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Como lidar com a ansiedade em crianças?

Medo de ficar sozinho, de falar e de ir à escola: os sintomas de ansiedade em crianças podem até parecer normais - mas não podem ser ignorados

Por Maria Joana de Avellar (da Superinteressante)
Atualizado em 22 mar 2023, 11h20 - Publicado em 21 jun 2017, 18h37

A cena é um clássico do começo de ano nas escolas de todo o mundo. Enquanto algumas felizardas recebem apenas um aceno de longe, outras mães, tentando deixar as crianças, enfrentam choro e ranger de dentes de desespero. Quem não conhece uma criança que parece birrenta? Ou que segue dormindo na cama dos pais depois de grande? Nossas lembranças de uma infância plenamente feliz são filtros. Crescer e adaptar-se ao mundo é essencialmente angustiante, o que causa ansiedade. Mas, quando a criança não relaxa nunca, não quer sair de casa, não consegue ficar sozinha, sua ansiedade pode ter se tornado doença.

A ansiedade é uma das patologias psiquiátricas mais comuns nas crianças, atrás apenas dos Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e de conduta. Cerca de 10% dos pequenos sofre de algum transtorno ansioso, e cinco em cada dez passarão por algum episódio depressivo por causa dela. É necessário estar atento, também, à ansiedade que não chega a ser um transtorno, mas que traz sofrimentos e prejuízos cotidianos, como diminuição da autoestima.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) tem um novo olhar sobre os quadros psiquiátricos em geral, em particular os de ansiedade. Antes, separavam-se os de início específico na infância; hoje, estão todos catalogados sem divisão de faixa etária. Isso significa que os transtornos presentes em crianças e adolescentes não são mais vistos como menos graves.

Os mais frequentes na primeira fase da vida são o transtorno de ansiedade de separação, o transtorno de ansiedade generalizada e as fobias específicas (medo de animais, de avião, de elevador…), seguidos pela fobia social e o transtorno de pânico. Apesar da existência de um quadro clínico para cada um, a maioria das crianças apresentará mais de um transtorno ansioso – a chamada comorbidade.

Quando ansiedade é doença?

A terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem eficácia comprovada no tratamento de distúrbios ansiosos, vê que os indivíduos com ansiedade percebem o mundo como um lugar perigoso, que exige constante vigilância. Além disso, são sensíveis demais a estímulos que sugerem reprovação, e sofrem de autocrítica exagerada.

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Coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, Fernando Ramos Asbahr compara a percepção do ansioso a um sensor desregulado de incêndio, que alaga um prédio inteiro por conta de um riscar de fósforo. “A ansiedade pode até atrapalhar o desenvolvimento, mas o problema é quando altera o dia a dia. A criança não consegue ir para a escola, não entra numa loja, tem problemas de convivência”, afirma.

Pais nervosos, filhos ansiosos

Tanto por características do ambiente em que são criados quanto pela herança biológica, a ansiedade dos pais tem influência crucial na saúde dos filhos. “O maior fator de risco de uma criança ou adolescente é ter um pai ou mãe ansioso”, diz Asbahr. Há casos em que os pais sentem-se fragilizados frente à prole, e acabam não segurando a barra de ser um ponto de referência e segurança. É também por isso que o envolvimento dos pais na terapia é fundamental para o sucesso do tratamento.

No transtorno de ansiedade da separação, os adultos têm um papel determinante. Com aparecimento precoce, ele é caracterizado pela dificuldade da criança em ficar sozinha e se adaptar na escola, incompatível com o seu nível de desenvolvimento. Os sintomas, que acometem principalmente crianças na faixa dos 6 a 8 anos, caracterizam-se por preocupações excessivas quanto aos perigos que envolvem os pais ou a si próprio, relutância em estar desacompanhado deles e a dificuldade em adormecer ou dormir fora.

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“O pai ou mãe ansioso, que acha que o filho vai sofrer na escola, deixa o filho ansioso”, diz Asbahr. Por outro lado, ele afirma que, em certos casos, a ansiedade auxilia no diagnóstico. “Pais que sofreram na infância pensam ‘eu sei o que ele está sentindo, eu tinha isso’. Se a pessoa teve prejuízo pela ansiedade, vai sentir empatia, e isso é bom.”

