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10 tendências na era da saúde digital

Conheça as inovações na medicina que vieram para ficar e vão mexer com a sua vida, impactando o jeito de prevenir, detectar e tratar doenças

Por Maurício Brum, Juan Ortiz, Valentina Bressan, Bettina Gehm e Sílvia Lisboa
Atualizado em 16 dez 2022, 14h27 - Publicado em 16 dez 2022, 14h26
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  • Consultas e exames a distância, testes genéticos, procedimentos com apoio de robôs, dispositivos e aplicativos que monitoram de perto e em tempo real a saúde… Essas são algumas das inovações no ecossistema de cuidados que, direta ou indiretamente, já estão mexendo com as nossas vidas e melhorando as formas de prevenir, diagnosticar e tratar doenças.

    As mudanças vão muito além da tecnologia: o jeito de pensar o bem-estar das pessoas e sua relação com o mundo também está se transformando, num movimento em que a saúde mental não pode ficar mais escanteada e o acesso a recursos de ponta e a implementação de práticas mais sustentáveis se tornam pautas urgentes.

    Ninguém vai (ou deveria) ficar de fora desse novo mundo em que algoritmos, computadores e sistemas conectados passam a conviver com médicos, enfermeiros e outros profissionais da área. Então é hora de desbravar as dez tendências (e questões) que marcam a era da saúde digital.

    1. A jornada híbrida de cuidados

    A pandemia acelerou tendências que já vinham sendo esboçadas no setor de saúde, aliando recursos tecnológicos a equipes multiprofissionais, com médico, enfermeiro, psicólogo e companhia.

    Cada vez mais se torna realidade o conceito de jornada do paciente: no lugar de consultas e exames pontuais, em geral diante de sintomas ou crises, o indivíduo é acompanhado no longo prazo, com o apoio de plataformas digitais que reúnem seus dados e um time apto a atendê-lo de forma virtual ou presencial — algo decisivo para a medicina preventiva e preditiva migrar da teoria para a prática.

    “A revolução mais radical é conectar os elos da cadeia de cuidados, o que é mais efetivo para o paciente e mais sustentável para o sistema”, diz Pedro Bueno, CEO da Dasa, maior rede privada de assistência à saúde no país.

    Nessa jornada integrada, prontuários eletrônicos congregam as informações e o histórico do paciente, permitindo personalizar o atendimento e evitar a redundância na prescrição de exames ou interações entre remédios.

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    “Esse trabalho se divide em duas partes: a tecnológica e a humana, com profissionais qualificados”, resume Marcelo Toledo, CEO da Klivo, healthtech focada no cuidado híbrido de pessoas com doenças crônicas.

    “É preciso pensar em coordenação e navegação do cuidado”, defende Ricardo Salem, diretor-executivo da Care Plus. São dois conceitos que se complementam: a coordenação identifica as necessidades de cada um e indica profissionais e recursos para atendê-las; a navegação é o percurso em si, com um médico ou enfermeiro pilotando o barco junto ao paciente.

    “É comum as pessoas se sentirem perdidas em saber que serviço procurar e em que momento. A navegação vai ajudar a fazer as coisas certas na hora certa para ter o melhor resultado”, afirma Salem.

    Um estudo da Care Plus mostrou que, no auge da pandemia, segurados que participaram de um programa de monitoramento da Covid-19 tiveram 58% menos sinistros. Com a devida orientação, não precisavam sair de casa e ir ao pronto-socorro por qualquer sintoma, por exemplo.

    Nesse sentido, as pessoas não precisam mais temer que o acompanhamento digital não seria “a mesma coisa” que a versão em carne e osso. Uma pesquisa da Klivo contemplando 2 500 brasileiros com diabetes tipo 2 comprovou que o gerenciamento remoto da saúde, realizado por uma equipe multidisciplinar e apoiado em ferramentas tecnológicas, melhorou os resultados dos exames e diminuiu o risco cardiovascular entre eles.

