Síndrome do Incrível Hulk: o que esse herói tem a ver com a saúde mental
O personagem da Marvel nos remete a um distúrbio de verdade, o transtorno explosivo intermitente. Faça um teste para saber se você pode sofrer com ele
“Não me irrite, Senhor McGee. O senhor não gostaria de me ver irritado.” Quem assistiu à série O Incrível Hulk, produzida entre 1978 e 1982, sabe bem o porquê. Quando ficava nervoso, sai de perto: o pacato cientista David Bruce Banner, interpretado pelo ator Bill Bixby, se transformava numa criatura verde de força descomunal, vivida pelo fisiculturista Lou Ferrigno. Até voltar ao normal, era capaz de quebrar tudo o que visse pela frente. E o pior: quando reassumia sua condição humana, não se lembrava de praticamente nada.
O Golias Esmeralda da Marvel, atualmente nos cinemas em Os Vingadores – Ultimato, foi criado em 1962 pelo roteirista Stan Lee e pelo desenhista Jack Kirby. Dois clássicos da literatura serviram de inspiração: Frankenstein (1818), de Mary Shelley, e O Médico e o Monstro (1886), de Robert Louis Stevenson. O nome do gigante de 2,35 metros de altura e 635 quilos é uma abreviação de “hulking”, gíria que pode ser traduzida como “brutamonte”.
Hulk inspirou desenho animado, saltou para as telas do cinema e até virou apelido de distúrbio psiquiátrico, o transtorno explosivo intermitente (TEI), incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-5.
Não é todo ataque de fúria, no entanto, que deve ser classificado como TEI. Precisa atender a certos requisitos. O principal é a impulsividade. Quem explica é a psicóloga Vânia Calazans, autora do livro Mente Impulsiva, Comportamento Explosivo (Editora Sinopsys): “Essas explosões de raiva, verbais ou físicas, são sempre repentinas, nunca premeditadas. No momento da explosão, a sensação é de alívio. Mas, passados alguns minutos, o sujeito sente culpa, vergonha e arrependimento”.
Entre ofensas e agressões
Como não existe um exame específico para identificar o TEI, o diagnóstico ainda é puramente clínico. Em geral, o transtorno pode ser detectado a partir dos 6 anos de idade – antes disso, pode ser confundido com hiperatividade – e os sintomas tendem a se acentuar por volta dos 18. Mas o DSM-5 estabelece critérios bem definidos. Dois dos principais são: frequência e intensidade.
As crises consideradas “leves” englobam ameaças, xingamentos e agressões físicas sem lesão corporal e ocorrem, em média, de duas a três vezes na semana por um período mínimo de três meses. Já as explosões classificadas como “severas” abrangem de agressões físicas com lesão corporal a crimes contra o patrimônio — acontecem ao menos três episódios em um ano. “Quanto o ataque é pontual, esporádico, não é diagnosticado como TEI”, esclarece a psicóloga Marilda Lipp, diretora do Instituto de Psicologia e Controle do Stress, em São Paulo.
Quanto à intensidade, a reação é sempre desproporcional. Ou seja, situações banais do cotidiano provocam respostas exageradas. Na hora da raiva, pode sobrar para qualquer um: pessoas, animais, objetos e até propriedades. A psicóloga Liliana Seger, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI), do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, dá exemplos: “Se o sujeito precisa usar a internet, mas o computador não funciona, ele quebra o monitor. Se quer fazer uma ligação, mas o celular está sem sinal, arremessa o aparelho contra a parede. A raiva é tanta que ele nem pensa no prejuízo que vai ter”.
De onde vem tanta raiva?
Nos quadrinhos, Bruce Banner começou a se transformar no Hulk depois que foi exposto, acidentalmente, a uma dose excessiva de radiação gama. Mas e na vida real? O que está por trás do TEI? Ainda não há consenso. Para uns, trata-se de uma disfunção hormonal e neuroquímica: a baixa produção de serotonina, o neurotransmissor ligado à sensação de bem-estar, tornaria as pessoas mais irritadiças. Para outros, a resposta é a predisposição genética. “Há indivíduos que já nascem mais sensíveis aos fatos à sua volta. Por essa razão, reagem de modo exagerado a qualquer situação que interpretam como provocação”, interpreta Marilda.
Não se fala em cura para o transtorno explosivo intermitente. Mas dá para tratar e arrecadar mais qualidade de vida. Quanto antes o quadro for detectado por um especialista, melhor. Do contrário, o distúrbio pode impor estragos à vida afetiva, profissional e social. “Às vezes, quando o sujeito procura atendimento, já é tarde demais. Separou da mulher, perdeu o emprego ou está respondendo a processos judiciais”, alerta a professora Marilda.
Pesquisas apontam que 3% da população sofre de TEI. No Brasil, daria algo em torno de 6,2 milhões de cidadãos — na proporção de três homens para cada mulher.
Na maioria dos casos, o tratamento é a psicoterapia. O objetivo das sessões é ajudar o indivíduo a identificar as situações de risco (os famosos “gatilhos”) e ensiná-lo a controlar sua raiva. “Levou uma fechada no trânsito? Ok, o que vamos fazer numa situação dessas? Gritar palavrões, buzinar sem parar, perseguir o outro feito louco ou apenas seguir adiante?”, exemplifica Vânia.
Dependendo do quadro, remédios contra depressão e ansiedade podem ser prescritos para complementar o tratamento. “O pavio do portador de TEI tende a ser curto. O objetivo da medicação é aumentar o tamanho desse pavio”, explica Liliana.
Agora é com você
Que tal fazer um teste para identificar seu risco de ter o transtorno explosivo intermitente? O resultado não crava um diagnóstico, mas indica a necessidade, ou não, de procurar um profissional de saúde.
Se você respondeu “sim” a pelo menos uma das perguntas abaixo, vale a pena buscar avaliação médica e psicológica.
- Você explode pelo menos duas vezes por semana?
- Seus ataques de fúria são desproporcionais aos fatos que os originam?
- Não costuma premeditar seu comportamento explosivo?
- Após as explosões, sente culpa, arrependimento ou tristeza?
- Na hora da raiva, costuma quebrar objetos independentemente de seu valor?
Fonte: PRO-AMITI/ USP