Usar técnicas de relaxamento e respiração com os pequenos, expor devagar os filhos a circunstâncias diferentes e, principalmente, não se zangar, mas trabalhar em conjunto com as crianças para superar as dificuldades são dicas importantes para os pais.

Tratamento

A TCC costuma ser a primeira escolha para os psiquiatras infantis. “O uso da medicação está associado à intensidade: se não é um quadro tão grave, trata-se de uma segunda opção. Mas se a pessoa não responde, se não há uma participação total do paciente e da família – principalmente no caso de crianças menores -, não funciona.”

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Quando esse tratamento não tem sucesso, a combinação de medicação e terapia costuma ser eficaz. São indicados antidepressivos inibidores da captação da serotonina, começando por um período de seis meses, um ano.

O tratamento não medicamentoso é de exposição: “se a criança tem medo de cachorro, vai se aproximando. O que está por trás da ideia é a pessoa ir se habituando, mudando o significado, tirando a importância do medo.”

Falta muito?

A vida agitada, a agenda lotada e a tecnologia sempre disponível tornaram a paciência uma qualidade que não se desenvolve sozinha. A formação atual das famílias faz com que os filhos, sem irmãos, não tenham que esperar a sua vez para nada.

Crianças não precisam nem ao menos aguardar seu desenho favorito passar na televisão: podem assisti-lo a qualquer hora, em qualquer plataforma e lugar. É comum observarmos os pequenos absortos em tablets e celulares em restaurantes, para que todos jantem em tranquilidade.

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As soluções ao alcance de um clique causam ansiedade, e não apenas nas crianças. Isso piora quando os pais, para compensar a menor disponibilidade de tempo, satisfazem todas as vontades da criança. Crer que o mundo é um lugar adaptado aos seus desejos cedo ou tarde traz sofrimento, e constatar que o planeta não gira ao redor deles nem sempre é fácil.

Ensinar paciência exige envolvê-los nas situações: explicar a necessidade da espera e ensinar brincadeiras que não incluam tecnologia para que se distraiam. É preciso falar sobre o que está acontecendo quando estão no supermercado, por exemplo, em vez de excluí-los dessas atividades.

Ao compreenderem que existe um processo para que as coisas fiquem prontas ou aconteçam, crianças tornam-se mais felizes. A paciência melhora o aprendizado e diminui a ansiedade, já que elas aprendem a ouvir, pensar antes de falar e argumentar.

O gato comeu sua língua?

A timidez, tão comum nos pequenos, é um traço da personalidade em construção que deve ser monitorado. Você provavelmente teve um colega que não se manifestava na classe, ou foi um deles. Não tirava suas dúvidas, tinha vergonha de falar besteira, de mostrar nervosismo, de se expor. A inibição comportamental está associada ao medo de novidades, e inclui características como introversão, esquiva e medo de pessoas estranhas.

Protegidos em demasia pelos pais, meninos e meninas com esse perfil tornam-se ainda mais retraídos, formando um ciclo vicioso e ganhando cinco vezes mais chances de desenvolver fobia social. Portadores do transtorno têm pavor de passar vergonha e sofrem de medo persistente ou desproporcional em situações em que julgam estar expostas à avaliação dos outros.

O mutismo seletivo, quando a criança fracassa ao tentar falar com pessoas que não são de seu círculo mais próximo, também está associado ao temperamento tímido. Por não conseguirem iniciar conversas ou responder, além de se recusarem a abrir a boca na escola, podem ter prejuízos educacionais.

É normal que os problemas passem batido, já que o tímido ansioso não perturba tanto quanto o hiperativo. Mas a angústia ansiosa costuma se manifestar fisicamente. Ao ouvirem reclamações constantes referentes a disparos do coração, mal-estar gástrico, tremores, certos pais rondam por emergências e hospitais pediátricos sem encontrar explicação para as queixas dos filhos, que está na cabeça e não no corpo.

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Este conteúdo foi publicado originalmente na Superinteressante.

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