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    Feito em parceria com cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, o trabalho da startup nacional constatou redução nos valores da hemoglobina glicada (um marcador do controle dos níveis de açúcar no sangue) e das taxas de colesterol dos pacientes.

    + O clínico do futuro

    A tecnologia não vai substituir os médicos, mas sem dúvida faz cada vez mais parte da rotina deles — e quem acredita nisso são os próprios doutores.

    Segundo pesquisa da Elsevier Health com mais de 3 mil profissionais de saúde ao redor do mundo, 83% acreditam que seu treinamento precisa ser revisto para acompanhar os avanços na área.

    Isso significa aprender a lidar com a abundância de protocolos, dados e recursos high-tech (com atualizações constantes) sem perder a dimensão humana do cuidado.

    “Nós não aprendemos a fazer a anamnese através de uma tela. Mas o mundo mudou. Com capacitação, é possível desenvolver uma boa relação e empatia com o paciente mesmo a distância”, aposta Salem.

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    + LEIA TAMBÉM: As maiores inovações médicas brasileiras em 2022

    2. Telemedicina em ascensão

    Nenhuma virada foi sentida no cotidiano de forma tão clara nos últimos anos quanto a popularização da telessaúde, com atendimentos feitos por celular, computador e afins. A pandemia fez com que velhos tabus em torno do tema caíssem por terra e transformou em rotina o que antes só acontecia em casos específicos.

    Hoje, se você tem convênio, é bem provável que passe por uma consulta a distância antes de um encaminhamento a uma sessão presencial, especialmente se estiver com suspeita de alguma doença contagiosa. E essa tática não só facilita a vida como funciona!

    “Mais de 80% das situações clínicas que fazem as pessoas buscarem um pronto-atendimento podem ser resolvidas por telemedicina”, calcula Sidney Klajner, CEO do Hospital Israelita Albert Einstein, instituição pioneira no uso da tecnologia no Brasil.

    A plataforma do hospital paulistano já atendeu cidadãos em mais de 2,6 mil cidades e 50 países diferentes, incluindo áreas de difícil acesso, como territórios indígenas na Amazônia e plataformas de petróleo na costa brasileira.

    “A digitalização também vai permitir que essas interações gerem dados que podem ser transformados em informação útil para decidir investimentos e coordenar o cuidado”, afirma Klajner.

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    Tem mais: a telemedicina contribui para diminuir as desigualdades sociais e geográficas de um país continental como o nosso — e para desafogar o próprio sistema de saúde pública.

    O programa Telessaúde Brasil, do SUS, já propicia a médicos da atenção primária o apoio de especialistas que, remotamente, auxiliam no atendimento de pacientes em postos de saúde, reduzindo as filas de espera. A lógica é simples: em vez de um encaminhamento que pode levar meses, o clínico que faz a primeira consulta consegue uma opinião rápida de um colega especializado, e pode orientar o paciente sem demora.

    “O Telessaúde Brasil cresceu muito. No Rio Grande do Sul, a fila para a neurologia foi reduzida de um ano e meio para cerca de três meses”, exemplifica Jefferson Fernandes, vice-presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde.

    + Seus dados estão protegidos?

    As informações de saúde de cada um de nós, sensíveis por natureza e agrupadas em grandes bancos de dados, são uma mina de ouro para cientistas e algoritmos, mas não podem expor os pacientes nem servir para que uma empresa aumente o valor de uma cobertura ou serviço com base em algo que deveria ser sigiloso.

    A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) obriga que qualquer coisa obtida em consultas e exames permaneça confidencial, mesmo quando tudo acontece em ambiente virtual. Com o crescimento da área de saúde digital, aumentou o temor de que informações vazem ou sejam mal utilizadas ou apropriadas. Mas há esquemas de defesa para evitar isso: os dados são conservados com uma camada de criptografia e sob anonimato.

