Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
Nova série da HBO mostra início da epidemia de HIV ao Brasil
Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente estreia no domingo com uma mensagem poderosa. Confira os detalhes do lançamento, com entrevistas do elenco
Por André Bernardo
Atualizado em 29 ago 2025, 20h48 - Publicado em 29 ago 2025, 20h27
Série da HBO retrata período crítico da epidemia de aids no Brasil (Daniel Chiacos/Reprodução)
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Quando acabou de assistir, em primeiríssima mão, ao primeiro dos cinco episódios da minissérie Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, a infectologista Márcia Rachid começou a chorar. Uma das pioneiras no atendimento a pessoas com HIV/aids no Brasil, ela se lembrou dos incontáveis pacientes que perdeu.
“O que mais me incomodava era o abandono”, recorda a médica. “Havia pacientes que não recebiam visitas. Nenhum amigo, nenhum parente. Esse medo era infundado porque, desde 1983, sabíamos que o risco de transmissão por contato social, por compartilhamento de objetos ou por dar ou receber abraço era zero”.
Ainda soluçando, ela mandou uma mensagem bem-humorada para o produtor Thiago Pimentel e para os diretores Marcelo Gomes e Carol Minêm: “Isso não se faz! Ainda tenho mais quatro episódios para assistir”. A obra estreia no dia 31 de agosto no streaming HBO Max.
Ícaro Silva, Bruna Linzmeyer e Johnny Massaro (Daniel Chiacos/Reprodução)
Pimentel tomou conhecimento da história real que dá origem à minissérie em 2019 ao assistir ao documentárioCarta para Além dos Muros, de André Canto, que fala sobre a epidemia de Aids no Brasil, desde os anos 1980 até os dias de hoje. “Márcia acompanhou todo o processo de produção: desde a criação dos roteiros até a filmagem dos episódios”, afirma Pimentel. “Não queríamos cometer erros na abordagem do tema”.
Termos considerados pejorativos como “aidéticos” ou desatualizados como “soropositivos” foram suprimidos ou substituídos por “pessoas vivendo com HIV/Aids”. O roteiro é de Leonardo Moreira e Patrícia Corso.
A história que inspirou a minissérie fala da coragem de um grupo de comissários de bordo da Varig que, diante da falta de remédios no Brasil, contrabandeavam medicamentos do exterior.
Atualmente, a associação de antirretrovirais preferida dos médicos é a que combina dolutegravir (DTG), tenofovir (TDF) e lamivudina (3TC). Indicada para cerca de 80% dos casos, tem alta eficácia e baixíssimos efeitos colaterais. Mas, nem sempre foi assim.
Os primeiros antirretrovirais surgiram ainda na década de 1980 — o azidotimidina (AZT), por exemplo, foi aprovado nos EUA em 1987. Como seu uso ainda não era legalizado no Brasil, os comissários de bordo precisavam trazê-lo ilegalmente do exterior por meio de compra ou doação. Se fossem descobertos pela Varig (companhia aérea que faliu em 2006) ou denunciados à polícia, poderiam ser demitidos ou presos.
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“As pessoas que vivem com HIV e estão em tratamento hoje têm uma expectativa de vida igual àquelas que não vivem com o vírus”, afirma o ator Johnny Massaro, que interpreta Fernando, um dos comissários de bordo da minissérie. “Naquela época, receber o diagnóstico de aids era o mesmo que ser condenado à morte”.
O preconceito, um vírus que ainda mata
Quem também interpreta uma comissária de bordo é a atriz Bruna Linzmeyer. Em sua preparação, ela destaca a consultoria prestada pela infectologista Márcia Rachid. “O avanço científico foi imenso. Mas, o preconceito continua o mesmo”, lamenta a atriz, reproduzindo uma fala da médica. “Muitas pessoas, no Brasil e no mundo, ainda morrem, todos os dias, de culpa, vergonha e desinformação”.
Já o ator Ícaro Silva interpreta Raul. De dia, ele trabalha como segurança de uma boate; à noite, se apresenta como drag queen. “Quem morre de Aids hoje morre de preconceito. Por isso, a minissérie também tem esse caráter denunciatório: é preciso combater o medo e a desinformação”.
Muitos brasileiros ainda desconhecem seu status sorológico, isto é, não sabem se estão infectados. Alguns podem ter HIV e nem desconfiam.
A exemplo de Márcia Rachid, Marcelo Gomes também não segurou a emoção. Mas, no caso dele, ao receber o convite para dirigir a minissérie. “Nos anos 1980, eu era um jovem gay no Recife e vivia o momento mais feliz da minha vida. Com o fim da ditadura, só queria saber de dar beijo na boca e ser feliz”, recorda o diretor geral. “Já naquela época, o Brasil era um país conservador. Até mais do que hoje em dia”.
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Um dado que emocionou a todos foi saber que, graças ao AZT trazido ilegalmente do exterior, muitos pacientes atendidos por Márcia Rachid no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 continuam vivos até hoje. “Muitas pessoas têm a impressão de que a epidemia da Aids acabou. Não é verdade. Dura mais de 40 anos”, alerta a diretora Carol Minêm.
“Com o aumento do negacionismo, esse assunto precisa voltar ao debate. Mais do que nunca”.
Aids é a sigla em inglês para síndrome da imunodeficiência adquirida, uma doença que ataca as células do sistema imunológico. Ela é causada pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV. Ter o vírus não significa que a pessoa vai desenvolver aids. Uma vez infectada, no entanto, a pessoa vai viver com HIV por toda a vida.
Desde o início da epidemia, 85,6 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram infectadas pelo HIV. Dessas, 40,4 milhões morreram em razão da aids. Atualmente, 39 milhões vivem com o vírus no mundo, dos quais 29,8 milhões estão em tratamento antirretroviral.
Só em 2022, o Programa para Aids das Nações Unidas (Unaids) registrou 1,3 milhão de novos casos; em 1995, foram 3,2 milhões.
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No Brasil, 371,7 mil pessoas, até dezembro de 2021, morreram de Aids. Algumas eram figuras famosas, como o cantor Cazuza, o escritor Caio Fernando Abreu e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.
Hoje, 990 mil vivem com HIV no país, segundo o Unaids. Dessas, 731 mil seguem o tratamento à risca e podem levar uma vida normal. São os chamados indetectáveis. Embora vivam com HIV, não transmitem mais o vírus.
Referência mundial no combate à Aids, o Brasil foi um dos primeiros países a oferecer, em 1996, o tratamento antirretroviral gratuito e universalmente. Hoje, existem 22 remédios disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
“A solidariedade daquelas pessoas transformou a dor em esperança”, afirma Márcia Rachid. “Acreditar que teria um tratamento fez toda a diferença na busca por direitos e na vontade de viver”.
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