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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Deltacron: a nova variante no ar e o “sexo” dos vírus

Nosso colunista esclarece como o "troca-troca" genético dá origem a versões recombinantes do coronavírus, caso da nova variante Deltacron

Por Paulo Eduardo Brandão
Atualizado em 21 mar 2022, 10h48 - Publicado em 21 mar 2022, 10h44
nova variante deltacron
Cientistas continuam de olho nas recombinações e novas variações do coronavírus.  (Ilustração: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
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As recombinações do vírus da Covid-19 são a mais nova febre (trocadilho intencional!) a assolar o planeta, reaquecendo temores e inseguranças na nossa já combalida vida pandêmica.

Mas também são uma oportunidade de aprendermos muito mais sobre o mundo viral. Imagine a variante Delta e a Ômicron juntando os trapos: o resultado pode ser uma Deltacron.

A primeira coisa que tem que acontecer para uma recombinação do Sars-CoV-2 ser bem-sucedida é que ao menos dois coronavírus geneticamente diferentes consigam infectar não só a mesma pessoa, mas também a mesma célula.

Essa não é uma etapa exatamente difícil. Se duas ou mais variantes do vírus estiverem por aí, saltando de pessoa em pessoa livremente, a coinfecção é bem provável de ocorrer. Elas infectam a mesmíssima célula pelos mesmos caminhos e passam a compartilhar os recursos da nova “casa”.

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Ambas podem gerar seus próprios descendentes, sem se misturar. Pode ser que as duas famílias virais tenham êxito; pode ser que só uma delas tenha, a depender da competição.

Quando essas linhagens do vírus estão se multiplicando, durante uma das fases do processo, a replicação do seu genoma (RNA), proteínas virais chamadas replicases agarram o começo da fita de RNA e montam uma cópia, mais ou menos fiel à original.

+ LEIA TAMBÉM: O virologista Paulo Eduardo Brandão desmistifica o universo dos vírus

Só que há um problema: as replicases nem sempre se agarram à fita de RNA com força suficiente e acabam se soltando no meio do processo de copiar. Tudo que essas proteínas querem é se ligar de novo e continuar o trabalho. Mas imagine quão improvável é a replicase conseguir se religar bem naquele ponto em que a operação parou.

Se isso der certo, tudo bem: a cópia continua sendo montada segundo o script e a replicase encerra seu trabalho. Só que as coisas se complicam quando há dois vírus diferentes, com dois genomas diferentes, ali dentro das células. Se esses genomas forem parecidos, como no caso de duas variantes do Sars-CoV-2, a tal da replicase pode se desligar da RNA do vírus X e acabar se ligando, por engano, no RNA do vírus Y.

E qual o resultado? Um genoma que vira um tecido de retalhos! É como mudar a cor do lápis que estamos usando para desenhar uma linha reta no papel. Mas imagine de novo: é bem improvável que a replicase salte de uma fita da variante X e se ligue no lugar certo do genoma da variante Y para que a fita resultante (a recombinante Z, digamos) seja viável.

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De fato, a maioria das recombinações entre genomas virais resulta em sequências terríveis para os vírus. É uma prole incapaz de se reproduzir e de infectar células. Uma entidade sem pé nem cabeça. As recombinações não são raras, mas bem mais comuns do que imaginamos. Essa não é a parte difícil da história.

O difícil mesmo vem agora: é o vírus recombinante ser viável e obter sucesso para se multiplicar e ser transmitido por aí. Para isso acontecer, ele precisa ter um genoma íntegro e que dê ao vírus habilidades como escapar do sistema imune do hospedeiro, ampliar o número de hospedeiros e melhorar sua capacidade reprodutora. Ou não! Mesmo que o recombinante seja neutro em termos de vantagens, só ter pé e cabeça já é um grande começo para ele.

Se restou alguma dúvida, vamos dizer que a recombinação viral é como se fosse o sexo dos vírus. Só que as relações podem ocorrer entre famílias e espécies virais diferentes! Para o coronavírus, não tem nada de novo nisso. Coronavírus de cães, gatos e porcos já se recombinaram pelo mundo diversas vezes.

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O principal fator limitante é a capacidade de vírus diferentes infectarem o mesmo hospedeiro. Eles acabam barrados pelos tipos de receptores que estão nas células desta ou daquela espécie.

Em laboratório, uma das dificuldades é afirmar se estamos vendo realmente uma recombinação ou se temos dois ou mais vírus infectando a célula ao mesmo tempo de modo independente. E aí chegamos à Deltacron, a nova variante do Sars-CoV-2.

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Os primeiros relatos a respeito dela geraram essa dúvida, daí a demora para a confirmação, algo que só foi possível com um bom poder laboratorial à disposição.

Até o momento, a presença da Deltacron no país não foi confirmada em definitivo. O ministro da Saúde chegou a falar em dois casos na região Norte. Mas o que esperar se ela chegar de vez e se espalhar por aqui?

Primeiro, ela não é mais agressiva que as suas genitoras, a Delta e a Ômicron. Segundo, não escapa do esquema vacinal completo. Terceiro, não se transmite mais ou menos que as anteriores.

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Outras variantes vão surgir ou já estão por aí. Recombinantes, idem. Precisamos encontrá-las antes que elas nos encontrem para poder saber se são vírus sem pé nem cabeça ou elementos temerários. Encurtando uma citação magnífica da cientista polonesa Marie Curie, temos que “entender para não temer”.

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