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    + LEIA TAMBÉM: Enfermeiros ganham protagonismo no novo ecossistema de saúde

    foto de wearables para a saúde
    (Ilustrações: Eugênio Medeiros e Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

    3. A saúde também é portátil

    Os wearables, ou dispositivos vestíveis, não são mais apenas acessórios da moda. Smartwatches, smartbands e smartphones — relógios, pulseiras e telefones inteligentes, no nosso idioma — já vêm auxiliando no monitoramento da saúde, com funcionalidades que melhoram o desempenho no dia a dia (não só em matéria de exercícios) e até alertam em caso de emergência.

    Nessa categoria, quem sai na frente são os smartwatches, relógios de pulso que funcionam como minicomputadores: eles conseguem medir a atividade física diária, a qualidade e o tipo de sono e a frequência cardíaca.

    Marcas como Apple e Samsung também oferecem a opção de fazer eletrocardiogramas, recurso recentemente adicionado com aval da Anvisa. “São dados que você leva para seu médico analisar”, explica Renato Citrini, gerente sênior de produto da Samsung no Brasil.

    A empresa sul-coreana ainda desenvolveu para os novos modelos um sistema de bioimpedância, capaz de avaliar o volume de massa magra e de gordura no corpo. “Ele consegue informar até a composição do músculo esquelético”, conta Citrini.

    Todas essas capacidades são testadas e exploradas em estudos. O Hospital das Clínicas de São Paulo iniciou uma pesquisa com o aparelho Galaxy Watch4, da Samsung, para monitorar o sono e os sinais vitais, como oxigenação do sangue, batimentos cardíacos e pressão arterial, de 80 pacientes em recuperação da Covid-19. O objetivo do projeto é entender principalmente os eventuais impactos das sequelas da Covid longa.

    Já os smartwatches da Apple foram colocados à prova num estudo francês com 734 pessoas diagnosticadas com uma doença cardíaca. De acordo com os autores, o eletrocardiograma do celular acertou no diagnóstico automático de 80% dos casos de arritmia, um padrão que pode ser aperfeiçoado com a evolução dos algoritmos.

    + Questão de cibersegurança

    Um levantamento internacional da consultoria Cynerio mostrou que hospitais e sistemas de saúde estão entre os principais alvos de ataques hackers.

    Segundo o relatório, mais de 5 milhões de dispositivos médicos pelo planeta estão vulneráveis a uma invasão cibernética. Entre os mais suscetíveis estão bombas de infusão de remédios, monitores de frequência cardíaca e aparelhos de ultrassom.

    Em relação aos smartwatches, Renato Citrini revela que a Samsung usa uma plataforma específica de proteção. “Todos os dados sensíveis, tanto de saúde quanto de pagamentos, ficam numa área separada. Se você tem uma tentativa de ataque ou invasão, ela se autodestrói, e não se consegue mais usar aquela função”, descreve.

    + LEIA TAMBÉM: Como escolher um smartwatch pensando na saúde?

    4. A máquina nos bastidores

    Em 2022, os gêmeos siameses Bernardo e Arthur, de 3 anos, foram separados em uma cirurgia inédita no Rio de Janeiro. Com supervisão de um hospital de Londres, médicos do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer utilizaram projeções de realidade virtual para conduzir, com precisão milimétrica, o trabalho real, que durou cerca de 72 horas.

    “Essas plataformas ajudaram muito no procedimento. Eu consegui colocar a equipe brasileira conectada pelo metaverso com a equipe inglesa”, conta Heron Werner, coordenador do laboratório Biodesign Lab da Dasa e da PUC-Rio.

    Metaverso é outro conceito novo na área, e diz respeito à criação de espaços virtuais paralelos em que se pode simular ou treinar procedimentos. Tanto que uma das aplicações mais promissoras é voltada ao ensino médico.

    “Hoje posso reconstruir exames em 3D e dar aulas sobre isso no metaverso”, exemplifica Werner. A tecnologia também pode ser adotada em reuniões com os próprios pacientes para explicar o passo a passo em situações mais complexas.

