muitos passos para a frente, mas, às vezes, precisa andar pra trás. E essa é a nota triste da Asco 2019: o fármaco olaratumabe (Eli Lilly), aprovado no ano passado com grande estardalhaço, falhou na prova definitiva. A substância havia sido liberada em diversos países (inclusive aqui no Brasil), pois os resultados de estudos preliminares foram realmente surpreendentes. Some isso ao fato de nenhum novo tratamento ter aparecido contra o sarcoma, esse grupo de tumores que atingem partes moles como músculos, tendões e gordura, nos últimos 40 anos.
Pois bem, mesmo com essa autorização de venda rápida e empolgada, as agências regulatórias dos Estados Unidos e da Europa exigiram que os testes finais, com um maior número de pessoas, continuassem a ser feitos. E, infelizmente, os resultados fugiram do que era aguardado por todos: o olaratumabe não elevou o tempo de sobrevivência dos voluntários.
“Mesmo assim, podemos tirar um aprendizado de toda essa história: é vital cumprir todas as etapas de pesquisa antes de lançar um novo produto”, reflete o oncologista Sergio Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc).
Leucemia e linfoma
22 mil novos casos por ano no Brasil
Ótimas notícias contra as doenças que se instalam nos sistemas sanguíneo e linfático: o remédio venetoclax (AbbVie) virou uma opção para fazer frente a diferentes tipos de leucemia, como a linfocítica crônica e a aguda, especialmente para os casos em que não se pode realizar quimioterapia ou transplante de medula óssea em razão da idade avançada ou de problemas concomitantes. “Ele faz parte das terapias-alvo e provoca a morte das células cancerosas”, informa o hematologista Breno Gusmão, da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale).
Os linfomas, por sua vez, colhem benefícios das CAR T Cell, uma modalidade terapêutica recente que envolve retirar as células de defesa do paciente, promover alterações genéticas e, depois, reintroduzi-las no organismo para que elas combatam com eficiência a enfermidade. A técnica parece dar retorno até mesmo nos casos avançados e em sujeitos mais velhos.
Outra esperança é a junção do rituximabe com a lenalidomida (Celgene). “Eles têm ação dupla: um fármaco mira o tumor e o outro estimula o sistema imune a atacar as células doentes”, explica Gusmão.
Mieloma
Não há dados sobre esse tumor no Brasil
Esse tumor se desenvolve num subtipo de glóbulo branco dentro da medula óssea e costuma ser bem violento. Como surgiram diversos remédios na última década, os representantes da Asco resolveram lançar a primeira diretriz de tratamento do mieloma. O manual reúne todas as armas e orienta os médicos sobre as melhores condutas para cada situação.
“A chegada dos anticorpos monoclonais, especialmente o daratumumabe [Janssen], revolucionou essa área”, destacou o oncologista Joseph Mikhael, do City of Hope Comprehensive Cancer Center, nos Estados Unidos, e um dos autores do documento.
Calma que tem mais: há uma fila com outras cinco ou seis drogas em fase final de análise contra o mieloma. Isso sem contar as outras modalidades, como as terapias que interferem nos genes… “São casos em que a única coisa a fazer algum tempo atrás era oferecer tratamento paliativo”, nota Gusmão.
*O jornalista viajou para o congresso da Asco a convite da farmacêutica Pfizer