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Neurocientista adverte: as telas são um perigo para os nossos filhos

Em livro lançado no país, pesquisador francês rebate noções como a de "nativos digitais" e elenca os impactos do uso de telas no desenvolvimento infantil

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 7 out 2021, 09h56 - Publicado em 6 out 2021, 12h30
Passar muito tempo no celular pode fazer mal para a criança
Uso abusivo de telas compromete desenvolvimento intelectual e emocional dos mais novos.  (Foto: GI/Getty Images)
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“Constante bombardeio perceptivo; desmoronamento das trocas interpessoais (especialmente intrafamiliares); perturbação tanto quantitativa quanto qualitativa do sono; amplificação das condutas sedentárias; e insuficiência de estimulação intelectual crônica…”. Eis um resumo do que as telas podem fazer com as crianças nas palavras do neurocientista francês Michel Desmurget, autor do recém-lançado A Fábrica de Cretinos Digitais (Vestígio).

Como o título anuncia, aguarde pedradas — cada uma delas embalada em diversos estudos — contra a onipresença de celulares, tablets, videogames, internet e redes sociais na rotina dos mais jovens. O autor, que é diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França, recorre à sua experiência na neurociência cognitiva e a centenas de trabalhos feitos com crianças e adolescentes mundo afora para construir a tese de que o uso abusivo de telas está piorando o desenvolvimento físico, psíquico e emocional da nova geração.

foto da capa do livro
(Foto: Editora Vestígio/Divulgação)

A Fábrica de Cretinos Digitais
Autor: Michel Desmurget
Editora: Vestígio
Páginas: 352

E digamos que ele é bem convincente! Como pai de um bebê de 6 meses, fiquei assustado com o impacto de algumas horas diárias de vídeos ou joguinhos pelo celular na cabeça e no corpo da criançada. Desmurget não é um luddista que prega a destruição de smartphones e companhia. Ele reconhece o lado bom da tecnologia. Mas, e aí soa o alerta, as famílias (e as corporações da área) perderam a noção.

É verdade que o livro foi publicado originalmente na França antes de a pandemia explodir. E, com o isolamento social, milhões de meninos e meninas tiveram que ficar confinados em casa e inclusive assistir às aulas pelo computador. Nem por isso os argumentos do professor perdem sua validade. Talvez pelo contrário: a Unicef já visualiza uma avalanche de transtornos mentais entre os mais novos, enquanto especialistas concordam que o aprendizado virtual não substitui o presencial.

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+ LEIA TAMBÉM: Como a pandemia mudou o comportamento das crianças

O fato é que a preocupação de Desmurget não está centrada na aplicação mais educativa das telas. É o uso recreativo que pega! Do que estamos falando? De bebês abduzidos por vídeos no YouTube, molecada jogando videogame a rodo, adolescentes hipnotizados por redes sociais… e até a cena clássica de pais e filhos vendo horas ininterruptas de TV.

Reunindo farta documentação científica, o pesquisador francês explica que o uso exagerado de telas compromete o desenvolvimento emocional e intelectual, uma vez que as crianças deixam de interagir com gente como a gente e abrem mão de atividades mais instigantes aos neurônios, como a leitura.

(Um parêntese interessante e relevante, visto que a exposição aos meios digitais é cada vez mais precoce: para o bebê, nada substitui o contato e as brincadeiras com seres humanos de verdade. Nenhum bicho de pelúcia ou celular é páreo).

Há também o efeito físico: mais horas vidrado numa tela significa menos horas com o corpo em movimento. E aí está a epidemia de obesidade infantil para demonstrar a consequência de tanto sedentarismo. Outra repercussão preocupante, e que bagunça o organismo todo, ocorre com o sono: tanto a quantidade como a qualidade do repouso noturno saem prejudicadas, sobretudo se o consumo de jogos, vídeos e afins acontecer depois que o sol se põe.

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Desmurget não poupa o verbo para refutar teorias pró-tecnológicas largamente citadas hoje em dia. A primeira é a noção de nativos digitais — a ideia de que as crianças do século 21 já nascem sabendo mexer com smartphones e computadores. Bobagem, segundo o neurocientista. O ser humano carrega o mesmo cérebro de milhares de anos atrás e, se o bombardeio digital mexeu com nossos neurônios até agora, deve ter sido para pior. O professor argumenta que a exposição a telas não muda os circuitos neurais a ponto de deixar os pequenos mais espertos. Tanto crianças como adultos, quando treinados, aprendem a utilizar as ferramentas tecnológicas.

Outra ilusão, na visão do estudioso, é a de que videogames tornam os jovens mais habilidosos e inteligentes. Jogos educativos até têm sua razão de existir, mas afirmar que games que simulam a vida real ou são cheios de conteúdos violentos estimulam o desenvolvimento cerebral não tem embasamento técnico. Desmurget desconstrói essa hipótese e ainda recorre a diversas pesquisas para provar que adolescentes expostos a jogos da pesada (caso de GTA) estão mais sujeitos a violência e comportamentos de risco.

Quando e quanto liberar?

Ok, mas então quando liberar as telas? E o que seria um consumo adequado na infância? Qualquer pai ou mãe, vivendo ele próprio com o celular na mão, sabe que essas são as perguntas mais desafiadoras. Se pegarmos a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o uso de telas, com bom senso, só pode começar a partir dos 2 anos de idade. Pois Desmurget é bem mais radical quanto a isso: o cenário ideal é nada de telas até os 6 anos.

Dos 6 em diante, no máximo meia hora de tela por dia, passando a 60 minutos a partir dos 12. Aqui cabe ponderar que o autor enfatiza muito o consumo recreativo — ainda mais com a Covid-19, sabemos que, por força das circunstâncias, crianças mais velhas às vezes precisam estudar a distância.

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LEIA TAMBÉMFamília digital: o abuso de telas cobra um preço alto de todos

Na obra, o neurocientista lista e explica muitos outros cuidados, incluindo evitar vídeos e games antes de ir à escola e antes de dormir, não ter telas no quarto, limitar o tipo de conteúdo a que os pequenos são expostos etc. Tudo isso, claro, depende dos pais, cuidadores e demais familiares.

Então, sim, teremos que ser mais pacientes, mais presentes no convívio, mais ativos e criativos nas brincadeiras e mais responsáveis. Não dá para terceirizar a criação às telas, até porque as grandes companhias por trás dessas plataformas só querem que, a despeito da idade, a gente fique horas e horas submersos nelas. Há mais vida e saúde lá fora!

 

 

 

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