    “Temos a realidade virtual, aquela em que se faz uma imersão no mundo criado pelo computador, com visão 360 graus, e a realidade aumentada, que permite ver um holograma de um exame, por exemplo. Mas a tendência é que elas convirjam no futuro”, expõe o médico da Dasa.

    Outra inovação de peso, e essa já aparece em tudo quanto é canto no território da saúde (aplicativos, hospitais, centros de diagnóstico…), é a inteligência artificial (IA). São algoritmos de computador que estão em contínuo aprendizado a partir de comandos e dados dos usuários.

    Em seu último relatório sobre o tema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca o potencial da IA em aprimorar a precisão e a velocidade na detecção de doenças — uma realidade no atendimento a derrames, pneumonias e tumores. A entidade só pondera que “há possíveis consequências negativas se os princípios éticos e as obrigações de direitos humanos não forem priorizados por aqueles que financiam, projetam, regulam ou utilizam essas tecnologias”.

    + Cirurgia com apoio virtual

    Se um paciente tem um tumor que deve ser retirado, por exemplo, os médicos podem fazer uma preparação prévia com a equipe, a partir de uma simulação da cirurgia no metaverso.

    Os exames de imagem também são reconstruídos em 3D, facilitando a visualização exata do local a ser operado. E o próprio paciente, munido de óculos especiais, pode entrar com seu avatar no ambiente virtual e entender como será o processo cirúrgico e quais cuidados são necessários no pós-operatório.

    “Hoje se usa a tecnologia muitas vezes em pacientes que já foram operados ou têm a anatomia distorcida. Se você faz a reconstrução em 3D, com todos os detalhes, consegue diminuir as chances de complicações”, ressalta Heron Werner.

    + LEIA TAMBÉM: Avanços médicos viram realidade com inteligência artificial

    ilustração de mão robótica segurando código de dna
    (Ilustrações: Eugênio Medeiros e Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

    5. Robôs dentro do hospital

    Cirurgias mais precisas, com cortes menores e recuperação mais rápida, são possíveis quando quem opera os instrumentos é um robô, controlado pelo médico em uma sala ao lado. “O robô é composto de braços mecânicos como aqueles usados na produção de automóveis em linha”, ilustra Carlos Eduardo Domene, coordenador do Programa de Cirurgia Robótica da Rede D’Or São Luiz.

    Os primeiros robôs-cirurgiões chegaram ao Brasil há 15 anos, e hoje já contam com filtros que eliminam até os mínimos tremores da mão de quem opera, além de um sistema óptico tão fiel que o médico enxerga a cirurgia em 3D, como se estivesse dentro do paciente.

    Nesse contexto, os detalhes fazem a diferença e ajudam a prevenir danos colaterais em nervos e vasos sanguíneos. Na cirurgia de próstata, a mais comum realizada com braços robóticos, a precisão evita incontinência urinária e impotência sexual após a operação.

    “Nos Estados Unidos, mais de 85% desses procedimentos para o câncer de próstata são feitos com robôs”, estima Domene. No Brasil, ainda há muito a crescer: a proporção é de apenas 10%.

    Devido ao custo elevado, a tecnologia fica restrita a grandes centros médicos privados. Mas a expectativa é que os robôs se tornem mais acessíveis nos próximos anos. E ganhem ainda mais acurácia com a incorporação progressiva de softwares e o apoio do big data, a ciência dos dados.

    “A ideia é que a máquina possa reconhecer a cirurgia através da compressão de milhões de vídeos que assistiu sobre procedimentos semelhantes, para então interpretar um caminho mais seguro na hora de operar”, diz Domene.

    André Berger, urologista e coordenador do Núcleo de Cirurgia Robótica do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, aposta na conjugação com a realidade aumentada. “Imagens obtidas antes da cirurgia, como a ressonância magnética, serão integradas ao sistema robótico e sobrepostas às imagens captadas pela câmera dentro do paciente”, prevê.

