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10 gráficos para entender a crise na vacinação brasileira

Ela se arrasta há 10 anos, e um novo relatório mostra que maioria da população vive sob risco elevado de retorno de doenças evitáveis, como a poliomielite

Por Chloé Pinheiro, Maurício Brum, Valentina bressan, Clarice sena e Thiago Müller (texto); Estúdio Coral (design)
Atualizado em 22 jul 2025, 10h09 - Publicado em 22 jul 2025, 08h41
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Crise na imunização se arrasta no Brasil  (Nitas/Getty Images/Veja Saúde)
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Desde 2016, os gráficos da cobertura vacinal no Brasil lembram a descida de uma montanha — cujo cume antes dominávamos como poucas nações. Na pandemia, a situação piorou de vez, e chegamos a figurar entre os dez países com mais crianças desprotegidas contra doenças infecciosas no planeta.

O cenário melhorou, mas ainda está longe de ser o ideal. Tanto que, recentemente, voltamos a este ranking inglório, dessa vez entre os 20 países com mais crianças sem vacinas básicas.

O Anuário VacinaBR 2025, elaborado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), traça de forma inédita a profundidade desta crise.

A pesquisa congrega dados públicos de mais de 20 anos de vacinação no Brasil, entre 2003 e 2023. É a primeira a oferecer um panorama tão completo do tema, com análises de série histórica e outros recortes de relevância estratégica.

São vários os achados preocupantes. Mais de 80% da população brasileira vive em áreas com cobertura abaixo do ideal da dose que evita a poliomielite. A enfermidade traumatizou gerações no século passado, mas hoje mal é conhecida — como dizem por aí, as vacinas são vítimas do próprio sucesso.

Aliás, menos de 35% das cidades brasileiras atingem metas básicas de vacinação. “É preciso reforçar que os dados são de 2023, e os números estão subindo nos últimos anos. Então deve haver uma melhora em 2024, mas, ainda assim, a situação é ruim”, avalia a pediatra Isabella Ballalai, diretora da SBIm, que aponta a má comunicação como uma das justificativas para o cenário.

+ Leia também: A batalha pela vacinação

Ao ver tais notícias, o leitor pode pensar de cara nos efeitos das fake news e da polarização política. Mas essa é só a face mais visível (e talvez a menos importante) da crise, como reforçam as conclusões deste novo atlas da vacinação nacional. “O que mais chamou nossa atenção é a alta taxa de abandono vacinal”, destaca Paulo Almeida, diretor-executivo do IQC.

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O indicador representa a diferença entre as crianças que tomaram a primeira dose e não voltaram para as seguintes. “O Ministério da Saúde afirma que recuperou a cobertura do sarampo, mas, quando olhamos para a segunda dose, a taxa cai drasticamente”, pontua Almeida.

Em cinco estados brasileiros, a taxa de abandono das picadas contra o sarampo observada no anuário foi superior a 50%. Ou seja, mais da metade das crianças não voltou para completar seu esquema de proteção. “Isso é interessante porque mostra que a hesitação vacinal, a princípio, não é um problema, porque a pessoa levou o filho para começar a imunização”, raciocina o diretor do IQC.

E qual é, então, o problema? “A principal causa de não vacinação hoje são os obstáculos operacionais”, afirma a epidemiologista Carla Domingues, que durante anos dirigiu o Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Entram aí os casos de falta de vacina, posto fechado, dificuldade para ir até a unidade de saúde. Mas há, também, uma complacência em relação à necessidade de tomar todas as doses, além de uma desigualdade regional imensa, às vezes entre cidades vizinhas. Como mostram os gráficos a seguir, o desafio é amplo — e urgente.

1. Municípios com cobertura vacinal maior ou igual a 95%

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Clique na imagem para ampliar (Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)
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2. Taxa de abandono vacinal da tríplice viral

Ela evita sarampo, rubéola e caxumba, três doenças altamente contagiosas transmitidas através do ar, por gotículas de saliva de uma pessoa infectada.

A escassez de doses da tetraviral, introduzida em regime de testes em 2015 e que protege também contra a varicela, mudou o esquema de aplicação: hoje, a segunda dose da tríplice pode ser acompanhada de uma dose da monovalente contra a varicela.

Só que esse é um caso exemplar do abandono que costuma ocorrer ao longo da imunização: enquanto a cobertura nacional da 1ª dose da tríplice chega a 86,5%, na 2ª dose a média despenca a 54,4%.

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

+Leia também: Os números não mentem: entenda a matemática das vacinas

3. Desigualdades na cobertura da vacina Pneumo10

A vacina pneumocócica 10-valente, ou VPC-10, protege contra dez sorotipos de Streptococcus pneumoniae, bactérias que levam a quadros infecciosos graves — e não só pneumonia.

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Embora a maioria dos estados brasileiros apresente cobertura acima de 80%, essa vacina é um dos casos mais flagrantes de distinções na cobertura entre municípios vizinhos.

