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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Outro vírus à espreita: lá vem a gripe

Ainda que o coronavírus tenha roubado a cena, nosso colunista explica quem é e como se comporta o vírus influenza, que protagoniza a temporada da gripe

Por Paulo Eduardo Brandão
Atualizado em 1 abr 2021, 20h22 - Publicado em 1 abr 2021, 18h17
ilustração do vírus da gripe
Reconstituição do vírus influenza H1N1, responsável pela última pandemia de gripe, em 2009. (Ilustração: Erika Onodera/SAÚDE é Vital)
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Em 1510, na Europa, na África e na Ásia, um número expressivo de pessoas adoecia e morria com febre, tosse e dificuldade respiratória. Era uma pandemia. Ocorrendo muito antes da revolução microbiológica do século 19, atribuía-se a causa daquela e de outras doenças parecidas a miasmas, ao desequilíbrio dos humores do organismo, ao frio e aos astros, que exerciam certa influência sobre o estado e a saúde do ser humano. É do italiano influenza que deriva o nome do vírus da gripe.

Em 1918, outra pandemia de influenza alastrou-se junto à Primeira Guerra Mundial. Ela se espalhou a partir dos Estados Unidos, levando à morte ao menos 50 milhões de pessoas. Ficou conhecida injustamente como gripe espanhola, porque os jornais desse país não estavam atados pela censura durante a guerra e foram os primeiros a noticiar o perigo.

O vírus influenza, causador da gripe, divide-se nas espécies virais A, B e C. O grupo do tipo A é o mais comum nas gripes anuais e naquelas que, às vezes, desatam pandemias. Esses agentes infecciosos têm nome e sobrenome derivados de duas proteínas que aparecem em seu envelope. O nome H vem da hemaglutinina; o sobrenome N vem da neuraminidase.

O vírus que causou a pandemia de 2009 era o H1N1. Outro tipo frequente em humanos é o H3N2. Na família do influenza tipo A, alguns vírus são pouco enquanto outros são altamente patogênicos. E, para complicar, os primeiros podem dar origem aos segundos.

No microscópio, esses vírus da gripe até se parecem com os coronavírus, mas, em termos genéticos, são completamente diferentes. O genoma do influenza é um RNA separado em oito pedaços independentes, como se fossem cromossomos, que ficam guardados no interior da partícula viral. Cada segmento de RNA acumula pequenas mutações e elas são as responsáveis pelos casos anuais de gripe que, ainda que não sejam pandêmicas, provocam milhares de mortes.

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Essas pequenas mutações também são consideradas pelos cientistas quando se atualiza a safra de vacina da gripe todos os anos. E, em tempos de Covid-19, vacinar-se contra a gripe e todas as outras infecções possíveis ajuda a não sobrecarregar os já fragilizados hospitais brasileiros.

Acontece que os influenza têm mais um truque na sua manga evolutiva, algo de que os coronavírus não dispõem. Quando dois tipos virais infectam as mesmas células de um hospedeiro, podem acabar se embaralhando. Aqueles pedaços de RNA se misturam e a nova prole fica com alguns pedaços de um vírus-mãe, alguns pedaços do outro. É como se fosse uma reprodução viral sexuada.

Se isso acontece, um vírus influenza A de galinhas altamente patogênico pode se mesclar com um vírus influenza A humano e o resultante é um patógeno capaz não só de infectar pessoas como causar uma gripe ainda mais potente e letal nelas. Mas vírus influenza puramente aviários não infectam tão bem os seres humanos (e vice-versa). E é aí que entram os porcos.

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Esses mamíferos recebem vírus influenza A de todas as origens e podem sediar seu embaralhamento. Foi o que aconteceu em 1918 e 2009, nas pandemias já mencionadas. E certamente vai acontecer de novo!

Aves silvestres, sobretudo patos e gansos, carregam uma imensa constelação de vírus influenza e os distribuem em suas rotas migratórias, por onde galinhas, porcos e seres humanos vivem. Assim, o caldeirão genético para a próxima pandemia de gripe já está no fogo.

Lições para o presente e o futuro

Será que aprendemos algo com as pandemias de gripe? Em 1918, não havia vacina para a doença, mas já tínhamos as recomendações de usar máscara, evitar multidões e manter o distanciamento social. Na pandemia da Covid-19, o vírus não é o da gripe, mas muitas orientações seguem as mesmas — ainda que nem sempre sejam adotadas.

Já temos vacinas contra o coronavírus, mas, em países como o Brasil, seu efeito na saúde pública ainda não foi sentido, dada a deficiência de cobertura. E ainda vemos tratamentos sendo preconizados — cloroquina, ivermectina, ozônio… — mesmo sem ter eficácia comprovada. Isso também ocorreu nas pandemias mais antigas de gripe, em que se prescreviam terapias que não funcionavam, como sangrias e laxantes.

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Um ano antes da primeira pandemia reconhecida de gripe, o pensador holandês Erasmo de Roterdã escreveu, com genial sarcasmo, o livro Elogio da Loucura (clique para comprar), onde se lê: “Sejam sãos, aplaudam, vivam, bebam, oh, célebres iniciados nos mistérios da Loucura”. Quinhentos anos mais tarde, suas palavras descrevem com acurácia espantosa nosso comportamento frente a esta e às próximas epidemias.

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