    Com todo esse aparato, já é tecnicamente possível operar pacientes a distância, levando a cirurgia teleguiada a áreas onde não existem profissionais capacitados para usar o robô.

    + Internet 5G é base para transformação

    Exames e cirurgias realizados com o acompanhamento virtual de um médico experiente viriam a calhar em locais onde até há aparelhos mas faltam profissionais habilitados a manejá-los. Só que, para essa empreitada rolar, é essencial ter uma boa conexão à internet.

    É aí que entra o 5G, a última geração da tecnologia. “No 5G, o tráfego de dados acontece quase em tempo real”, conta Marco Bego, diretor do hub de inovação do Hospital das Clínicas de São Paulo, que recentemente lançou a primeira rede privada 5G voltada ao SUS. Ela funciona com antenas de menor potência, para não interferir na rede pública, e permite adequar seu fluxo conforme as necessidades.

    “Se os dados viajassem numa autoestrada, é como se o 5G aumentasse de duas para dez ou 15 pistas”, compara Bego.

    + LEIA TAMBÉM: As mudanças no tratamento e na cirurgia do câncer de próstata

    6. A genômica está entre nós

    De testes que avaliam a propensão a doenças a análises que norteiam o tratamento, a era da genética chegou — fruto de décadas de pesquisas e do barateamento das tecnologias.

    “Hoje o que temos de melhor custo-benefício para os pacientes, dando uma grande quantidade de resultados com um valor mais acessível, são os exames de exoma, que buscam alterações genéticas ligadas a diversas condições”, explica David Schlesinger, CEO da Mendelics.

    Existem testes mais abrangentes, e que pesam no bolso, mas os de exoma já possibilitam visualizar o risco de problemas e orientar médicos e pacientes.

    Uma das áreas mais impactadas pela genômica é a oncologia. Fora apontar a propensão a determinados tumores, a análise de mutações direciona o tratamento de acordo com o tipo específico de câncer.

    As informações estão na corrente sanguínea: com a biópsia líquida, dá para rastrear a presença de traços de DNA de tumores com uma amostra de sangue. Ainda incipiente no país, espera-se que essa categoria de exames possa, no futuro, até flagrar a doença anos antes de ela começar a aprontar.

    Outro campo que vem dando as mãos à genômica é a psiquiatria. O olhar para o DNA pode auxiliar a identificar com precisão o transtorno mental e oferecer caminhos para quem não anda respondendo aos medicamentos — é significativo o número de pacientes sem diagnóstico correto ou sem melhoras com o tratamento prescrito.

    Os testes genéticos são animadores, mas é prudente limitar algumas expectativas. Já estão à venda exames que prometem personalizar a dieta ou o estilo de vida com base no DNA, mas os especialistas ainda torcem o nariz para a efetividade e a utilidade deles.

    “Sabemos que fatores genéticos influenciam o metabolismo, mas a decisão sobre quais alimentos consumimos e que exercícios fazemos é muito mais importante. Então você não precisa nem deve customizar recomendações com essa finalidade”, diz Schlesinger.

    Ora, ninguém precisa pagar por um exame para saber que deve comer vegetais, praticar atividade física ou parar de fumar.

    + O futuro das vacinas e das terapias

    Muito além do diagnóstico, a genética também se presta a aperfeiçoar a prevenção e o tratamento de doenças. Prova disso são os imunizantes à base de RNA mensageiro (mRNA), usados pela primeira vez contra a Covid-19 e nascidos de uma tecnologia revolucionária, que poderá render novas vacinas e tratamentos para outros problemas, como o câncer.

    Ao contrário das teorias da conspiração, as injeções de mRNA não alteram nosso DNA e vêm se mostrando bastante seguras.