“Há um fenômeno comum de cidades-dormitório: uma elevada cobertura vacinal não no local de residência, mas na cidade frequentada pela população, inclusive para tomar vacina”, aponta Carla Domingues.

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

4. População brasileira exposta ao risco da poliomielite

Doença infecciosa viral que pode levar à paralisia infantil, a pólio está erradicada no Brasil há décadas. Mas o país, que chegava a superar os 100% de cobertura inclusive para reforços até meados dos anos 2000, agora não atinge a meta de 95% em nenhum estado.

Com imunização falha, o vírus pode voltar. “Tem-se a impressão de que a paralisia infantil já desapareceu no mundo, mas não é verdade. Temos casos na África, tivemos casos na Venezuela. O vírus está muito próximo da gente”, alerta a infectologista Heloísa Ramos, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

5. Queda constante nas coberturas de vacina contra meningite

A vacina meningite C resguarda contra a bactéria Neisseria meningitidis, responsável por casos graves de meningite, inflamação potencialmente fatal das membranas do cérebro.

O esquema vacinal básico exige doses aos 3 e 5 meses de vida, com indicação de reforço aos 12. A curva descendente desse imunizante não vem se recuperando e, em 2023, a primeira dose ficava 15 pontos percentuais abaixo da meta de 95% no país — beirando os 20 pontos de defasagem para a segunda dose.

A primeira picada é só o começo da jornada de imunização, e não garante sozinha a proteção das crianças.

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+Leia também: Meningite: vacina ACWY para bebês chega ao SUS

6. Aplicação da vacina contra hepatite A deixa a desejar em todo o país…

A imunização contra a hepatite A é feita com vacina em dose única, administrada aos 12 meses de vida da criança. A situação favorece índices melhores, já que não há possibilidade de abandono ao longo do ciclo, como invariavelmente ocorre em vacinas de múltiplas doses.

Em 2023, as únicas unidades da federação que permaneciam com números abaixo de 70% da população-alvo atingida eram Amapá e Rio de Janeiro. Mesmo assim, todos os estados seguem sem atingir a meta nacional de 95%, número que só foi alcançado em 2015, segundo ano após a vacina contra a hepatite A entrar no PNI.

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Clique na imagem para ampliar (Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

7. … E a de hepatite B também

Aplicada até 2012 como uma imunização à parte, a vacina contra a hepatite B passou a fazer parte do esquema pentavalente, que também cobre difteria, tétano, coqueluche e poliomielite.

Apesar de simplificar o processo, a nova formulação também sofreu com a queda nos números de modo geral. Feita em três doses indicadas ao longo dos primeiros 6 meses de vida, a adesão à vacina contra a hepatite B também cai gradativamente ao longo do esquema vacinal: em 2023, começou em 88,8% da população–alvo para a 1ª dose, com o número baixando para 81,9% ao fim do ciclo, na 3ª dose.

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

8. Nem a vacina aplicada na maternidade atinge a meta

A tuberculose, doença altamente transmissível causada pelo bacilo de Koch, é prevenida com a vacina BCG, que deve ser aplicada ao nascer (pessoas que não foram imunizadas no momento certo podem receber a vacina em qualquer idade).

Por ser aplicada ainda na maternidade e em dose única, ela mantém alguns dos melhores índices dentre todas as vacinas — mesmo assim aquém do desejado.

Em 2023, ano em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a tuberculose a doença infecciosa que mais matou no mundo, 22 unidades da federação ficaram abaixo da meta estabelecida no PNI.

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

9. Cobertura contra HPV melhorou, mas meninos ainda preocupam

A vacina reduz o risco de diversos tipos de câncer, mas passou por uma crise de confiança, felizmente superada. Originalmente feita em duas doses, a imunização passou a ocorrer em dose única em 2024, o que diminui as chances de abandono.

Hoje, para o sexo feminino, ela bate a meta. “Seria ótimo se pudéssemos ter dose única para todas as vacinas, mas isso depende da doença e do tipo de resposta que a fórmula gera”, explica Isabella Ballalai. “Nesse caso, estudos demonstraram que meninas que tomaram uma dose só tiveram bom resultado na prevenção do câncer de colo de útero.”

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

10. Todas as doses contra difteria, tétano e coqueluche estão com cobertura abaixo da meta

A proteção contra difteria, tétano e coqueluche era tradicionalmente feita por meio da vacina tríplice bacteriana DTP, posteriormente substituída pela pentavalente, que também nos defende contra poliomielite e hepatite B.

São indicadas três doses básicas da pentavalente nos primeiros seis meses de vida, com dois reforços com a DTP indicados até os 4 anos. As cinco aplicações estão abaixo da meta no Brasil: nacionalmente, a cobertura até a terceira dose fica em 81,9%; já quando se considera a adesão até o segundo reforço, o número fica em 65,5% da população-alvo.

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Clique na imagem para ampliar (Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

+Leia também: Bebê infectado com sarampo pela mãe não vacinada morre no Canadá

O que justifica a crise na vacinação e o que pode ser feito a respeito?

