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Risco de a poliomielite voltar ao Brasil é alto, advertem especialistas

Governo lança campanha de vacinação para tentar retomar coberturas, que estão em seus piores níveis. Casos nos Estados Unidos e em Israel reforçam alerta

Por Chloé Pinheiro
16 ago 2022, 14h53
vacina da polio
Campanha nacional de imunização vai até setembro e pretende vacinar mais de 11 milhões de crianças.  (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Divulgação)
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O Ministério da Saúde lançou recentemente uma campanha de vacinação contra a poliomielite em busca de retomar a cobertura ideal. A iniciativa vai até dia 9 de setembro, e é motivada pelas quedas drásticas na taxa de imunização contra essa e outras doenças evitáveis.

A cobertura atual está em 69%, um dos piores níveis da série histórica. Para garantir que a doença permaneça erradicada do país, ao menos 95% das crianças devem estar vacinadas, o que não acontece desde 2015. 

Em maio de 2022, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) incluiu o Brasil em uma lista de alto risco de reintrodução da poliomielite. “Estamos empatados com Haiti e Venezuela, e compartilhamos com esses países os pilares que facilitam a volta da doença”, aponta o infectologista pediátrico Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Além da vacinação precária, o Brasil não vigia a circulação do vírus no ambiente e não investiga adequadamente os casos de paralisia infantil. Foram essas medidas que fizeram o poliovírus ser detectado recentemente em dois países onde há tempos ele não era visto: Israel e Estados Unidos. 

Em abril deste ano, uma criança com paralisia foi diagnosticada com poliomielite no país do Oriente Médio. Outras seis crianças, assintomáticas e sem contato próximo com essa primeira, também foram infectadas. Em julho, um homem teve poliomielite em Nova York, maior cidade norte-americana. 

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O vírus também foi detectado nos esgotos da metrópole. “Isso sugere que ele está se espalhando silenciosamente na comunidade, e o caso detectado pode ser apenas a ponta de um iceberg”, comenta a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute. 

+ Leia também: Quais são os sintomas da poliomielite, que voltou às Américas após 30 anos

Em todos estes casos, os infectados não haviam sido imunizados, e o patógeno era o derivado da vacina oral, também chamada de Sabin. Explicamos: o vírus atenuado contido neste imunizante não é capaz de causar a doença em quem toma a gotinha, salvo raríssimas exceções, mas é eliminado nas fezes e se espalha no ambiente. 

“Com o tempo, este vírus circulante pode sofrer alterações genéticas espontâneas, em especial em locais de baixa cobertura vacinal, e se tornar capaz de provocar doença em indivíduos não vacinados”, explica o pediatra Juarez Cunha, presidente da SBIm. Ou seja, é a falta de vacina – mais uma vez – que favorece a disseminação dessa cepa.

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As diferentes vacinas da pólio 

Existem duas vacinas usadas mundialmente contra a doença: a atenuada, ou Sabin, que mencionamos acima, e a Salk, injetável, feita com o vírus inativado. A primeira, mais barata e capaz de despertar uma imunidade maior e por “tabela” (justamente pelo fato de o vírus se disseminar no ambiente), é mais usada em países em desenvolvimento.

No Brasil, ela só entra em cena no SUS depois de três doses inativadas aplicadas no primeiro ano de vida, que não são capazes de provocar doença. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é que a vacina Sabin seja progressivamente substituída pela Salk. 

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Enquanto isso não acontece, o ideal é tomar a vacina, seja ela atenuada ou inativada. “Com a queda acentuada na cobertura, a possibilidade de uma cepa vacinal se reverter e causar doença é preocupante. Isso sem falar na possibilidade de reintrodução do vírus selvagem, que ainda circula em dois países”, alerta Denise. 

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O patógeno derivado da vacina não tem a mesma capacidade de transmissão do vírus selvagem, mas a doença provocada por ele é a mesma. O leitor deve se perguntar: por que, então, seguir usando esse imunizante? 

Primeiro porque, como dissemos, ele protege contra as duas versões da infecção. Segundo porque o poliovírus pode, assim como o causador da varíola, tornar-se o segundo vírus erradicado do planeta. Para isso, contudo, é preciso manter a cobertura vacinal e ampliá-la nos países onde o patógeno ainda circula, o que não tem acontecido. 

Falsa sensação de segurança 

A poliomielite, que causa paralisia infantil e pode ser fatal, chegou a ser uma das doenças mais temidas no mundo. Com o advento das vacinas, passou de pesadelo público a ente praticamente desconhecido. O último caso detectado no Brasil aconteceu em 1989 – o país recebeu o certificado de erradicação da doença em 1994. 

Mas, com o contexto atual, a situação pode mudar. Vale dizer que isso já aconteceu com o sarampo. Em 2019, a doença voltou de vez e perdemos o certificado de nação livre do vírus. Em 2021, foram quase 700 casos confirmados no Brasil.

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Outra questão é a falta de vigilância das paralisias flácidas (um tipo específico de perda de movimentação aguda) em crianças. “Temos uma estimativa de quantos casos provocados por outras doenças devem haver anualmente no país, e todos devem ser investigados para descartar a poliomielite. Mas não encontramos esses casos, o que significa que há algo de errado”, explica Kfouri. 

Queda generalizada pode levar à volta de mais doenças 

A questão vai além da pólio. Três em cada dez crianças não receberam as doses necessárias para protegê-las de doenças perigosas como o próprio sarampo, a caxumba e a rubéola.  

+ Leia também: Os números não mentem: entenda a matemática das vacinas

A falsa sensação de segurança, para os especialistas, é um dos principais fatores para a queda na imunização, mas não só. “Também temos o fator conveniência, porque os horários de atendimento dos postos são limitados. E há o fator confiança, que está em cheque”, pontua Cunha. 

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Até 2019, o movimento antivacina era tido como irrelevante no Brasil. “Porém, tivemos um aumento significativo de desinformação patrocinada inclusive por autoridades e profissionais de saúde, com discursos que levam à dúvida”, destaca Cunha. 

O presidente da SBIm acrescenta outro fator: “Não temos mais campanhas publicitárias marcantes e exitosas como no passado, com participação do presidente, de outros políticos e celebridades”. 

A campanha atual é para todos 

Até o 9 de setembro, o Ministério da Saúde pretende proteger no mínimo 11 milhões de menores de 5 anos com a vacina oral, a do vírus atenuado. As crianças que já receberam essa fórmula podem (e até devem) tomar novamente, desde que tenham sido imunizadas com a versão inativada no primeiro ano de vida. 

A pasta também aproveita para promover, simultaneamente, uma campanha de multivacinação para atualização da carteirinha de vacinação de crianças e adolescentes. Basta procurar o posto de saúde mais próximo. É gratuito, é seguro e salva vidas.

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