    Representam um tipo de terapia genética, assim como aquelas que se valem de vetores para corrigir um gene com defeitos e a edição via Crispr, método que rendeu um Prêmio Nobel e busca recortar trechos específicos do genoma para tratar ou curar doenças.

    + LEIA TAMBÉM: Saiba quando vale a pena fazer um teste genético

    ilustração de mão robótica com frasco contendo micro-organismos
    (Ilustrações: Eugênio Medeiros e Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

    7. As promessas da microbiota

    Acredite: existe mais DNA bacteriano no corpo humano do que o nosso próprio DNA. Isso porque diversas partes do organismo (pele, boca, intestino…) hospedam comunidades microscópicas, principalmente bactérias. É a microbiota.

    No caso da intestinal, sabemos que um ambiente equilibrado ali é crucial para a imunidade e a produção de vitaminas, hormônios e moléculas como os ácidos graxos de cadeia curta, que protegem o órgão e interferem na absorção de nutrientes.

    Só que fatores como má alimentação, estresse e uso de antibióticos mudam a composição da microbiota e podem levar à disbiose — quando a convivência com os hóspedes deixa de ser harmônica.

    Esse processo, intensamente estudado, pode influenciar a resposta inflamatória a que o corpo está sujeito, o ganho de peso e o risco de uma série de doenças, não restritas ao aparelho digestivo.

    Há pouco mais de uma década, métodos de sequenciamento genético permitiram descobrir que existem assinaturas microbiológicas associadas a algumas doenças e determinar nossa predisposição a problemas de saúde. “Com isso, podemos prescrever uma dieta personalizada que contribua para adequar a microbiota”, conta o nutrólogo Dan Waitzberg, diretor do Ganep Nutrição Humana.

    Esse planejamento alimentar costuma incluir fibras prebióticas, que nutrem as bactérias benfeitoras já presentes no organismo, e probióticos, cepas de lactobacilos ou bifidobactérias fornecidas em bebidas lácteas, sachês ou cápsulas que, ao chegarem à nova vizinhança, trazem vantagens como melhora do trânsito intestinal ou da imunidade.

    Hoje inclusive é possível mapear a microbiota: basta colher uma amostra de fezes, de onde é extraído o material genético que será sequenciado em laboratório, descreve Waitzberg. O resultado é comparado com outras amostras e padrões para determinar as espécies e as características dos micro-organismos dominantes, e ajuda a balizar mudanças no cardápio e até tratamentos.

    + Transplante e até banco de fezes

    Nem toda microbiota é um antro de bactérias amigáveis. E, em casos extremos, quando um micróbio ruim se instala e não sai com antibióticos, uma solução é recolonizar o intestino com um pedaço de microbiota saudável.

    Isso é feito com um transplante de fezes de um doador: o material é analisado antes e, estando ok, introduzido no intestino do receptor. “Diante dessas infecções resistentes, quase 90% dos pacientes melhoram no primeiro transplante”, relata Waitzberg.

    A técnica, por ora, só é usada em emergências e casos refratários ao tratamento convencional.

    E, já que a microbiota pode mudar e piorar com a idade, que tal guardar uma amostra de fezes da juventude para utilizar um dia? Parece surreal, mas isso já é testado – e guardado em bancos de fezes a 80 graus negativos.

    + LEIA TAMBÉM: Entenda a importância de fazer a colonoscopia

    8. A mente não está mais de fora

    Enfrentar uma pandemia e o isolamento decorrente das medidas de prevenção teve impactos profundos no estado emocional da população. Segundo a OMS, os casos de depressão e ansiedade cresceram 25% no primeiro ano de Covid-19.

    No Brasil, sessões de terapia online ou via telefone já eram regulamentadas, mas a busca por esse tipo de serviço decolou. A verdade é que, mesmo antes da pandemia, a preocupação com a saúde mental do brasileiro já vinha se alargando: entre 2012 e 2018, o número de consultas com psicólogos saltou 116%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

    Embora ainda existam tabus a respeito, modalidades virtuais de terapia servem como um propulsor ao tratamento. “Boa parte das pessoas até gosta mais de fazer terapia por vídeo porque se sente mais confortável e menos inibida”, nota Ian Bonde, fundador e CEO da Vibe Saúde, startup de telessaúde com mais de 1,5 milhão de pessoas atendidas.

