O médico que quer viver somente até os 75 anos
Em visita ao Brasil, oncologista americano discute os principais desafios da saúde e critica o desejo universal de prolongar cada vez mais a vida
Ezekiel Emanuel, esse aí da foto, possui um daqueles currículos de dar inveja. Chefe da disciplina de ética médica e políticas de saúde da americana Universidade da Pensilvânia, ele também já deu aulas na Universidade Harvard e atuou como diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.
Além de sua forte atuação acadêmica, o professor ficou conhecido pelo público ao escrever o artigo Why I Hope to Die at 75 (Porque espero morrer aos 75, em tradução livre) no site The Atlantic, em que reflete sobre a busca incessante da humanidade e da ciência em alongar a expectativa de vida e quais os problemas que isso acarreta.
Emanuel esteve no Brasil recentemente para participar do Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp) e encontrou uma brecha na agenda para conversar com este blog:
Por que, num mundo que sonha em chegar bem aos 100 anos, o senhor quer viver somente até os 75?
Eu acho que existe uma certa obsessão coletiva em ter uma vida extremamente longa. Acredito que não devemos nos preocupar tanto com a quantidade de anos, mas, sim, com a qualidade de vida. Nosso objetivo como seres humanos não deveria ser viver mais, mas ter uma vida boa. Precisamos mudar esse foco.
Por que essa ideia de imortalidade é tão sedutora para a nossa sociedade?
Há uma base biológica para isso. Viver mais é realmente sedutor como você mesmo disse. Fora que existe uma questão de ego envolvida. As pessoas acham que são muito importantes para morrer. Acreditam que a sociedade perderia um grande valor com a ausência delas.
Esse tipo de pensamento é ainda mais forte entre os bem-sucedidos, que geralmente não conseguem vislumbrar a existência de um mundo sem eles. A verdade é que a roda continuará a girar e virão outras pessoas importantes e interessantes, assim como aconteceu no passado.
E por que o senhor estabeleceu esse limite de 75 anos?
É que a partir desse ponto todas as nossas habilidades começam a decair naturalmente. A criatividade não é mais a mesma. O corpo não responde mais como outrora. Aos poucos, os processos mentais também ficam naturalmente lentos. Nossos amigos e familiares morrem.
Não é legal passar por todos esses acontecimentos e, claro, nós devemos ter consciência disso. Trata-se de um processo que vamos lidar mais frequentemente com o aumento da expectativa de média da população. A ideia do artigo foi provocar e chamar atenção para esses pontos e mostrar que não é tão fácil assim ter 90 anos ou mais.
Você acredita que com os avanços da ciência nós conseguiremos ultrapassar a barreira dos 100 anos de vida?
O limite que o corpo humano aguenta parece ser 120 anos. Não há evidência científica de que consigamos ir muito além disso.
Mudando de assunto, seu trabalho na universidade envolve pensar os sistemas de saúde. Quais os principais desafios que teremos na prevenção e no tratamento de doenças?
Em primeiro lugar, existem muitos problemas estruturais em todos os países. No futuro, será necessário mudar a forma como pensamos em saúde. Precisaremos ter mais atenção com doenças crônicas, como diabetes, asma e hipertensão. Eles já consomem a maior parte dos gastos desse setor nos Estados Unidos.
O objetivo é desenvolver novos meios de combatê-los e controlá-los, com o uso de outros profissionais além dos médicos, como enfermeiras, fisioterapeutas, educadores físicos e nutricionistas. Os cuidados não estão centrados no hospital, mas em deixar o paciente o máximo de tempo possível em sua casa. Isso já começou a acontecer em alguns lugares e deve se intensificar num futuro próximo.
Outro ponto digno de nota são os serviços de saúde mental. Eles foram ignorados por muito tempo! E as enfermidades que esses centros tratam, como ansiedade, esquizofrenia e depressão, são de longo prazo. É vital investir nessa área para reduzir os custos com internações.
Nós estamos preparados para enfrentar tudo isso?
A verdade é que essas questões nunca se resolvem por completo. Você resolve de um lado e logo em seguida já aparece outro problema na nossa frente. O sistema de saúde é extremamente complexo e cada país precisa encontrar sua maneira de lidar com esse assunto.
Quer dizer então que os desafios variam de acordo com o país?
Existem alguns desafios que são transversais, como os altos índices de tabagismo, as taxas elevadas de acidentes de trânsito ou o aumento dos casos de diabetes. Mas sempre há pontos específicos, como as localidades que ainda são afetadas pela malária, por exemplo.
Acredito que no geral todo o mundo vai evoluir. Se os recursos disponíveis forem bem aplicados, os ganhos serão ainda maiores nos países de grande população, como a Índia e a China.
E como que o poder público e os governantes devem se preparar para lidar com esse cenário desafiador?
Para toda administração, o problema vai ser sempre o dinheiro. O orçamento é limitado e não dá pra pagar tudo. O desafio está em moderar e manejar bem esses gastos, independentemente do país. Vejo que o Brasil está investindo pouco em saúde na comparação com as outras nações. Existe aqui uma dicotomia grande entre os serviços públicos e privados, quando esses dois setores podem e devem se complementar. Esse tipo de visão é bastante contraprodutivo.