O anuário não aborda as causas da não vacinação. “A ideia é que os dados sejam usados por pesquisadores para entender melhor a situação”, diz Fernanda Meirelles, do IQC, uma das organizadoras do documento.

Parte do esforço do instituto nessa seara inclui, ainda, o Observatório VacinaBR, plataforma online que permite visualização ainda mais detalhada e atualizada dos números. Se espera que, com tal estofo estatístico, seja possível buscar novas respostas e saídas para a crise atual.

Os dados robustos mais recentes sobre o assunto eram de 2020, do Inquérito de Cobertura Vacinal. Ele mostra que entre as famílias que não vacinaram os filhos, 27% não o conseguiram fazer por dificuldades de acesso ao posto de saúde. Outras 25% afirmaram temer reações graves e 20% acreditavam que não era necessário porque as doenças não circulavam mais.

E isso há cinco anos, o equivalente a séculos na era das redes sociais e de mudanças, inclusive ambientais, ocorrendo em ritmo acelerado. É de esperar que, de lá para cá, muita coisa tenha mudado, em especial quanto à confiança nas vacinas.

“O que acontece no Brasil está inserido num contexto global de desinformação sobre as vacinas, como vemos atualmente com os Estados Unidos de Trump e nas declarações de Robert F. Kennedy Jr. [secretário de Saúde dos EUA] sobre o sarampo”, analisa o epidemiologista Carlos Dora, ex-coordenador de Saúde e Meio Ambiente da Organização Mundial da Saúde (OMS).

+Leia também: “As coisas ficaram muito sombrias nos Estados Unidos”

Melhorar o quadro passa, portanto, por reformular a comunicação atual. As fontes ouvidas por VEJA SAÚDE são unânimes na percepção de que as campanhas do Ministério da Saúde estão aquém dos desafios atuais — a pasta foi procurada, mas não se manifestou. E não basta desmentir desinformação, o que já é por si só um trabalho hercúleo.

É preciso reforçar e inovar as próprias mensagens sobre a relevância da imunização e o perigo oferecido por esse rol de doenças. Medidas comportamentais preventivas exigem lembretes constantes para que não caiam no esquecimento, como usar cinto de segurança e não fumar. Ainda mais quando as moléstias já não são tão prevalentes como eram no passado.

“Na maioria das vezes, a pessoa não é contra a vacina, só está protelando a ida por causa da correria da vida”, diz Ballalai, que defende o envio de avisos sobre as segundas e terceiras doses e a volta de campanhas ostensivas na TV. “Ainda é a principal fonte de informações para muitos brasileiros”, justifica.

Outra prioridade é investir em estrutura e recursos humanos para vacinar tanta gente.“Fomos de quatro vacinas nos anos 1970 para 17 no calendário básico, mas não aumentamos adequadamente o número de profissionais nem os capacitamos para lidar com esse cenário complexo”, afirma Domingues.

A adesão pode aumentar também com a ampliação de horários de funcionamento das unidades de saúde, criação de postos volantes em locais de grande circulação e a retomada da vacinação nas escolas — outra pauta sequestrada pela politização.

“Em mais de 80% dos casos, ainda é a mãe que leva a criança para tomar a vacina, mesmo que hoje mais de 50% delas sejam provedoras dos lares”, expõe Domingues. Se Maomé não tem mais tempo para ir à montanha, é preciso pensar em formas de levá-la até ele. Pelo bem de toda a sua família — e da nossa sociedade.

6 obstáculos para melhorar a vacinação no Brasil

Cumprir o calendário de vacinação não é só questão de vontade no Brasil. Eis os principais desafios:

Desinformação antivacina
Fake news sobre a segurança das fórmulas, propagadas inclusive por médicos, geram dúvidas entre a população, que passa a ver mais riscos do que benefícios na estratégia.

Desigualdades regionais
A falta de estrutura para distribuir e aplicar vacinas produz disparidades entre estados e até dentro deles. A Região Norte é exemplo dos desafios logísticos enfrentados.

Acesso aos dados é precário
Cientistas apontam desafios para consultar e padronizar informações que permitem entender e comparar a aplicação das vacinas, o que trava diagnósticos e soluções.

Problemas no registro das doses
Quem aplica nem sempre recebe o treinamento necessário para registrá-las no sistema ou tem tempo para isso. Apagões nos dados prejudicam um retrato da situação.

Falta de comunicação efetiva
Não é só negacionismo: mesmo quem quer vacinar por vezes não sabe quais doses precisa buscar (ou quando). É preciso refinar e intensificar as campanhas públicas.

Desconhecimento profissional
Muitas vezes, quem dá as vacinas não sabe explicar como elas agem ou o que fazer em caso de atraso, chegando até a desincentivar a aplicação. Capacitar é crítico nesse sentido.

Situação das vacinas da gripe e da dengue em 2025 preocupa

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Clique na imagem para ampliar (Design: Letícia Raposo/Estúdio Coral/Veja Saúde)

Fontes complementares: Evelin Plácido, CEO da Capacita Imune e especialista em saúde indígena; Gabriel Maia, cientista de dados do IQC 

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