    Além de permitir que consultas sejam realizadas sem a necessidade de se deslocar até o consultório — algo extremamente vantajoso a quem sofre de fobia social ou síndrome do pânico, por exemplo —, plataformas de terapia online introduzem soluções mais atrativas para o início do tratamento e sua manutenção.

    “O digital está incorporado no dia a dia da maior parte dos usuários, e, como muita gente tem vergonha de falar com o psicólogo, é possível começar por meio de um chat ou só falar com o profissional por voz, não necessariamente com vídeo”, destrincha Bonde. Hoje, do total de consultas realizadas pela healthtech, 52% são voltadas à saúde mental.

    A incorporação de algoritmos e ferramentas típicas de redes sociais também já se materializou para os pacientes: pela plataforma, eles podem selecionar o profissional de acordo com a abordagem e as características que mais combinam com seu perfil, e inclusive já existem serviços de “match”, em que é feito um pareamento entre usuários e psicólogos a partir do preenchimento de questionários.

    + Apoio psicológico no trabalho

    A saúde mental tem se tornado um assunto cada vez mais presente e crítico dentro das empresas. E não à toa! Segundo um levantamento da Gattaz Health & Results, um em cada cinco brasileiros sofre com o burnout, o esgotamento decorrente do estresse no trabalho.

    “Companhias que há um ou dois anos percebiam o cuidado com a saúde mental como um benefício que davam ao funcionário hoje veem isso quase como um dever”, avalia Ian Bonde.

    “Para além de investir no bem-estar emocional das pessoas, vemos que é preciso empoderar os líderes das empresas para entender e atender as necessidades dos colaboradores”, defende Rui Brandão, CEO da Zenklub, plataforma que presta apoio psicológico a mais de 400 corporações.

    + LEIA TAMBÉM: O que precisa melhorar nas políticas públicas de saúde mental

    ilustração de vacina com estetoscópio
    (Ilustrações: Eugênio Medeiros e Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

    9. Pela democratização do acesso

    As inovações científicas e tecnológicas costumam levar tempo para chegar a boa parte da população brasileira e se disseminar pelo sistema público de saúde, que atende mais de 70% dos cidadãos no país.

    Os custos são elevados não apenas para adotar equipamentos, procedimentos e medicamentos modernos, mas também para contratar e treinar os profissionais aptos a utilizá-los.

    Isso acontece com a própria telemedicina. “Hoje o grande problema não é o dispositivo para fazer chamadas. O ponto complexo é a organização do sistema de saúde para poder prestar esse serviço”, afirma Jefferson Fernandes, que acaba de presidir o Global Summit Telemedicine & Digital Health, em São Paulo, com o lema “Saúde Digital para Todos”.

    Num país com tanta desigualdade social e regional, os gargalos do acesso a uma medicina qualificada representam um dos desafios mais urgentes.

    Em 2020, o Ministério da Saúde chegou a publicar um planejamento estratégico para estender a saúde digital pelo Brasil até 2028. Os primeiros passos englobam melhorar a infraestrutura de computadores e internet nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

    Para Fernandes, a parceria público-privada é uma alternativa para tirar os avanços do papel. “Já existem projetos, como o Proadi-SUS, em que instituições privadas com isenção tributária por filantropia aplicam a verba que iria para os impostos em projetos de telemedicina e apoio a UTIs no sistema público”, destaca o médico.

    Os especialistas concordam que, se contornarmos as limitações de recursos financeiros e humanos, a tecnologia poderá romper barreiras em todos os sentidos e ajudar a tornar o acesso a uma assistência de ponta algo mais palpável para quem hoje enfrenta filas e outras dificuldades no SUS.

    “Com tecnologia, não iremos diminuir a relação médico-paciente, mas focar no que mais importa numa consulta e promover a equidade de atendimento”, crava o cirurgião Sidney Klajner, que comanda o Einstein.

    + Mais moderno é igual a mais caro?

    O que há de mais sofisticado numa indústria normalmente tem um preço mais elevado. Com o setor de saúde não é diferente.

    E, em um país onde pode ser difícil conseguir o básico, a saída muitas vezes é partir para a judicialização para conseguir um tratamento de última geração. Nesse caso, a lei diz que o Estado deve fornecer o que o SUS não oferece a quem não tem condições de arcar.

    A questão é que isso não resolve os obstáculos de acesso de forma geral e onera ainda mais o sistema.

    Para driblar esse impasse, Fernandes prescreve usar as evidências científicas como bússola: “Não importa que seja um tratamento novíssimo e espetacular. Precisamos de provas de que funcione”. E de estudos de farmacoeconomia para indicar como ele pode ser incorporado e disponibilizado.

    + LEIA TAMBÉM: SUS, orgulho e desafio do Brasil

    10. O conceito de saúde única

    Quando se trata de ameaças à saúde, não basta pensar individualmente — nem só na nossa espécie. É essencial considerar os impactos que nossas ações (e omissões) podem causar na comunidade e no ambiente que nos cercam.

    Foi o que a pandemia de Covid-19 demonstrou, e o conceito de “saúde única” resume. O termo “one health” surgiu com diferentes entidades ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU) para alertar líderes e sociedades sobre a importância de considerar e preservar a humanidade, animais, plantas e o planeta como uma coisa só.

    É uma ideia ampla, que envolve não só a nossa qualidade de vida mas também nossas relações com a fauna e a flora. E que tem tudo a ver com a emergência de doenças infecciosas.

    O conceito veio à tona justamente a partir da detecção do aumento de zoonoses — problemas causados por vírus e outros patógenos que transitam entre animais e humanos —, como se acredita que tenha acontecido com a propagação original do coronavírus em 2019.

    Segundo o microbiologista Daniel Queissada, Ph.D. pela Universidade de São Paulo (USP), o desmatamento, a busca de novas ou mais fontes de proteína para alimentação e a expansão dos perímetros urbanos elevam a chance de vírus desconhecidos migrarem para outros hospedeiros e habitats.

    Ao promoverem o contato entre diferentes espécies e patógenos, esses fatores armam uma autêntica cilada. “Os animais têm seus micro-organismos naturais e, quando eles conseguem chegar até a gente e começam a sofrer mutações, podem surgir novas doenças e epidemias”, explica Queissada.

    Depois da Covid-19, o mundo está mais alerta, e hoje governos e empresas investem em ferramentas de monitoramento ambiental, sistemas de vigilância genômica e epidemiológica e até no desenvolvimento de plataformas de vacinas.

    No entanto, práticas mais sustentáveis no nosso dia a dia, na agropecuária, nas indústrias e no próprio setor de saúde precisam ser estimuladas em prol do equilíbrio do ecossistema do qual fazemos parte.

    + LEIA TAMBÉM: Entramos na era das pandemias?

    + Em alerta vermelho

    A pandemia do coronavírus não acabou, mas já existem outros focos de preocupação no radar da OMS.

    Para além de surtos e epidemias pontuais, a entidade monitora questões mais amplas, como o acesso ao saneamento básico e a uma alimentação segura e o risco de contato das pessoas com patógenos.

    Fora os vírus respiratórios, causam especial temor as superbactérias e os fungos resistentes a medicamentos — como o Candida auris, que teve seus primeiros casos confirmados no Brasil durante a Covid-19.

    A resistência microbiana é um problema tão assustador quanto o surgimento de novos agentes virais — e resultado do uso indiscriminado de medicamentos como antibióticos na saúde humana e na animal.

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